Um dos gêneros cinematográficos que mais falou da revolução para plateias amplas foi o western italiano. Poucos, hoje, sabem disso.
Nascido em meados da década de 1960, o spaghetti-western foi também muito caro para a minha geração noutro aspecto: lavou a alma de todos que gostávamos dos bangue-bangues, mas não da caretice dos estadunidenses.
Teve surpreendente sucesso nas bilheterias: O Dólar Furado (1), p. ex., chegou a ficar em cartaz durante cerca de um ano num cinema de São Paulo. Isto se deveu não só a ter ocupado um espaço vazio, já que os estadunidenses haviam deixado de fazer bangue-bangues, como também a haver trazido um novo enfoque e uma nova moldura para o gênero.
Tirando obras de exceção como Matar ou Morrer (2), Sem Lei e Sem Alma (3), O Matador (4), Estigma da Crueldade (5) e Rastros do Ódio (6), os faroestes made in USA de até então tinham o insuportável defeito de tentarem nos impingir aquela ladainha da luta eterna do Bem contra o Mal – um tédio!
O mocinho não fumava, não bebia, não praguejava e nem trepava. A mocinha era recatada donzela. O xerife, pachorrento mas digno. Os índios, selvagens bestiais que tinham de ser tirados do caminho para não atrapalharem o progresso. Os mexicanos, beberrões subumanos.
Mesmo no mato, conduzindo boiada, o mocinho tinha a decência de manter-se sempre limpo e escanhoado. Bah!
O western italiano surgiu meio por acaso. A indústria cinematográfica italiana conseguira nos anos anteriores faturar uma boa grana com filmes épicos e mitológicos. Hércules, Maciste, Ursus, Golias, fundação de Roma, guerra de Tróia, etc. O filão, entretanto, estava esgotando-se e a Cinecittà saiu à cata de um novo produto.
Teve surpreendente sucesso nas bilheterias: O Dólar Furado (1), p. ex., chegou a ficar em cartaz durante cerca de um ano num cinema de São Paulo. Isto se deveu não só a ter ocupado um espaço vazio, já que os estadunidenses haviam deixado de fazer bangue-bangues, como também a haver trazido um novo enfoque e uma nova moldura para o gênero.
Tirando obras de exceção como Matar ou Morrer (2), Sem Lei e Sem Alma (3), O Matador (4), Estigma da Crueldade (5) e Rastros do Ódio (6), os faroestes made in USA de até então tinham o insuportável defeito de tentarem nos impingir aquela ladainha da luta eterna do Bem contra o Mal – um tédio!
O mocinho não fumava, não bebia, não praguejava e nem trepava. A mocinha era recatada donzela. O xerife, pachorrento mas digno. Os índios, selvagens bestiais que tinham de ser tirados do caminho para não atrapalharem o progresso. Os mexicanos, beberrões subumanos.
Mesmo no mato, conduzindo boiada, o mocinho tinha a decência de manter-se sempre limpo e escanhoado. Bah!
O western italiano surgiu meio por acaso. A indústria cinematográfica italiana conseguira nos anos anteriores faturar uma boa grana com filmes épicos e mitológicos. Hércules, Maciste, Ursus, Golias, fundação de Roma, guerra de Tróia, etc. O filão, entretanto, estava esgotando-se e a Cinecittà saiu à cata de um novo produto.
James Coburn e Rod Steiger em "Quando explode a vingança" |
Sergio Leone, então com 34 anos, tinha começado a carreira no neo-realismo italiano (como assistente de direção e diretor de segunda unidade), mas não conseguira alçar-se à direção.
Era difícil abrir um espaço entre mestres como Vittorio De Sica, Lucchino Visconti, Pier Paolo Pasolini, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, etc.
Então, entre atuar eternamente à sombra dos medalhões do cinema de arte ou mostrar seu trabalho no cinema dito comercial, escolheu a segunda opção. Depois de dirigir os épicos Os Últimos Dias de Pompéia (7) e O Colosso de Rodes (8), teve a sorte de estar no lugar certo, no momento exato, para dar o pontapé de partida num novo ciclo.
Adaptou para o Oeste a história de Yojimbo (9), um filme de Akira Kurosawa sobre samurai que açula a discórdia entre dois senhores feudais para prestar-lhes serviço alternadamente, sem que percebam seu jogo duplo. O que Leone fez em Por Um Punhado de Dólares (10), basicamente, foi mudar a ambientação e colocar um pistoleiro caça-prêmios no lugar do samurai.
O protagonista também teve aí seu grande golpe de sorte. Clint Eastwood não emplacara em Hollywood como mocinho, ficando relegado a séries de TV e a filminhos classe “B” e “C”.
Leone percebeu nele um bom anti-herói. Compôs seu personagem (o Estranho Sem Nome) com barba rala, chapéu sobre os olhos, charuto na boca, fala arrastada e um poncho. Com isto, acabou alçando-o ao estrelato e fazendo jus à homenagem que depois Eastwood lhe prestaria, ao dedicar-lhe sua obra-prima Os Imperdoáveis (11).
O que diferenciou o western italiano foi exatamente ter sido feito por cineastas bem diferentes dos tarefeiros hollywoodescos (os ditos artesãos, que se limitavam ao feijão-com-arroz artístico que lhes garantisse o dito cujo gastronômico).
Damiano Damiani, Carlo Lizzani e Sergio Corbucci eram outros talentos com a cabeça feita pelo cinema de arte, assim como o superlativo roteirista Sergio Donatti (aliás, até os grandes diretores Bernardo Bertolucci e Dario Argento chegaram a escrever histórias para westerns).
Então, não se limitaram a realizar filmes com muita ação e nenhuma vida inteligente; fizeram questão de deixar sua marca, passando mensagens cifradas, dando toques, propondo outra abordagem para o gênero. Em vez de um palco em que o Bem vence sempre o Mal, o bangue-bangue italiano mostrou o velho Oeste como uma terra de ninguém, primitiva e selvagem, em que todos perseguem seus objetivos como podem.
Adaptou para o Oeste a história de Yojimbo (9), um filme de Akira Kurosawa sobre samurai que açula a discórdia entre dois senhores feudais para prestar-lhes serviço alternadamente, sem que percebam seu jogo duplo. O que Leone fez em Por Um Punhado de Dólares (10), basicamente, foi mudar a ambientação e colocar um pistoleiro caça-prêmios no lugar do samurai.
O protagonista também teve aí seu grande golpe de sorte. Clint Eastwood não emplacara em Hollywood como mocinho, ficando relegado a séries de TV e a filminhos classe “B” e “C”.
Sergio Leone vislumbrou em Clint Eastwood o anti-herói emblemático |
Leone percebeu nele um bom anti-herói. Compôs seu personagem (o Estranho Sem Nome) com barba rala, chapéu sobre os olhos, charuto na boca, fala arrastada e um poncho. Com isto, acabou alçando-o ao estrelato e fazendo jus à homenagem que depois Eastwood lhe prestaria, ao dedicar-lhe sua obra-prima Os Imperdoáveis (11).
O que diferenciou o western italiano foi exatamente ter sido feito por cineastas bem diferentes dos tarefeiros hollywoodescos (os ditos artesãos, que se limitavam ao feijão-com-arroz artístico que lhes garantisse o dito cujo gastronômico).
Damiano Damiani, Carlo Lizzani e Sergio Corbucci eram outros talentos com a cabeça feita pelo cinema de arte, assim como o superlativo roteirista Sergio Donatti (aliás, até os grandes diretores Bernardo Bertolucci e Dario Argento chegaram a escrever histórias para westerns).
Então, não se limitaram a realizar filmes com muita ação e nenhuma vida inteligente; fizeram questão de deixar sua marca, passando mensagens cifradas, dando toques, propondo outra abordagem para o gênero. Em vez de um palco em que o Bem vence sempre o Mal, o bangue-bangue italiano mostrou o velho Oeste como uma terra de ninguém, primitiva e selvagem, em que todos perseguem seus objetivos como podem.
Evidentemente, há muito mais verossimilhança nesse enfoque do que no estadunidense. O Oeste do século 19 seria algo como o garimpo de Serra Pelada no seu apogeu. Um grotão selvagem onde prevalecia a lei do mais forte.
No lugar do herói, o western italiano consagrou o anti-herói: barbudo, desgrenhado, com roupas sinistras, muitas vezes um caça-prêmios, quase sempre um mau-caráter. No fundo, só se diferenciando dos bandidos por agir sozinho enquanto os outros atuam em bando.
Imagem icônica: Franco Nero como Django, ex-soldado que chega à cidade enlameada arrastando um caixão |
Lembrem-se: era a década de 1960, quando havia um imenso desencanto com a ordem estabelecida. Rebeldes eram tudo que queríamos ver. Não suportávamos mais os heroizinhos cdf de Hollywood, daí termos sido imediatamente cativados pela alternativa europeia, os Djangos, Sabatas e Sartanas (os únicos mocinhos nos moldes estadunidenses eram os protagonizados por Giuliano Gemma).
E, enquanto os poderosos viraram vilãos, os índios e os peões mexicanos passaram a ser mostrados como vítimas e heróis. Afinal, vários cineastas italianos tinham inclinações revolucionárias, mas não havia nada revolucionário para destacar nos EUA do século 19.
A solução foi transferir a ação para o efervescente México, como em Quando Explode a Vingança (12), Uma bala para o general (13), Reze a Deus e Cave Sua Sepultura (14), Réquiem Para Matar (15), Os Violentos Vão Para o Inferno (16), Companheiros (17), O Dia da Desforra (18) e Tepepa (19).
Toques esquerdistas, sim, eles podiam inserir em filmes cuja ação transcorria nos EUA:
- Django (20), no qual os vilões são obviamente inspirados na Ku-Klux-Khan;
- Quando os Brutos Se Defrontam (21), reflexão sobre a gênese de líderes oportunistas;
- O Especialista (22), que coloca jovens rebeldes (referência às barricadas francesas de 1968) em ação no Oeste;
- O Vingador Silencioso (23), denunciando o massacre de Johnson Country, quando centenas de imigrantes eslavos foram dizimados pelos barões de gado do Wyoming – o mesmo episódio histórico que seria depois retratado na superprodução O Portal do Paraíso (24); e
- o extraordinário Três Homens em Conflito (25), com algumas das mais marcantes sequências antibelicistas do cinema em todos os tempos.
Uma última característica notável foi libertar a trilha musical da tirania do country. Não mais o que realmente existia nos EUA do século retrasado, como violões, violinos, banjos, gaitas e sanfonas, mas também flauta, saxofone, órgão, sintetizadores, castanholas – tudo que se harmonizasse com o clima daquela trecho do filme, pouco importando se tais instrumentos eram encontrados ou não no velho Oeste.
Para completar, o uso criativo de sinos, caixas de música, assobios e outros achados. Ennio Morricone é, com certeza, o melhor criador de trilhas musicais de todos os tempos.
E as músicas diferentes se casaram às mil maravilhas com as apresentações diferentes dos créditos iniciais, misturando cenas da fita com grafismos. O cinema estadunidense nunca se preocupara muito em valorizar a abertura do filme e levou um banho de criatividade do faroeste italiano, que adotou esta particularidade como uma espécie de marca registrada. Gosto particularmente da introdução de O dia da desforra, cuja canção-tema, por sinal, é um arraso! (por Celso Lungaretti)
Para completar, o uso criativo de sinos, caixas de música, assobios e outros achados. Ennio Morricone é, com certeza, o melhor criador de trilhas musicais de todos os tempos.
E as músicas diferentes se casaram às mil maravilhas com as apresentações diferentes dos créditos iniciais, misturando cenas da fita com grafismos. O cinema estadunidense nunca se preocupara muito em valorizar a abertura do filme e levou um banho de criatividade do faroeste italiano, que adotou esta particularidade como uma espécie de marca registrada. Gosto particularmente da introdução de O dia da desforra, cuja canção-tema, por sinal, é um arraso! (por Celso Lungaretti)
"Caminha, rapaz, caminha, a fronte contra o sol! Caminha, rapaz,
caminha, até chegar à liberdade, até chegar aonde eles
nunca, nunca, nunca terão prisão para você!"
Filmes citados:
- Un Dollaro Bucato, 1965, d. Giorgio Ferroni
- High Noon, 1952, d. Fred Zinneman
- Gunfight at O.K. Corral, 1957, d. John Sturges
- The Gunfighter, 1950, d. Henry King
- The Bravados, 1958, d. Henry King
- The Searchers, 1956, d. John Ford
- Gli Ultimi Giorni di Pompei, 1959
- Il Colosso di Rodi, 1961, d. Sergio Leone
- Yojimbo, 1961, d. Akira Kurosawa
- Per un Pugno di Dollari, 1964
- Unforgiven, 1992, d. Clint Eastwood
- Giù la Testa, 1971, d. Sergio Leone
- El Chuncho, Quién Sabe?, 1967, d. Damiano Damiani
- Prega Dio... e scavati la fossa, 1968, d. Edoardo Mulagia
- Requiescant, 1967, d. Carlo Lizzani
- Il Mercenario, 1968, d. Sergio Corbucci
- Vamos a Matar, Compañeros, 1970, d. Sergio Corbucci
- La Resa dei Conti, 1966, d. Sergio Sollima
- Tepepa, 1969, d. Giulio Petroni
- Django, 1966, d. Sergio Corbucci
- Faccia a Faccia, 1967, d. Sergio Sollima
- Gli Specialisti, 1969, d. Sergio Corbucci
- Il Grande Silenzio, 1968, d. Sergio Corbucci
- Heaven’s Gate, 1980, d. Michael Cimino
- Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo, 1966, d. Sergio Leone
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