domingo, 15 de janeiro de 2023

NÃO É A BURGUESIA QUE SALVARÁ NOSSA CIVILIZAÇÃO. SOMOS NÓS, OU NINGUÉM

Vamos supor que o capitalismo esteja sendo minado porque as tecnologias por ele desenvolvidas, ao tornarem cada vez mais desnecessária a mão-de-obra humana, fazem aumentar progressivamente o número de desempregados.

Vamos supor que tal processo esteja alargando ao máximo o fosso entre os que trabalham para as empresas modernas e obtêm remuneração que lhes permite comprar algumas das mercadorias produzidas, e os que ficam fora de tal universo, relegados a empregos desvalorizados, a serviços temporários, aos sub-empregos, à criminalidade e à marginalidade.

Vamos supor que, com isto, a desigualdade econômica esteja disparando, repetindo a situação do fim do Império Romano, quando havia cada vez mais bárbaros fora de suas fronteiras, até que os ataques vindos de todos os lados conduziram ao colapso final. 

Vamos supor que, ademais, a riqueza de uns poucos bilionários (já se antevê o surgimento dos primeiros trilionários) dote-os de um poder político tão imenso que lhes permita, por exemplo, retardarem criminosamente a substituição dos combustíveis fósseis pela energia limpa, colocando em risco a própria sobrevivência da espécie humana.

Vamos supor que o desequilíbrio entre a oferta de produtos e a falta de poder aquisitivo por parte dos seus potenciais consumidores gere distorções em escala crescente, de forma que a economia cada vez mais se artificializa, com a contínua disponibilização de créditos a quem não será capaz de os honrar, multiplicando-se as manobras para retardar um acerto  de todas as contas, quando tal sistema implodiria como uma bolha de sabão.

Vamos supor que nada disto seja suposição, mas a pura realidade; e que se aproxime o dia em que a bolha de sabão do capitalismo vá estourar, como quase ocorreu a partir da crise dos subprimes estadunidenses, em 2008.
Então o capitalismo, cuja saúde
depende de uma contínua expansão, já não avança, estagnou. E é o desenvolvimento econômico insuficiente que provoca explosões de descontentamento em tantos países. 

Dá para presumirmos que o colapso final virá a partir de uma depressão generalizada, como a que devastou o mundo a partir de 1929, estendendo-se por quase toda a década seguinte; ou a partir de uma escalada de protestos como os de 2019, só que com maior abrangência.

Este é o pano de fundo sobre o qual se projetam os acontecimentos brasileiros.

Nosso país está entre os mais desiguais do mundo. Nele a dominação do poder econômico é absoluta e os três Poderes da democracia há muito apenas a coonestam, satélites que dele são.

Então, os protestos de 2013, iniciados por um motivo localizado (a majoração das tarifas do transporte coletivo em São Paulo), alastraram-se por todo o País, como uma explosão de inconformismo contra a situação econômica brasileira (o PIB só viria a crescer 2,3% naquele ano) e a classe política corrupta, fisiológica e incompetente.

Era um movimento predominantemente de esquerda, mas o governo do PT voltou-lhe as costas e o deixou entregue à sanha de governadores conservadores que contra ele desencadearam uma repressão cuja truculência não se via desde que o Brasil se redemocratizara, bem como à tendenciosidade dos judiciários estaduais com eles alinhados.

O quadro se repetiu com o movimento #NãoVaiTerCopa, quando o governo petista até  Lei Antiterrorismo aprovou para calar a insatisfação popular contra as escandalosas maracutaias que o evento futebolístico propiciou.

Foi quando a extrema-direita aproveitou a brecha para projetar-se 
mentirosamente como outsider, antagonista da podridão da institucionalidade burguesa, enquanto os jovens manifestantes de esquerda, desiludidos com o abandono ao qual foram relegados no momento  em que eram perseguidos encarniçadamente pelos inimigos, saíram de cena.

As consequências foram a perda da batalha das ruas, a gestação do maior movimento popular ultradireitista desde o pré-1964, o impeachment da Dilma, a prisão do Lula e a eleição de Bolsonaro.

O xis da questão sempre foi o de que as massas despolitizadas ou pouco politizadas culpam os governantes de plantão por suas agruras. 

Exatamente por isto, os pesos da balança começaram a se reequilibrar quando os fascistas passaram a ser também vidraça, com o péssimo governo de Bolsonaro e seu manejo catastrófico da pandemia, pois o negacionismo e sabotagem da vacinação o tornaram culpado pela maior matança de brasileiros jamais ocorrida.

O PT, que desde a década passada comete o erro crasso de deixar que os cidadãos comuns o percebam como parte da institucionalidade burguesa execrada e não como seu adversário, tornou-se um partido tão enfraquecido que precisou fazer uma aliança com quase todas as forças à sua direita (a única exceção, claro, foram os bolsonaristas), ao mesmo tempo que absorvia pantagruelicamente os agrupamentos à sua esquerda. 

Isto para conquistar uma vitória por míseros 50,9% x 49,l% contra um insano e desmascarado genocida, o pior presidente brasileiro de todos os tempos!!! 

E só se salvou do golpe tentado no 08/01 graças, novamente, ao pacto sinistro com o 
stablishment político, para o qual os desvarios bolsonaristas se tornaram muito mais prejudiciais aos negócios do que o mais do mesmo lulista.

Pior: o fez erigindo a democracia burguesa em heroína suprema que salvou a civilização, coonestando um edifício que se assenta sobre a eternização do direito de propriedade privada dos meios de produção dos bens socialmente úteis, cláusula pétrea que consagra a exploração do homem pelo homem.

Mas, a recessão permanente (que é como prefiro chamar o desenvolvimento econômico insuficiente para atender às necessidades do país que vem desde a década perdida de 2011/2020, a pior de 1900 até hoje) não depende de boa ou má governança, mas reflete a crise global do capitalismo, que atinge com mais contundência os países periféricos como o nosso. Então, nada indica que a economia brasileira vá decolar sob Lula. 

Muito menos com a repetição de práticas  já fracassadas no passado, que é o cardápio que se antevê dos novos ministros da área econômica.

Então, passada a lua-de-mel do Lula 3 que, graças à tentativa grotesca de putsch bolsonarista, tende a durar um pouco mais, lá por 2024 ou 2025 a realidade da penúria econômica tende a impor-se novamente, ensejando a provável volta da extrema-direita à batalha. 

Com toda chance de estar reforçada pela troca do líder desmoralizado por outro que não coloque os comandados no campo de luta e corra a distanciar-se o máximo possível para não ser responsabilizado por nada que aconteça.

Ou seja, o que vencemos a dura penas foi apenas um round. Ou uma vitória de Pirro, que escancarou nossas vulnerabilidades a tal ponto que o inimigo dificilmente deixará de tentar outra vez, pois, embora saia derrotado, conseguiu ir muito mais longe do que seria de esperar-se.

Se não aproveitarmos a pausa para rever nossa estratégia de luta, a chance de sermos nocauteados nos assaltos seguintes continuará sendo enorme.

Fatal será nos mantermos identificados com a podridão da política convencional
, vistos pelo povo como quase iguais ao centrão e deixando a aura combativa para os fascistas. 

Temos de resgatar a identidade da verdadeira esquerda, que não existe apenas para preservar, botando remendos cá e lá, o status quo capitalista, mas sim para dar um fim ao primado da ganância e da desigualdade, substituídas pela priorização do bem comum e do atendimento pleno das necessidades humanas.

É uma guinada que, por motivos óbvios, um PT no governo teria dificuldade para dar, mas à qual todos os verdadeiros esquerdistas estão obrigados, sob pena de acumpliciarem-se com tudo de ruim que nos espera adiante. 

Lembrando que, afora o quadro especificamente brasileiro, estamos também na iminência de uma depressão mundial de consequências imprevisíveis e das catástrofes  decorrentes das alterações climáticas que, mais dia, menos dia, desabarão sobre nós. Precisaremos, como nunca, de uma esquerda de verdade no Brasil.

E somos apenas nós que estamos aqui para construi-la, apostando nas chances que ainda temos para, no tempo que nos resta, evitarmos o pior.

Lembrando a frase lapidar do genial Zé Celso, meio século atrás:
.
"Cada geração tem, num curto espaço de tempo e dentro de uma relativa escuridão, que descobrir sua missão, 
cumpri-la ou traí-la".
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Não é a burguesia que salvará nossa civilização. Somos nós, ou ninguém. (por Celso Lungaretti) 

Um comentário:

SF disse...

Acresça-se. E faltará neve em Davos. A elite fiduciária derrete a olhos vistos.

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