Foi quando um raro presidente socialista, ao ser deposto, teve brio para combater o inimigo com uma metralhadora na mão até o sacrifício final, preferindo a morte à rendição e ao exílio.
Prestamos nossa homenagem a Salvador Allende e seus bravos camaradas postando novamente Chove sobre Santiago (Il pleut sur Santiago, 1975), um filme superlativo, simplesmente obrigatório para quem quer entender o ciclo das ditaduras direitistas instaladas na América Latina, com beneplácito dos EUA, nos anos 60 e 70.
Mostra o desencadeamento do pinochetazo no dia 11 de setembro de 1973, seus antecedentes desde a vitória eleitoral da Unidade Popular (incluindo o acalorado debate no seio das forças direitistas, sobre a aceitação ou não do veredicto das urnas), as realizações do novo governo, a escalada de sabotagem que foi sofrendo, o golpe e o banho de sangue subsequente.
A opção pelo drama histórico (ao invés de um simples documentário) foi felicíssima: o diretor chileno Helvio Soto conseguiu prender a atenção dos espectadores com uma narrativa tensa, contundente e emocionante, sem prejuízo dos aspectos didáticos do filme, que se propunha a esclarecer o mundo sobre o que realmente aconteceu no Chile.
Desafiado pelos militares golpistas a cantar para seu público lá presente, ele ousadamente o fez, até ser morto (não a coronhadas, como se acreditava na época em que o filme foi feito, mas a tiros, tendo uma autópsia efetuada em 2009 constatado marcas de 44 disparos).
Detalhe emblemático: suas mãos foram esmagadas pelos golpes recebidos. Que paúra os fascistas tinham de suas canções!
Assim como é impactante ao extremo a sequência do enterro do Prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda, que morreu de câncer de próstata (e muito mais de desgosto) dez dias após o golpe.
É difícil conter as lágrimas ao vermos os acompanhantes do funeral, em meio a todo aquele desalento e intimidações, no auge do terror fascista, terem forças e coragem para gritar seu desafio altaneiro:
"Companheiro Neruda? Presente! Agora e sempre!"
"Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor" |
Idem a do último discurso de Allende, consciente de que a morte era inevitável após ter recusado a oferta de lotar um avião com seus seguidores mais próximos e partirem ilesos para o exterior.
O título do filme é a senha utilizada pelos golpistas para informar a seus cúmplices do país inteiro que era aquele o momento de estuprar as instituições. As rádios noticiavam a cada momento que chovia sobre Santiago, embora tal não estivesse ocorrendo.
Destaque para as magníficas atuações dos atores consagrados que colaboraram solidariamente para a viabilização do projeto de Soto – Jean-Louis Trintignant, Bibi Andersson, Annie Girardot, Riccardo Cucciolla e Bernard Fresson, dentre outros – e para as músicas inspiradíssimas de Astor Piazzola.
Recomendo fortemente aos leitores que não deixem de ver Chove sobre Santiago, mesmo com uma qualidade de imagem menos satisfatória que a habitual.
E, para quem quiser saber mais sobre o sangrento golpe de estado que extirpou um dos mais belos experimentos socialistas de nosso continente, recomendo este esclarecedor artigo do repórter e documentarista australiano John Pilger. (por Celso Lungaretti)
Um comentário:
Les Chicago Boys et le "saccage" du Chili
https://www.youtube.com/watch?v=I42l3SCWZXs
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