sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

COMO É QUE VIRAMOS FREGUESES DOS EUROPEUS ATÉ NO FUTEBOL?

paulo vinícius coelho
JOGOS ENTRE EUROPEUS E SUL-AMERICANOS
FICARAM DESIGUAIS DESDE A LEI BOSMAN
Bosman em 1995, no momento da vitória.
J
ean-Marc Bosman está para o Mundial de Clubes assim como a máquina a vapor está para a revolução industrial.

Foi a vitória do medíocre meio-campista belga na Justiça, questionando por que os jogadores enfrentavam limites de nacionalidade para trabalhar em países europeus enquanto arquitetos, engenheiros, médicos e advogados não tinham mais fronteiras, o que acabou com a restrição de estrangeiros e transformou o futebol.

O tribunal deu ganho de causa a Bosman em 15 de dezembro de 1995, duas semanas depois de o Ajax vencer o Grêmio nos pênaltis, na decisão da Copa Intercontinental. Naquele dia, a América do Sul tinha 20 títulos mundiais e a Europa possuía apenas 14.

Nas duas décadas e meia seguintes, houve 22 taças europeias, entre a Copa Toyota e o Mundial da Fifa. Aos sul-americanos, só seis.

O Chelsea é [na partida de amanhã, 12/02] favorito contra o Palmeiras, como era contra o Corinthians, há nove anos, como o Liverpool foi contra o Flamengo, mesmo vencendo apenas na prorrogação. Os jogos de clubes ficaram desiguais. Muito mais do que entre seleções.

Dois meses depois da sentença Bosman, o semanário Guerin Sportivo, de Bolonha, previa que o futebol ia mudar. Não é fácil compreender a revolução no início, a não ser que exista ruptura.

No começo da década de 1990, já havia supremacia europeia, mas os clubes só podiam ter três estrangeiros. 
Imagem emblemática da nova superioridade europeia:
David Luiz prostrado diante de Özil após os 7x1 de 2014
O São Paulo massacrou o Barcelona nos 2 a 1 na final de 1992. O Barça era uma seleção espanhola, completada pelo holandês Ronald Koeman, o dinamarquês Michael Laudrup e o búlgaro Stoitchkov.

No ano seguinte, sofreu mais e venceu o Milan por 3 a 2, gol de Muller aos 41 do segundo tempo. Em 1995, o Grêmio fez o extraordinário Ajax suar para ganhar nos pênaltis. Depois, em 25 anos, só seis heroicas equipes sul-americanas – Boca Juniors (2000 e 2003), Corinthians (2000 e 2012), São Paulo (2005) e Internacional (2006).

O Chelsea foi o primeiro time do mundo a jogar com onze estrangeiros. Aconteceu em dezembro de 1999, um mês depois de o Palmeiras perder a Copa Intercontinental para o Manchester United. O futebol estava mudando. Até hoje, duas décadas e meia depois, muita gente não entende por que razão a América do Sul ficou para trás.

A revolução industrial começou na Inglaterra, a digital nos Estados Unidos e a do futebol na Europa ocidental. O único antídoto é a reforma cultural nos times do Brasil. (por Paulo Vinícius Coelho, comentarista esportivo mais conhecido pelas iniciais PVC)
TOQUE DO EDITOR – Foi muito oportuno o PVC ter lembrado aquela decisão judicial tomada no finzinho de 1995 que teria consequências tão acentuadas nas competições mundiais entre times de futebol.

A coisa fica ainda mais nítida se observarmos que, depois das conquistas brasileiras nas três primeiras edições do Mundial de Clubes da Fifa, já lá se vão 14 edições com o domínio avassalador dos europeus, que venceram 13 delas e só deixaram escapar uma.
Iniesta, Messi e Xavi: o ápice do futebol-espetáculo.

E, mesmo assim, a de 2012 foi um autêntico ponto fora da curva, já que o Chelsea esteve mais tempo com a bola dominada (54% x 46%), finalizou mais (14 x 9) e melhor (6 arremates que chegaram à meta adversária, contra 2).

Esses números seriam ainda mais acachapantes caso o técnico corinthiano Tite não houvesse dado um nó tático no técnico espanhol do Chelsea, Rafa Benitez. O que não impediu que o goleiro corinthiano Cássio tivesse de fazer defesas dificílimas, sendo considerado o melhor atleta da decisão, enquanto a única finalização perigosa à meta de Petr Čech entrou.

Ao suprimirem-se os entraves legais à contratação de futebolistas de outros países, o poderio econômico de cada clube passou a prevalecer mais e mais. Vale lembrarmos, contudo, que tal liberou geral faz todo sentido na ótica capitalista. Quem quiser soluções mais equânimes, que as busque na instância correta: lutando pela superação do capitalismo.

E as disputas entre seleções, por que se tornaram igualmente desequilibradas?

Aqui vale notar que, até 2002 a disputa foi bem parelha, com os sul-americanos vencendo 9 edições e os europeus, 8. Desde então, são quatro conquistas sucessivas de clubes do velho continente e nenhuma do resto do mundo.

O fato de os melhores jogadores sul-americanos terem sido laçados a peso de ouro pelos europeus não explica tal derrocada, pois, daqueles que adquiriram dupla cidadania e foram defender as cores dessas nações mais prósperas, nenhum deles carregou seu escrete nas costas, como fizeram Garrincha em 1962 e Maradona em 1986.
São Cássio fez milagres em 2012
A grande mudança foi uma adequação, até tardia,  ao conceito capitalista de que futebol na sociedade atual é tão somente uma modalidade de negócios, daí a prioridade máxima ser o oferecimento de bons espetáculos, para fidelizar a clientela e fazê-la aumentar cada vez mais (afora a infinidade de lucros correlatos).

Os europeus já poderiam ter caminhado nessa direção em 1974, quando a Holanda apresentou ao mundo seu desnorteante carrossel, multiplicando os lances de perigo em cada partida.

Mas, foi a revolução espanhola das décadas de 2000 e 2010 que entronizou de vez a noção de que o importante não é só vencer, mas sim dar grandes espetáculos, ainda que correndo maior risco de sofrer gols, pois as emoções tornam o produto futebol mais rentável, beneficiando a todos que, de alguma forma, nele investem.

Por uma questão cultural, os sul-americanos principalmente, e mesmo alguns grandes clubes europeus, continuam até hoje apostando na vitória acima de tudo, ainda que seja com retranca e gol roubado nos acréscimos. Daí, aliás, o PVC estar clamando por uma reforma cultural nos times do Brasil...

Encaro-a como inevitável: mesmo quem execra o capitalismo desde que se entende por gente (meu caso), se for sincero consigo mesmo, não poderá negar que é muito mais agradável assistir a partidas que terminam em 5x4 do que suportar a monotonia de um 1x0... (por Celso Lungaretti)  
Eis a sucessão de grandes defesas do Cássio sem as quais os europeus já
estariam acumulando 14 conquistas consecutivas do Mundial de Clubes 

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