TRAGÉDIA NA BA E EM MG E SECA NAS USINAS
ANUNCIAM ERA DA MUDANÇA CLIMÁTICA
As fortes chuvas que mataram e desabrigaram no Sul da Bahia e Norte de Minas Gerais são o tipo de evento extremo que os cientistas têm em mente quando alertam para as mudanças climáticas.
Não significa que grandes tempestades deixariam de ocorrer sem o aquecimento global, mas a frequência delas passa de séculos ou décadas para anos. Eventos que afetam a todos, mas tiram a vida principalmente dos mais vulneráveis, ou seja, dos pobres.
Da mesma forma, a seca que atingiu os reservatórios das hidrelétricas no Sudeste, levando a conta de luz a patamares nunca antes alcançados e trazendo o apagão de volta ao vocabulário popular, vai se repetir mais e mais vezes.
O governo federal afirma que o problema é pontual, o que não se sustenta. Estudo do MapBiomas, p. ex., mostra que o Brasil perdeu 15,7% de sua superfície coberta de água entre 1985 e 2020. E vai perder mais.
Ainda se discute o impacto do aquecimento global sobre a formação de tornados, ao contrário do consenso sobre furações, mas eles têm vindo com mais frequência. No final de semana, dezenas de mortes foram registradas quando uma série deles deixou um rastro de destruição nos Estados do Kentucky, Arkansas, Illinois, Missouri e Tennessee nos Estados Unidos.
No Brasil, vamos entrar na temporada de chuvas e teremos deslizamentos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, entre outras regiões. Eventos assim matarão mais gente na medida que as mudanças do clima se fizerem sentir.
Parte das mortes poderia ser evitada com a construção de moradias populares decentes, medidas eficazes de alerta com antecedência às comunidades e o poder público parando de encarar o aquecimento global como uma hipótese remota e adaptar urgentemente o Brasil para o pior.
O que temos visto, contudo, é o governo federal e sua base de apoio no Congresso Nacional correndo para afrouxar regras e leis. Para nosso azar, o ministro mais competente de Jair Bolsonaro foi Ricardo Salles, que atuou para reduzir a proteção ambiental e ajudar desmatadores.
Sua recomendação ao presidente, de aproveitar o foco nas mortes da covid-19 para "passar a boiada" sobre regras e normas, tornou-se um dos símbolos do atual governo.
Neste 2021, brasileiros assistiram assustados a tempestades de areia engolirem cidades no interior de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, a rajadas de ventos fortes causarem mortes (como as ocorridas num naufrágio de um barco-hotel no rio Paraguai em outubro) e a água faltar na torneira das cidades, na irrigação da lavoura, no calado das hidrovias.
O que muitos chamaram de inferno é apenas um aperitivo de nosso novo normal. Já ajustamos o termostato do planeta para a posição gratinar os idiotas.
E, neste momento, diante da falta de medidas eficazes tomadas por governos para reduzir as emissões de carbono (como pudemos ver no blá-blá-blá da COP-26, em Glasgow), estamos nos esforçando apenas para que o assado fique pronto antes da hora.
Nosso país foi uma das estrelas do encontro, aliás, ostentando um abismo entre a promessa vazia de metas grandiosas e a prática cotidiana de destruição da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal, da Mata Atlântica, impulsionada pelo desmonte da fiscalização e pela boiada de projetos que facilitam a grilagem e a destruição do meio ambiente e tornam vulneráveis populações indígenas, tudo sob a batuta do presidente da Câmara Arthur Lira.
Nas próximas décadas teremos:
— milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos;
— fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; e
— aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar.
Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão de adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil.
O mundo tentava manter o aumento da temperatura global em 1,5 graus Celsius até 2100, o que deve ser praticamente impossível dada a nossa incompetência. Podemos chegar a 3, 4 ou 5 graus a mais.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, com um limite de aumento de 2 graus Celsius na temperatura global:
— 37% da população global estará exposta a ondas de calor severas pelo menos uma vez a cada cinco anos;
— o nível do mar vai subir quase meio metro até 2100;
— a pesca reduzirá a produção em 3 milhões de toneladas; e
— a agricultura produzirá 7% a menos de trigo nos trópicos.
Já adentramos uma nova era de extinção em massa de uma série de espécies. Talvez menos a nossa. Pois, ao final, os ricos comprarão sua proteção ambiental e herdarão a Terra.
Mortes que poderiam ter sido evitadas, como as duas de Amargosa, as duas de Itaberaba, as três de Itamaraju, a de Macarani, a de Prado, a de Ruy Barbosa, a de Jucuruçu.
(por Leonardo Sakamoto)
Um comentário:
https://www.nytimes.com/es/2021/12/04/espanol/brasil-desertificacion.html
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