sexta-feira, 3 de junho de 2022

O CAPETÃO DO POVO E A 'RACHADINHA' MUSICAL

A música sertaneja está no noticiário com a revelação de mais um escândalo da era bolsonarista, desta vez envolvendo, ao que se suspeita, uma versão musical das chamadas rachadinhas

Todos, particularmente a imprensa, estão cientes da pouca cultura literária, musical e geral do presidente Jair Bolsonaro, sendo esta a provável razão de ele ter praticamente zerado as dotações orçamentárias para o incremento das atividades culturais no Brasil. 

A arte, nas suas diversas manifestações, certamente não passa de mera perda de tempo, na visão do Bolsonaro.

O único livro por ele citado com certa insistência é a Bíblia, porém ninguém acredita que ele tenha dedicado algumas horas à leitura completa dos Evangelhos (mesmo sendo Messias um de seus nomes). Os poucos versículos por ele citados têm sempre uma conotação reacionária ou um toque eleitoreiro.

Sua ojeriza a tudo quanto possa cheirar a esquerda, seu horror à negritude, seu desejo de agradar aos fundamentalistas e carreiristas evangélicos, deve ter tê-lo impedido de gostar e saborear a MPB. Uma pesquisa revela haver sido apreciador do grupo de rock Scorpions; seu gosto atual é pela música sertaneja, tendo mesmo alguns preferidos, como Gusttavo Lima e Zé Neto.

Tal preferência é retribuída pela quase totalidade dos atuais cantores e compositores sertanejos, como passaram a se chamar os antigos intérpretes da música caipira. Em janeiro deste ano, Cuiabano Lima leu um manifesto de apoio a Bolsonaro,  firmada pela grande maioria dos artistas sertanejos e entregue pessoalmente ao presidente numa manifestação pública. 

Os
argumentos utilizados no manifesto estão agora totalmente superados e desmentidos pela atual crise econômica brasileira.

Na semana passada, dentro da onda sertaneja, a dupla de gêmeos Mateus e Cristiano compôs um longo jingle para a campanha eleitoral de Bolsonaro, divulgado com a presença do presidente e de Luciano Hang, dono da Havan, dentro do mesmo evento da visita do bilionário Elon Musk.  A dupla parece bem relacionada com empresários próximos ao presidente.

A letra da composição Capitão do Povo é de qualidade primária, repete chavões e termina com a frase sempre utilizada por Bolsonaro, O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, tida pelo pastor batista Henrique Vieira, como uma frase de inspiração fascista.
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A RACHADINHA SERTANEJA – Quem motivou os atuais questionamentos dessa nova rachadinha em toada sertaneja foi Anitta, cantora funk de renome internacional. 

Depois de agredida verbalmente por Zé Neto, um dos mais conhecidos cantores sertanejos bolsonaristas. Anitta, que é admiradora de Lula, fez referência à Lei Rouanet, pela qual se pode destinar ao custeio de atividades culturais uma parte do que seria destinado ao pagamento do imposto de renda: 6% do que seria pago por pessoas físicas e 4% do quinhão das empresas.

Zé Neto, com certa empáfia, vangloriou-se de não precisar da nenhuma Lei Rouanet para seus shows, por eles serem financiados pelas próprias prefeituras. Com isto, armou uma arapuca para si próprio, chamando a atenção da imprensa e das finanças federais para os valores cobrados por esses shows. 

O grupo musical do cantor Gusttavo Lima foi o primeiro a ser alfinetado, revelando-se o absurdo de pequenas comunidades pobres rurais estarem financiando shows de música sertaneja no valor de centenas de milhares de reais.

A seguir, a questão provocou um verdadeiro tsunami ao serem revelados os valores ou preços dos shows cobrados das prefeituras pequenas e pobres pelos artistas e grupos sertanejos, deixando-as praticamente sem recursos para as escolas, atividades culturais e mesmo obras públicas dessas cidades!

O pequeno município de São Luís de Roraima, com 8 mil habitantes, havia contratado um show de Gusttavo Lima por R$ 800 mil; já  Conceição do Mato Dentro (MG), teria um show no valor de R$ 1,2 milhão com o mesmo grupo de Lima. 

Esses onerosos espetáculos (cancelados depois face à má repercussão na imprensa) em localidades geralmente desprovidas de saneamento e obras públicas básicas, levantaram a suspeita de um novo tipo de rachadinha, a rachadinha sertaneja, pela qual os prefeitos também ganhariam  cachês, diluídos nos custos do show.

A suspeita tem sua razão: até agora, as prefeituras interessadas em promover shows não entravam na verba destinada à escola, saúde ou às obras da cidade, mas procuravam um patrocinador. Caso não achassem, alugavam um teatro ou estádio e cobravam entrada. 

Fica o recado aos grupos sertanejos: fazer shows milionários com recursos de prefeituras pobres não é exemplo de sucesso, mas sim evidência de abuso, com desvio do dinheiro público. (por Rui Martins)

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