sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A ÍNDIA BAÍRA E OS HORRORES DA COLONIZAÇÃO

 

Na imensidão de um intenso mar verde de árvores, distante cerca de mais de 2.500 km da costa atlântica brasileira, bem alimentada pelos peixes, caças, frutas tropicais e a indispensável farinha de mandioca, alimentos abundantes, a figura esbelta de uma jovem de 18 anos, com seus cabelos pretos e lisos como a asa da graúna - como já dissera José de Alencar, no romance Iracema -, olhos amendoados, corpo nu queimado do sol de um tom moreno da cor de jambo, a índia Baíra é a personificação da beleza da raça.  

É a Amazônia exuberante com seus mistérios e riquezas naturais cobiçadas pela ganância daqueles homens barbudos que aqui chegaram há 523 anos com as feridas do escorbuto de tantos meses ao mar sem os alimentos necessários ao equilíbrio orgânico e começaram a ensinar aos autóctones seus ritos de fé e regras de convivência sociais pretensamente civilizadas. 

Mandaram que se ajoelhassem em obediência a um deus desconhecido e a aceitarem impositivamente as novas regras de relação social deles. Depois disso os autóctones jamais se levantaram, num processo de subjugação secular. 

Sempre fico a imaginar a estupefação de alguém que estando na praia vê chegar do mar aquele barco gigante com homens com seus corpos cobertos de pano e portando objetos que cospem fogo. Nas suas inocências e boa-fé eles não sabiam que eram considerados apenas como seres quase humanos e o que os esperava.  

Acho que é algo assim como se víssemos hoje um extraterrestre de formas estranhas, com três olhos, chifres, e com capacidade de levitação.  

De início, tal como os autóctones, não saberíamos das intenções desses seres estranhos e trataríamos de estabelecer relações para identificarmos o porquê de virem parar por aqui e seus respectivos poderes em relação às nossas vidas.  

Diferentemente dos autóctones, por estarmos ressabiados com a maldade dos nossos semelhantes humanos, ficaríamos temerosos do contato e seus possíveis riscos à nossa vida e civilização, que, apesar de incivilizada, poderia estar ameaçada por coisa ainda pior.  

Certamente que os privilegiados da nossa forma de relação social atual, dependendo da coloração dos ETs e se ameaçassem seus privilégios, taxariam os aliens de comunistas intergalácticos e chamariam as Forças Armadas para o efetivo bombardeio dos seres intrusos. 

Muitos dos nossos humildes cidadãos mais religiosos pagadores de impostos e submissos à apropriação indébita pelo capital dos seus tempos de trabalho abstrato propiciadores da acumulação do capital, mas apegados à fé que os compensaria pelos sofrimentos terrenos, se perguntariam se aquelas figuras seriam tementes a Deus, ou mesmo filhos dele, e merecedores do Reino dos Céus.  

Se ficassem comprovadas as suas origens divinas e devoção ao mesmo Deus monoteísta ao qual professam a sua fé, todos os sacrifícios seriam aceitos em nome da vida espiritual tão ansiosamente esperada.  

Outros, mais imediatistas, se perguntariam sobre o que de bom eles poderiam nos dar sem que continuássemos a depender do governo e seus representantes políticos que a cada dois anos prometem a solução de problemas crônicos e primários da nossa civilização, tais como poder comer e morar decentemente. 

Sem falar nos outros problemas, se pelo menos esses dois primeiros problemas pudessem ser resolvidos, os ETs poderiam ser considerados pelos militantes políticos como companheiros e, de acordo com o pragmatismo da política de resultados, seriam convidados para fazer a inscrição sindical e se tornarem eleitores com filiação partidária.


 
Mas a índia Baíra, morando numa reserva indígena isolada, nem desconfia do processo desumano que se iniciava ali e duraria cinco séculos por aqui; a única coisa que lhe parece estranha são aqueles homens que chegam com as suas dragas enormes, a extrair da lama uma pedra brilhante a que chamam de ouro e que tanto cobiçam.  

Por aquelas pedras brilhosas que retiram dos rios e da terra eles não mais distribuem espelhos, mas matam e esfolam quem se meter a impedi-los da prática dessa atividade, além de colocarem um líquido chamado mercúrio que separa as pedras brilhantes da lama e que tem matado peixes e muitos dos nossos irmãos quando agora tomam as águas poluídas que antes eram límpidas como as que caem da chuva. 

Outros cortam todas as arvores e as arrastam em geringonças de ferro que chamam de tratores e caminhões pelas clareiras abertas, deixando um clarão desértico e árido em meio à floresta.  

Baíra jamais soube que esse processo de ocupação das terras na qual viveram seus ancestrais tenha começado há 523 anos, quando por aqui chegaram os ditos civilizados e assim foram ditando as normas de relações sociais escravistas que até hoje perduram e que mataram tantos dos seus irmãos de etnia ameríndia.    

Muito menos ela desconfia que esta mesma civilização que porta uns pequenos aparelhos chamados celulares, e que se comunica com outras pessoas à distância com imagens, possa ser tão irracional ao ponto de cometer genocídios como estes dos últimos conflitos mundo afora, estando hoje sob ameaça de destruição da vida no Planeta por uma bomba atômica ou pelo aquecimento insuportável da temperatura atmosférica. 

Não entende a causa da seca dos rios onde antes ela tomava banho nas águas amazônicas abundantes e despoluídas e que agora estão mais escassas.  

Baíra, ao ver um dos seus belos e fortes pretendentes da tribo para quem sempre sorri com ar de reciprocidade acolhedora ser assassinado por conta de um tiro saído de uma arma de fogo de garimpeiros, deixa cair uma lágrima sobre seu rosto bonito. 

 Tristonha se pergunta: por quê? (por Dalton Rosado) 

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