O QUE FALTOU AO JN PERGUNTAR A BOLSONARO,
QUE FALOU 24m37s E
QUERIA MAIS
"Já acabou?" Ao final da entrevista de 40 minutos no Jornal Nacional, o presidente Jair Bolsonaro estava tão à vontade, que se permitiu brincar com os jornalistas.
Com ar de alívio, sorriu ao saber que seu tempo tinha acabado e sugeriu prolongar a conversa. Só faltou dizer: "Que pena".
Se mais tempo houvesse, William Bonner e Renata Vasconcellos poderiam fazer as perguntas que ficaram de fora e provocaram a maior parte das críticas à sabatina nas redes sociais, como constatou a pesquisa Quaest feita em tempo real e que registrou 65% de reações negativas.
Bolsonaro preparou-se para uma guerra que não houve, jogou pelo empate e ficou tão satisfeito com o zero a zero que saiu dos estúdios do Projac em Jacarepaguá direto para uma feira livre em Marechal Hermes, reduto de militares, para ouvir as repercussões da entrevista.
Depois de um início tenso dos dois lados, o presidente engoliu em seco as insinuações de Bonner sobre as ameaças golpistas e, diante da insistência de Bonner, acabou admitindo que respeitará o resultado das urnas, mas só se a eleições forem "limpas e transparentes", ou seja, apenas se ele ganhar.
Caso contrário, poderá alegar que houve fraude porque não adotaram as medidas sugeridas pelas Forças Armadas, que ainda continuaram sendo sendo discutidas ontem (23) no encontro do ministro Alexandre de Moraes no TSE com o general Paulo Sergio Nogueira, da Defesa, a 40 dias da abertura das urnas.
Os temas que ficaram de fora da sabatina poderiam render mais algumas horas de entrevista. Alguns exemplos:
1. Quando Bolsonaro disse que não havia corrupção no seu governo, nada se perguntou sobre o orçamento secreto, o maior escândalo de corrupção oficializada nas chamadas emendas do relator, que colocou mais de R$ 50 bilhões nas mãos de parlamentares do centrão para livre distribuição em suas bases eleitorais, sem nenhum controle dos órgãos de fiscalização.
Todo dia aparecem na imprensa novas denúncias do mau uso desse dinheiro público na compra de tratores e ônibus escolares, cisternas e caminhões de lixo, asfaltamento de ruas e eventos culturais com artistas sertanejos, com contratos superfaturados, entre outras benesses. Só na Codevasf e no Fundeb há pilhas de casos suspeitos.
2. Também não foram citadas as compras exóticas, para dizer o mínimo, do Ministério da Defesa, que além das toneladas de picanha, camarão, salmão, cerveja e leite condensado, incluíram estoques de Viagra e de próteses penianas.
Para não falar desses temas mais desagradáveis, Bolsonaro esticava as respostas sobre outros assuntos, passando por cima das tentativas de interrupção, e ditando o ritmo da entrevista, na qual falou por 24m37s, ficando Bonner e Renata com 15m23s para fazer todas as perguntas do roteiro e contestar ligeiramente as muitas mentiras contadas (uma a cada 3 minutos, segundo o Estadão Confere).
3. Nada se perguntou também sobre os muitos sigilos de 100 anos decretados por Bolsonaro para interromper investigações sobre filhos e aliados, como o senador Flávio Bolsonaro e o general palanqueiro Eduardo Pazzuelo, ex-ministro da Saúde, aquele que só fazia o que o presidente mandava, enquanto se multiplicava o número de mortos na pandemia.
Nem sobre as rachadinhas em escala industrial (que abasteceram as campanhas eleitorais do presidente e seus filhos), a compra de imóveis com dinheiro vivo e até uma loja de chocolates.
4. Passaram igualmente batidas as mentiras de que fez a transposição do rio São Francisco (mais de 90% foram Lula e Dilma) e criou o Pix (foi Michel Temer).
5. Mas o maior buraco da entrevista se abriu quando Bolsonaro começou a falar de como o Brasil está vivendo um momento de glórias na economia, sem que ninguém se lembrasse:
—dos 33 milhões de brasileiros que estão passando fome;
— dos 60 milhões em insegurança alimentar e dos 10 milhões de desempregados;
— dos 40 milhões que estão na informalidade;
— das levas de miseráveis que perambulam pelas ruas das grandes cidades, e
— da inflação dos alimentos (que bateu recordes no último ano e corrói o Auxílio Brasil de R$ 600 reais, que já não dá para comprar sequer uma cesta básica).
Assim, o presidente pôde nadar de braçada, repetindo velhas mentiras e criando novas, como a de que não xingou o ministro Alexandre de Moraes de canalha e não debochou das pessoas que morreram por falta de oxigênio em Manaus, mas estas foram contestadas pelos entrevistadores.
Depois de passar incólume por esse teste de fogo baixo, é capaz de o capitão até comparecer aos debates de presidenciáveis já marcados.
Se não ganhou nenhum voto com essa estratégia, Bolsonaro também não perdeu eleitores. Quem é Bolsonaro vai continuar Bolsonaro, quem é Lula continua Lula e quem é indeciso continuou indeciso. Não aconteceu nada do que os interlocutores palacianos previram.
Restou um gosto amargo de perda de tempo.
Vida que segue. (por Ricardo Kotscho)
Um comentário:
El régimen del poder personal como enfermedad
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