terça-feira, 25 de abril de 2023

49 ANOS DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS. O POVO PORTUGUÊS E OS MILITARES COLOCAVAM FIM À MAIS LONGA DITADURA FASCISTA DA EUROPA.

 


Às 22 horas e 55 minutos do dia 24 de abril de 1974 era tocada em uma rádio de Portugal a música E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. 

Seria mais uma faixa musical comum ecoando pelas rádios portugueses em uma noite morta de um país ainda altamente provincial, um dos mais atrasados e pobres da Europa, que mais se parecia com as cidades interioranas do Brasil. Ficara assim após 41 anos de ditadura do Estado Novo, um regime de inspiração fascista instalado por António Salazar na virada da década de 1920/30 no contexto da contrarrevolução europeia e cuja sobrevivência pós Segunda Guerra foi garantida pelo apoio dos EUA, em paralelo a outro regime fascistóide, da vizinha Espanha.

O público e nem as autoridades da ditadura deram grande importância para a música, pois era um vulgar hit pop em moda no período, inofensivo e com uma letra açucarada sobre um casal terminando uma relação amorosa. Contudo, havia um grupo muito atento à canção e à sua espera para iniciar uma mobilização de impactos profundos para Portugal, para a Europa e mesmo para o Brasil. 

Na realidade, a música era uma senha combinada por militares revoltosos. Ao ser tocada, eles souberam que era chegada a hora de se colocar a postos, pois o levante avançara. Bastaria agora esperar pela segunda senha, outra música, essa sim de caráter abertamente subversivo, pois proscrita pelo regime, Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso. E assim foi, tendo sido ela tocada às 00h25 do dia 25 de abril. Começava Revolução dos Cravos

O descontentamento entre as fileiras militares vinha das guerras coloniais portuguesas, travadas desde pelo menos 1961 contra a independência dos países africanos. Eram verdadeiros Vietnãns de Portugual, com milhares e milhares de jovens sendo embarcados para ir morrer em África por territórios já praticamente perdidos. O isolamento internacional da ditadura portuguesa quanto a essa questão agravava o quadro, com pressões crescentes dos EUA quanto ao encerramento definitivo dos conflitos e o reconhecimento da independência das colônias por parte de Lisboa. Nisso, o governo estadunidense apenas buscava assegurar sua influência entre os novos países, temeroso da presença soviética naquele continente. 

No entanto, algo desapercebido pelo regime era o tamanho da presença de revolucionários e comunistas entre as forças armadas portugueses, fato importante para o levante se transformar rapidamente de uma simples derrubada de um governo em uma autêntica revolução política e social, com transformações profundas na estrutura da sociedade portuguesa. 

Contudo, o fato decisivo certamente foi a mobilização popular em massa. Rapidamente, ao tomar conhecimento do levante, milhares de portugueses foram às ruas apoiar o movimento. Em Lisboa, uma maré de indivíduos se misturava aos tanques e cercavam os palácios, exigindo a prisão dos membros da ditadura. Além do desgaste profundo das quatro décadas de ditadura, responsáveis por deixar Portugal em situação de pobreza crônica, a crise do choque de Petróleo havia encarecido imensamente o custo de vista e, na ausência de eleições ou mecanismos democráticos de participação popular, o descontentamento se armazenava até explodir naquele 25 de abril de 1974.

Para mostrar o tamanho do isolamento social do regime, basta considerar que praticamente não houve nenhuma resistência contra os revoltosos. As Forças Armadas apoiaram a derrocada de Marcelo Caetano, sucessor de Salazar, de forma unânime. Apenas pequenos contingentes do PIDE - Polícia Internacional e de Defesa do Estado -, espécie de Dops da ditadura portuguesa, se dignaram a enfrentar os revolucionários, muito mais por temerem a prisão do que para proteger o regime. 

A grande cisão viria na sequência, entre forças anticapitalistas e reformistas. Foi colocado em marcha profundo processo de reforma agrária, reforma urbana, expropriação de indústrias e estatização de empresas estrangeiras. Começaram a surgir conselhos populares  e eleições livres e diretas foram convocadas. O Centro de Comando do Movimento das Forças Armadas - MFA -, cabeça da insurreição, apoiava todas as medidas de cunho revolucionário e nos quartéis faziam-se juramentos em defesa do socialismo. 

A burguesia portuguesa, em articulação com os EUA, tendo sido fragorosamente derrotada com a queda do Estado Novo e incapaz de impor um novo governo de continuidade econômica sobre forma democrática - igual o que viria a ser feito no Brasil após o fim da ditadura militar - começou a articular com as forças reformistas do movimento, aceitando mudanças políticas e sociais desde que não tocassem profundamente na propriedade privada e no modo capitalista

Um dos grandes temores do governo estadunidense era de Portugal passar à órbita da URSS, com consequências terríveis para a própria OTAN, da qual o país europeu era um dos principais membros e, por isso, milhões de dólares foram enviados para lá a fim de fornecer custeio para obras públicas e modernizar a infraestrutura. O mesmo fizeram a França, a Inglaterra e a Alemanha Ocidental, invertendo somas vultuosas de divisas, fato determinante para reduzir consideravelmente o custo inflacionário em um  país que vivia quase exclusivamente de importações e favorecendo as forças da centro-esquerda, sobretudo o Partido Socialista, o qual nesse período estava articulado com a burguesia portuguesa para frear o avanço revolucionário.

A revolução dos Cravos termina de fato em 25 de novembro de 1975, quando um levante de militares revolucionários é derrotado, colocando fim ao chamado Processo Revolucionário em Curso e estabelecendo de vez Portugal como um país liberal e capitalista. Foram conquistados direitos políticos e um Estado de Bem Estar Social semelhante ao em vigor no resto da Europa à época, hoje já em processo de desintegração. Porém, ficará para sempre a marca dos heróis, anônimos ou não, que lutaram por um novo futuro em um momento de rara comunhão entre os militares e o povo comum. (por David Emanuel Coelho) 





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