quarta-feira, 26 de abril de 2023

ATAQUES A ESCOLAS SÃO SINTOMA DE NAZIFASCISMO INCUBADO

O professor de biologia, 58 anos, resistiu à tentativa
de derrubá-lo no chão; aí o aluno virou sua mesa.
 
C
ircula na internet um vídeo mostrando um aluno adolescente que agride seu professor. 

O aluno puxa a cadeira, por pouco o professor não cai. Vira a mesa no chão e derruba o laptop do professor. O professor é grisalho e de barba branca. 

À volta, outros alunos admiram a proeza: uma das meninas, em particular, se dobra de rir.

O caso ocorreu na Escola Estadual Professor Carlos Alberto de Oliveira, no centro da cidade de Assis, no estado de São Paulo. 

Os indicadores assinalam que, no seu conjunto, os estudantes dessa escola provêm de famílias acima da média nacional do Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica, a maioria deles com pais ou responsáveis que completaram o ensino médio ou o superior. 

Quer dizer: fazem parte de uma boa classe média, numa boa cidade de uns 100 mil habitantes. Não se trata, portanto, de periferia perigosa, em que a violência é o pão cotidiano. Ela surge de um meio educado, não de um ambiente miserável, em que tudo falta.

De imediato, aquele vídeo indica que o espetáculo dado pelo aluno não é o de uma pulsão agressiva ou descontrolada, mas de um ato calculado. Ele gira à volta do professor como se aquilo fosse um teatro; o aluno tem um público, que participa e pactua com ele. 

Registrado pelo celular, esse espetáculo se transforma em filme e, na internet, o público se amplia de modo desmedido. A crueldade local, que se quer comédia, circula e termina publicamente condenada.

No caso de Assis, a violência afirma uma convicção de superioridade, demonstrando dominação sobre o outro, do aluno sobre o mestre. 
2019: surrado por aluno de 14 anos,
Paulo Procópio desistiu de lecionar.

Violência
e violar são palavras de mesma etimologia. Violar é estuprar, é invadir aquilo que é próprio ao outro, é submetê-lo. As adrenalinas e as endorfinas do ato violento, acompanhadas pela excitação de se exibir como um herói em um meio que valoriza a agressividade enquanto sinal de força e poderio, decerto ofereceram àquele adolescente uma embriaguez intoxicante de prazer.

Os incidentes violentos em escolas têm aumentado. Crianças foram atacadas em Santa Catarina, em Goiás, no Ceará, e uma professora foi assassinada.

O balanço apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a respeito da segurança nas escolas, lista números aterradores de acontecimentos em ambiente escolar em dez dias apenas:
— 1.595 boletins de ocorrência;
— 694 intimações de adolescentes;
— 225 prisões ou menores e crianças apreendidos;
— 1.224 casos em investigação por todo o país;
— 756 perfis removidos ou suspensos de plataformas como Twitter e TikTok;
— 7.473 denúncias recebidas no canal exclusivo do ministério, o Escola Segura

O ministro classificou a situação como uma epidemia de violência.

É uma situação que afeta a rotina dos estabelecimentos, obrigados a reforçar controle e segurança, intensificando o medo, com os espíritos ainda mais excitados pela maldade dos alarmes falsos. 

Um levantamento da Folha de S. Paulo constatou que, nos últimos 30 dias, houve pelo menos 102 projetos de lei nas Assembleias Legislativas dos 26 estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, relacionados à segurança das escolas: fala-se num big brother escolar.

São abomináveis sintomas de uma sociedade que adoeceu graças a um nazifascismo larvar.

A classe média, em sua maioria, vestiu a camisa das violências intolerantes e seguras de si na sua superioridade. Quando digo superioridade, não significa, está claro, que ela seja de fato superior. Ao contrário, a vulnerabilidade da classe média reside no medo de perder o que possui.
2020: este estudante de 23 anos matou a facadas seu 
professor de educação física numa universidade de MG

Por esta razão, ela busca, para si mesma e para os outros, os sinais exteriores de sua própria relevância, que vão de roupas e acessórios de marca; dos carros que favorecem a vaidade rasa ao desprezo expresso em relação aos inferiores –entre eles os .professores, com seus salários baixos– ou aos que ela sente como tais (desprezo que atinge seu paroxismo na violência desencadeada). 

São atitudes próprias a uma classe média arrogante que carece de qualquer projeto civilizatório.

big brother proposto pelos deputados é paliativo de urgência que mal arranha a superfície de uma corrosão infinitamente mais profunda. Não corrige nada, porque o mal está na perda da consciência civilizatória, da convicção que o conhecimento é a base da civilização.

Ao contrário disso, o conhecimento levanta-se como um entrave às afirmações brutais, às escolhas truculentas, aos negacionismos estúpidos que alimentam o nazifascismo velado. O conhecimento se opõe à falência da civilização. Não é por acaso que as escolas tenham sido alvo de tantas agressões.

Até o ano passado, o Brasil foi dominado por um nazifascismo que se aboletou no poder, franco, direto, exposto, que não disfarçava seu projeto de barbárie. Por pouco ele não se prolongou; se dependesse do interior do estado de São Paulo, se dependesse, p. ex., da cidade de Assis, estaria ainda no comando federal.

O nazifascismo foi contido pelo voto e pelas instituições, mas isto não quer dizer que nossa sociedade tenha sido saneada da peste.  

Ela continua incubada, manifestando-se por erupções como essas que só podemos constatar com angústia e tristeza. 
Enquanto a cultura da truculência brutal continuar presente, a civilização estará ameaçada em nosso país. (por Jorge Coli, professor de história da arte na Unicamp)

Sementes da violência, dirigido por Richard Brooks em 1955, 
chocou os EUA ao apresentar nas telas uma delinquência juvenil
que, hoje em dia, não estarreceria ninguém na sessão da tarde.

3 comentários:

Anônimo disse...

https://gilvanmelo.blogspot.com/2023/04/marcio-pitliuk-banalizacao-do-nazismo.html

Anônimo disse...

Não se pode deixar de citar a parcela de contribuição de Paulo Freire (que não era um nazifascista) ao caos pedagógico que vivemos: "Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora"-Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia. Não custa lembrar que enquanto isso estiver sendo ensinado aos nossos educadores não podemos reclamar.

David Emanuel disse...

Anônimo de 2:11, você está falando uma grande bobagem e apenas repetindo asneiras da extrema-direita que coloca a culpa da situação do ensino brasileiro em Paulo Freire. Em primeiro lugar, Paulo Freire, apesar de ser tão aclamado pela oficialidade, não é usado no ensino público brasileiro, mas apenas, em nível limitado, no ensino particular. Culpar Freire pela caos educacional é ser completamente ignorante da realidade do Brasil. Em segundo lugar, Freire está totalmente correto no que coloca, pois não basta a rebeldia para transformar a realidade social, é preciso pensamento crítico e ação radical, revolucionária. A rebeldia por si mesma é apenas um espasmo de raiva sem orientação, mas a ação revolucionária é a rebeldia orientada para um fim, a transformação da sociedade em sua estrutura fundamental. Este blog é comprometido com essa ideia de Paulo Freire e concorda plenamente, nesse ponto, com o eminente filósofo. Por fim, remotamente ligar Freire com os ataques às escolas é sinal não apenas de ignorância, mas de pura má-fé, pois nada mais contrário ao pensamento dele do que essa violência descabida contra o corpo escolar.

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