quinta-feira, 20 de outubro de 2022

DISPUTA DO MUNDIAL 2022 NO CATAR SERÁ UM CHUTE NOS DIREITOS HUMANOS

País conservador e intolerante, o Catar mantém práticas inaceitáveis no mundo moderno...
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entro de um mês, começará Mundial da Fifa, pela primeira vez num país árabe sem tradição futebolística e onde nem todos os direitos humanos reconhecidos pela ONU são respeitados.

A organização Human Rights Watch fala mesmo em Copa do Mundo da Vergonha, citando principalmente a perseguição aos homossexuais no Catar. Mas, nem todos os brasileiros veem esta e outras intolerâncias como um problema.

Faz um ano, numa entrevista ao Le Monde, o ex-presidente suíço da Fifa dizia ter sido um erro tal escolha, mas esta já era sua opinião ao abrir o envelope em favor do Catar, em 2010. Segundo Joseph Blatter, o plano era outro, bem mais prestigioso: depois do Mundial na Rússia seria a vez dos Estados Unidos.

Quem mudou tudo, contou Blatter, foi o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, exercendo pressão sobre o compatriota Michel Platini (ex-jogador que presidia a Uefa), num jantar com o príncipe herdeiro catari. A influência de Platini foi decisiva.
...como o apedrejamento de adúlteros.

Terá sido mesmo um erro? As acusações se avolumam, relacionadas com o clima, com a situação dos homossexuais e mulheres no Catar, com a corrupção e com o desrespeito aos direitos humanos e direitos trabalhistas durante a construção dos estádios. 

Tanto que diversas cidades francesas decidiram não instalar telões para o grande público poder acompanhar ao vivo, em praças públicas, o desenrolar dos jogos. Da mesma forma, muitos restaurantes e bares europeus desta vez não disponibilizarão as transmissões de TV dentro de seus estabelecimentos.

Chegou-se a conjeturar um boicote da Copa do Catar. Embora esta medida extrema não tenha sido aprovada, algumas associações ainda não chegaram a uma decisão final. 

As críticas graves referem-se aos direitos e ao tratamento dos trabalhadores na construção dos estádios, denunciando-se a ocorrência de 6.500 óbitos nos canteiros de obras, uma grande parte como consequência do calor, mas considerados pelas empresas construtoras como mortes causadas por problemas cardíacos, maneira de negarem indenizações às famílias.

Outra questão é ligada aos direitos das pessoas LGBTQIA+, pois no Catar a homossexualidade é proibida e mesmo punida com sete anos de prisão. E será enorme o impacto ambiental causado pelos estádios climatizados e pelo excessivo número de voos previstos durante a competição (incluindo, cerca de 160 voos extras diários).

Então, o boicote do Mundial do Catar seria uma boa opção? A Anistia Internacional discorda, considerando mais útil negociar com a Fifa e com as grandes empresas patrocinadoras para que:
— seja paga uma indenização a todos os trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho;
— idem às famílias dos trabalhadores mortos nos canteiros de obras; e
— sejam efetuados os pagamentos pendentes a outros trabalhadores, muitos dos quais recebem menos do que o salário-mínimo fixado pela OIT.
Jogadores da seleção alemã repudiam Copa no Catar
Felizmente, algumas empresas já aceitaram participar desse fundo de indenizações. Mas é bom ficar claro: isto não soluciona a questão dos abusos cometidos nestes anos de construção dos estádios. 

Muito menos os episódios de situações próximas da escravidão em que viviam os trabalhadores, a maioria imigrantes, praticamente impedidos de se demitirem de seus trabalhos e retornaram aos seus países.

Quatro grandes empresas são favoráveis às indenizações, porém nada foi ainda definido, seja quanto ao total de capital necessário, à participação de cada uma delas e às modalidades dessas indenizações. O risco é tudo ficar no âmbito das boas intenções, tão logo terminem as competições em meados de dezembro.

Para a porta-voz da Anistia Internacional na Suíça, Nadia Boehlen, a questão das infrações do Catar aos direitos humanos deveriam fazer parte importante na cobertura desse Mundial pelos jornalistas, comentaristas e dirigentes das federações e associações de futebol, dando tempo e espaço para todo tipo de denúncias, além de não fazerem vista grossa ao constatarem eles próprios abusos nas condições de trabalho nos hotéis onde forem hospedados, nos restaurantes e nas localidades em que estiverem.

Embora o Catar possa alegar ter havido algumas melhoras nos sistemas empregatícios e na Kafala, que regula os contratos com empregadas e empregados estrangeiros, a Anistia Internacional as considera insuficientes: 
Ativistas LGBTQIA+ também fizeram atos de protesto
"Não existem garantias e cometem-se muitos abusos. Os empregadores se aproveitam de um clima geral de impunidade, não havendo contra eles qualquer punição em caso de violações"
A Fifa não exerceu a vigilância esperada pela Anistia, embora, segundo os princípios dos direitos humanos da ONU, seja dela a responsabilidade de controlar as federações de futebol parceiras na realização de um Mundial, incluindo o respeito aos direitos trabalhistas de todos os envolvidos na realização do Mundial e a aplicação das indenizações no caso de não cumprimento ou violação desses direitos.

Será importante a Fifa fazer exigências básicas aos países interessados em sediar as próximas Copas do Mundo, principalmente àqueles mais autoritários e/ou que mantêm crenças religiosas retrógradas. 

De maneira geral, essa é a expectativa da imprensa europeia, como ressaltou o jornal Le Monde em recente editorial, exortando no sentido de que a expectativa do lucro e o gigantismo dos eventos não se sobreponham à inteireza do esporte, sacrificando princípios básicos dos direitos humanos. (por Rui Martins)

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