rui martins
A ÉPOCA É DE TOTAL CONFUSÃO
Uma avaliação política brasileira torna-se complicada se fizermos algumas comparações com o quadro internacional da invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin.
Embora a ONU, a União Europeia, a Comissão de Direitos Humanos e outras tantas organizações tenham condenado a invasão da Ucrânia, tanto a posição do governo Bolsonaro como da esquerda brasileira são ambíguas.
Depois de ter ido a Moscou, onde Bolsonaro reafirmou sua confiança em Putin (poucos dias antes da invasão da Ucrânia), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, garantiu o apoio para o ingresso do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O presidente Jair Bolsonaro agradeceu a Putin seu apoio à soberania nacional na questão da Amazônia, "quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da humanidade".
Em retribuição, o Brasil, em Genebra, se declarou neutro na questão da invasão da Ucrânia pela Rússia.
A maioria da mídia brasileira e figuras conhecidas do PT, apesar das más companhias no Brasil, não escondem seu apoio ao também homofóbico Putin, no que continuam a chamar de operação militar especial.
Ignoram ou fazem de conta que a Rússia não é um exemplo para a esquerda internacional. E, muito menos, Putin um líder de esquerda, já que compartilha do conservadorismo hipócrita de Bolsonaro e conta também com a benção de religiosos (caso do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa).
Seguem algumas mostras bem evidentes dessas contradições envolvendo atualidades internacionais e a mídia de esquerda brasileira:
— Marine Le Pen, que disputará o 2º turno nas eleições presidenciais francesas, líder do partido de extrema-direita União Nacional, não escondia sua proximidade com o presidente russo Vladimir Putin. Um adversário seu nas eleições francesas, Eric Zemmour, também de extrema-direita, se queimou por ter demorado a assumir uma posição contra Putin. logo depois da invasão da Ucrânia;
— o Brasil 247, considerado de esquerda, é pela operação militar especial desfechada pela Rússia contra a Ucrânia e coloca em dúvida todas as atrocidades atribuídas aos soldados russos (sua fonte de informação é geralmente a agência de informação Sputnik);
— a agência Sputnik e o informativo Russian Today são considerados informativos estatais russos pela União Europeia e foram proibidos nos países a ela pertencentes. Essa dúvida quanto à independência dessas duas agências noticiosas não é de hoje. Emmanuel Macron sentiu-se visado pela Sputnik na primeira campanha presidencial e a considera um órgão de influência. Num relato feito pelo jornal Libération, Sputnik e Russian Today foram citadas por como difusoras de falsas informações nas eleições de 2017, favorecendo Marine Le Pen, depois de terem também agido em favor de Trump nos EUA.
— no Brasil, os evangélicos, com seus líderes Silas Malafaia, Edir Macedo, Marco Feliciano e Cláudio Duarte, entre outros, apoiam a política de extrema-direita aplicada por Bolsonaro, assim como os religiosos ortodoxos russos apoiam nas suas orações o presidente Putin.
— o jornalista Milton Blay foi demitido do Brasil 247 por ter criticado afirmações antissemitas do editor de “O Mundo como ele é”, José Reinaldo de Carvalho, e, por tabela, condenar a invasão da Ucrânia por Putin. (por Rui Martins, de Genebra)
Os absurdos históricos do samba-enredo zombeteiro do Lalau são
menos absurdos do que o apoio da esquerda desvirtuada
a uma miniatura de Hitler e Stalin
5 comentários:
Não é apenas o Samba da Esquerda doida: apenas para acrescentar:
1 https://sinistrainrete.info/
2 https://www.marxiste.org/international/europe/ukraine/3048-la-guerre-en-ukraine-et-la-propagande-imperialiste
3 https://mobile.agoravox.fr/tribune-libre/article/l-intervention-militaire-de-la-240229
com link para:
La révolution socialiste et le droit des nations à disposer d'elles-mêmes V. LENINE
https://www.marxists.org/francais/lenin/works/1916/01/19160100.htm
Olá, Celso Lungaretti. Acompanho o seu trabalho desde 2010, quando, aos dezoito anos, li pela primeira vez o Náufrago da Utopia. Respeito sua trajetória e seus textos exerceram grande influência sobre minha leitura do contexto político ao longo desses doze anos. Contudo, hoje, após o golpe jurídico-parlamentar que sofremos, me pego com dúvidas acerca de seus argumentos e dos autores aos quais você abre as portas deste blog. Seu ataque incessante ao PT e a veiculação constante da pauta da limpeza anti-corrupção me levam a interrogar, hoje, o papel deste discurso para o atual estado das coisas. Fico ainda mais confuso ao ver um texto como esse, que perde ao não trazer a tona as complexidades da guerra e escolhe seguir por uma via argumentativa baseada nos sentimentos de Emmanuel Macron sobre canais de comunicação que lhe são contrários. Emmanuel Macron, respresentante maior do neoliberalismo, essa quimera que tem se encarregado de se propagar pela gestão tecnológica da confusão. Um texto que procura fazer equivalências e abre mão dos matizes que importam ao interesse brasileiro, como o apoio de governo a um país que é fundamental para o BRICS - o que independe de Bolsonaro. Seus leitores podem preferir um texto que aborde o assunto de modo menos afetado, como esse do link que segue, de Vladimir Safatle:
https://revistacult.uol.com.br/home/parar-o-pior/
Olhando para trás, com a minha curtíssima experiência política, fico me perguntando em que medida não participamos, ao comprar o antipetismo de máscara esquerdista, de tudo o que está acontecendo agora. Percebo que o apelo à fantasia eugenista, da limpeza, anti-corrupção, da luta contra o mal, assim como foi outrora, confundiu minha geração e aquelas que vieram depois - ao ponto de não confiarmos em mais nada, não conseguirmos conversar e transformarmos a política em caso de patrulha e polícia. Me pergunto se teria sido possível outro tratamento para as contradições que levaram e sustentaram no poder um partido como o PT. Quando olho em volta e vejo amigas e amigos, estão de fato todos loucos: fantasiam em excesso, se inebriam com as mais inusitadas substâncias, têm dificuldades em pensar processualmente e se apegam com frequência a raciocínios mágico-religiosos, não conseguem se organizar, não acreditam em mais nada, passam ao ato em rompantes de agressividade. Meus amigos de quebrada ou morreram ou naufragaram na cocaína, quando não encontraram uma igreja que lhes oferecesse algum chão firme o suficiente. Os amigos que fiz na universidade durante os governos petistas, gente de classe média chegada a falar de política, desconstruíram tanto e criticaram tanto que hoje parecem ter inventado uma novilíngua, descolada da realidade da maioria brasileira. Pra esses últimos, que convivem com gente comum só quando precisam de algum serviço, fascista é o outro e bolsonarista é inferior intelectualmente - não escutam, não procuram saber as razões de um homem negro que trabalha para o tráfico ter escolhido bolsonaro como candidato após ter votado em Lula e Dilma.
Quando terminei de ler seu livro em 2010 me recordo de ter escrito em um caderninho: a revolução fracassou porque não houve adesão popular e ficou restrita à classe média. Não estou em condições de julgar um processo histórico que desconheço e reconheço a importância de pessoas como você para que eu possa mesmo pensar sobre política hoje. Entretanto, não me parece que o quadro mudou tanto assim.
Me endereço a você com todo respeito e admiração de quem acredita que a conversa com os mais velhos tem feito falta para os mais jovens - e não foi esse o lugar que Bolsonaro ocupou?
Grande abraço
Companheiro,
uma característica permanente deste blog é não incorrer no ad hominem e publicar bons artigos e boa argumentação provindos de quem, noutros momentos, possam ter cometido erros de avaliação.
Mas, quem é a vilã nesta guerra da Ucrânia e quem é vítima está claríssimo. Ainda mais para mim e minha equipe, pois todos conhecemos bem o que foi o stalinismo na URSS e o quanto contribuiu para tornar a ideia de revolução execrável aos olhos da classe trabalhadora dos países cujas forças produtivas estão mais avançadas (aqueles que, segundo Marx, apontam o caminho para o qual são tangidas as nações retardatárias).
Uma das conclusões com as quais saí das prisões da ditadura (depois da fase das torturas, sobrava-me muito tempo para refletir sobre tudo que acontecera, e se não o fizesse, talvez enlouquecesse como o Massafumi) é a de que nada, absolutamente nada, justificava submeter-se humanos indefesos aos tormentos dos DOI-Codis da vida.
E isto, OBVIAMENTE, se aplicava também às chamadas ditaduras do proletariado, aberrações autoritárias que feriram de morte o marxismo, nascido libertário.
Quanto ao petismo, se vc conhece meus textos, sabe que o primeiro texto político importante que escrevi na vida, mal acabava de completar 18 anos, foi o programa da facção da zona leste da Frente Estudantil Secundarista para o Congresso da Upes de 1968.
Nele já me posicionava incisivamente a favor da revolução socialista e contra qualquer tentativa de "humanizar" o capitalismo. Com argumentação em grande parte baseada no REFORMA OU REVOLUÇÃO? da Rosa Luxemburgo, fiz uma verdadeira profissão de fé revolucionária, da qual jamais recuei.
E é nisso que reside o meu antipetismo. Na verdade, não passa de anti-reformismo, pois o PT se posicionou contra o capitalismo em 1980 e nunca mais falou no assunto. Passou a trabalhar apenas para distribuir aos explorados migalhas do banquete dos poderosos e, com isto, credenciar-se para gerenciar o estado burguês como serviçal da burguesia.
Então, companheiro, eu não mudarei e a equipe do blog não mudará. Somos ferrenhamente contra ditaduras sanguinárias como a do Putin, nas quais não é o povo que está no poder, mas sim arrogantes nomenklaturas privilegiadas; e jamais abriremos mão da definição da superação do capitalismo como nosso objetivo ESTRATÉGICO último, primordial, do qual a conquista de posições no Executivo e no Legislativo de regimes burgueses não passa de ferramenta TÁTICA, secundária, para acumulação de forças para atingirmos o objetivo principal, nada além disso.
E lembrando sempre que, para nós, o principal vilão não é nem jamais serão os Estados Unidos, mas sim o capitalismo como um todo. E o principal objetivo, a revolução anticapitalista mundial.
Aliás, nem eu nem a equipe do blog jamais enganamos ninguém quanto a isto.
Agradeço pela generosidade e paciência em considerar o desabafo de um leitor anônimo confuso. Tem sido um bombardeio intenso de informações por todos os lados, ao ponto de dificultar algum entendimento possível. Suas palavras foram esclarecedoras e ajudam a me orientar nesses tempos. Obrigado por se disponibilizar a contar sobre a sua história de militância e por se posicionar de maneira aberta ao diálogo. Sigo acompanhando o blog.
Abraço
Companheiro,
nós aqui do blog compreendemos e aceitamos que alguns leitores honestos fiquem confusos diante da insistência petista em satanizar os EUA ao mesmo tempo em que poupa déspotas execráveis como Putin e Saddam Hussein, bem como nações capitalistas escravagistas como a China, que leva a exploração do homem pelo homem ao paroxismo.
Essa separação entre bons e maus vilãos é apenas uma forma de evitar reconhecer que são todos capitalistas, que o capitalismo está esgotado historicamente e precisa ser superado em toda parte.
Ou seja, se vc considerar que o problema está nos Estados Unidos e nas nações europeias avançadas, ele pode ser eliminado sem a necessidade de uma revolução mundial: mas, se o problema está tanto nesses inimigos como na Rússia e na China também, aí é o capitalismo em si que devemos enfrentar, e não apenas determinadas nações capitalistas.
E, como os petistas querem continuar pactuando com os piores inimigos para obterem nacos de poder dentro do capitalismo, é esta a visão internacional que lhes convêm.
Assim como a nossa visão internacional é a de que as diversas corporificações do capitalismo são como as cabeças da hidra. Temos é de cortá-las todas, sem exceção, e matar a hidra.
Um abração!
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