terça-feira, 27 de dezembro de 2022

ESTAMOS SUPERESTIMANDO TERRORISTAS CARICATOS E IGNORANDO RISCOS MAIORES

Ubaldo foi um personagem criado por Henfil em 1975, quando o terrorismo de Estado...
A
bomba explode lá fora, agora o que vou temer? 

A pergunta de Torquato Neto na letra de Marginália II é emblemática quanto ao comportamento de expressivos contingentes de brasileiros letrados (como em tudo na vida, há honrosas exceções, claro!): estes não só temem desmesuradamente os perigos verdadeiros, como inventam outros quando os antigos evaporam.

Assim é que a sinistrose do momento são alguns atentados pirotécnicos em Brasília quando da diplomação do Lula como novo presidente da República e outro que deu chabu na semana passada e realmente teria produzido mortes... mas, a esmo, muito mais detonando a imagem do que alavancando a causa dos mentecaptos responsáveis.

Minha terra tem palmeiras onde sopra o vento forte da fome, do medo e muito, principalmente, da morte – também consta daquela certeira reflexão poética do Torquato nos idos de 1968. 

O que é o Brasil, se não um abatedouro de coitadezas? Pela fome, pelo abandono e pelas armas.
...já arrefecia, para satirizar  esquerdistas que continuavam exageradamente apavorados.
Um rio de sangue atravessa nossa História, com a imolação de indígenas, escravos, pobres, rebeldes e uma infinidade de etceteras, para a perpetuação de um autoritarismo e de uma exploração seculares.  

Então, os que hoje temem o jus sperniandi dos debiloides derrotados nas urnas e clamam por medidas policiais são, em grande parte, os que deveriam ter ido às ruas para derrubar o governo genocida antes que ele causasse a morte evitável de aproximadamente 400 mil brasileiros durante a pandemia de covid, afora os pelo menos 600 mil que, mesmo sem a escandalosa sabotagem negacionista à vacinação, estavam destinados a morrer.

Mas, esses heróis do teclado e dos conchavos vergonhosamente, deixaram que secundaristas e torcidas organizadas de futebol fossem enfrentar sozinhos as hordas fascistas na avenida Paulista... e escorraçá-las, comprovando que o inimigo, afinal, nunca passara de um tigre de papel.  

Assim como o era o império colonial português quando os inconfidentes mineiros tinham enorme chance de deflagrar um verdadeiro processo de independência, mas tantos que tinham algo a perder ficaram em cima do muro e acabaram descendo pelo lado errado; Tiradentes foi abandonado às feras.
Onde estão nossos mortos? Onde estavam nossos apoiadores de 68?
Tanto quanto fomos abandonados às feras nós, os resistentes dos
anos de chumbo, pois bastaria que um centésimo dos manifestantes de 1968 entrasse na luta conosco em 1969 para termos real possibilidade de vitória. 

Enfim, voltando à paúra da vez. parece nem sequer ter passado pela cabeça de quantos esperaram a desbozificação cair do céu, a obviedade de que eram inevitáveis esses episódios de faroeste caboclo após o Bozo:
 ter facilitado tanto o acesso a armas de todo tipo e calibre (inclusive as privativas das Forças Armadas), seja afrouxando a legislação, seja enfraquecendo o controle; e,
— haver trombeteado exaustivamente, dia e noite que os homens de bem precisavam tomar nas mãos o destino da pátria (ah, como o Samuel Johnson estava certo quanto ao último refúgio dos canalhas!). 

Mas nada, absolutamente nada, respalda os temores de uma virada de mesa de última hora. Não acontecerá. 

Os poderosos já chegaram a um entendimento de como terão seus interesses preservados no novo governo, segundo a velha lição de Lampedusa. 

Os vira-latas do capitalismo e os fanáticos deslumbrados dos acampamentos antidemocráticos não têm poder de fogo suficiente para peitar os que realmente mandam. 

Muito mais complicados foram os estertores da ditadura militar, quando quem praticava atentados não eram civis metidos a bestas, mas profissionais... que, mesmo assim, deram um monumental chabu no episódio do
Riocentro, quando a bomba explodiu no colo de quem a transportava.

Daquela vez, os terroristas eram agentes da repressão política indignados com a decisão do ditador Geisel de desmontar a estrutura de combate à esquerda armada montada a partir de 1969 e que já perdera a utilidade, só servindo para prejudicar a imagem e os negócios externos do Brasil.

Foram sequestros e espancamentos de oponentes do regime por parte de paramilitares, cartas-bombas enviadas a entidades como a OAB e a ABI, incêndios de bancas de jornais que vendiam publicações alternativas, prisão oficializada e tortura de esquerdistas inofensivos como Vladimir Herzog. Tudo para despertar reações que parecessem comprovar a lorota por eles sustentada, de que a ameaça subversiva ainda persistia e os DOI-Codis da vida continuavam tendo razão de existir.

Agora é gente muito mais destreinada, desorganizada e descerebrada que age. Vidas podem ser perdidas, danos podem ser causados, mas não deterão a desbozificação nem que a vaca tussa.

Temos mesmo é de temer o que acontecerá quando, depois da tarefa fácil de desfazer as medidas mais iníquas e arbitrárias do demencial ex-presidente, o Governo Lula tiver de mostrar serviço na área econômica, principal drama do nosso povo face à interminável recessão que nos fustiga (pouco importando os economistas  a reconhecerem como tal ou não!).
Terroristas acidentais não
sabem: bomba com cabeça
de palhaço dá chabu!

Aí, a frustração dos coitadezas poderá explodir, dando nova oportunidade à extrema-direita de transformar o ruim em péssimo. E é bem capaz de então as forças do retrocesso já se terem livrado do canastrão que sempre nega fogo na hora H e escolhido um aprendiz de Hitler mais apto para as liderar.

Temos certamente um ano de trégua pela frente, talvez um pouco mais. 

No entanto, se não partirmos desde já para as transformações em profundidade desesperadamente necessárias, aquelas capazes de tirar o Brasil do fundo do poço, dias piores virão. 

Muito piores! (por Celso Lungaretti)  

Um comentário:

SF disse...

Citarei R. Campos:
"O Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade"!

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