sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

E CHEGOU O NATAL NAS FAVELAS...

Estamos nos dias natalinos, termina o solstício de inverno e o sol ressurge para tornar os dias mais longos na Europa e no Oriente Médio. 

Para que meu artigo de hoje ficasse bem no espírito do período, fui em busca do Cristo histórico, inspirando-me nisto nas buscas do teólogo, médico e pioneiro em medicina humanitária Albert Schweitzer, Prêmio Nobel da Paz com seu hospital em Lambarène, no Gabão.

Com sua metodologia crítica, Schweitzer, sem pôr em dúvida sua fé, achava ser impossível uma reconstituição fiel da figura humana de Jesus. 

Os elementos informativos de que dispunha não eram documentos ou depoimentos rigorosos, mas testemunhos escritos por seus discípulos anos depois dos acontecimentos, interpretando-os segundo as profecias existentes no Velho Testamento e sem a preocupação de uma exatidão histórica.

Para se ter uma ideia do começo do cristianismo é preciso se recorrer aos textos dos quatro Evangelhos, e mesmo a textos não incluídos na coletânea de livros bíblicos, rejeitados por terem sido considerados apócrifos. 

Outras informações existem nos Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas, relatando a vocação universal do cristianismo, depois da festa de Pentecoste aberto a todos, ao contrário do judaísmo.
"Quem sabe um dos negrinhos das favelas de
hoje é o novo Cristo, tão prometido..."

Paulo, um dos primeiros convertidos, que se tornou o missionário nº 1 da nova crença, faz algumas revelações sobre Jesus, nas suas Cartas ou Epístolas, aprendidas de Lucas, do qual teria se tornado amigo. 

Tanto Lucas como Paulo se referem ao ponto nevrálgico do cristianismo, o da ressurreição de Jesus depois da crucificação, rejeitada pelos não crentes, mas razão básica da aceitação de Jesus como o Cristo e da propagação do cristianismo.

Outras fontes sobre Jesus são citações de frases ditas por ele, transmitidas aos seus fiéis, mas que poderiam ter sido modificadas com o passar do tempo. 

Existe farto material desse tipo, que circulou do século 2 ao 7º século. Durante o período em que Jesus teria vivido, predicado e crucificado, nada existe, que tenha sido encontrado, nos documentos das autoridades romanas que dominavam a Palestina e Jerusalém na época.

O primeiro documento não religioso é de um romano de origem judaica, Flávio Josefo, considerado um testemunho válido ou sujeito a erros, o Testemunho de Flávio

Josefo nasceu em 39 d.C. (ou seja, alguns anos depois da morte de Jesus) e, no seu relato, confirma a existência de um homem autor de milagres e seguido por muitas pessoas, tanto judeus como gregos, conhecido como Cristo. 

Em decorrência de uma denúncia, o cônsul da época, Pôncio Pilatos, o condenou à crucificação, porém os que o seguiam continuaram seguindo porque, diz Josefo, Cristo lhes teria aparecido depois de ressuscitado, como previam antigos profetas. 
Cristo teria aparecido ressuscitado a seus seguidores 

Quando Josefo escreveu, já devia ser no fim do século 1, mas o grupo por ele descrito como cristãos não havia ainda desaparecido. 

Plínio, o Jovem, numa carta ao imperador Trajano, escrita no século 3 d.C., pede instruções sobre como agir com relação a um grupo de pessoas chamadas de cristãs. 

Tácito, nos seus Anais, em 116 d.C., cita a acusação contra os cristãos, de terem incendiado Roma, em 64. Na verdade, Nero era tido como o responsável pelo incêndio. Os cristãos, segundo consta, foram presos, torturados e supliciados nos próprios jardins do imperador.

A lista é longa e corrobora ter realmente existido um Jesus considerado o Cristo por seus seguidores. A crença crescia principalmente entre os escravos e os pobres, a mensagem era de paz e amor e seus seguidores, embora tantas vezes perseguidos, não pregavam uma revolta contra os romanos.

Essa situação se prolongou até o século 3, pois com a propagação do cristianismo, já não só entre os escravos e pobres, mas entre soldados, ricos e políticos, o Império Romano acabou se convertendo também, no ano 380 d.C. Porém, houve antes muita perseguição e mesmo cristãos lançados às feras nas arenas, para divertimento dos romanos.

Vamos resumir. A chegada do cristianismo ao poder mudou a situação. A Igreja cristã passou a conviver com os imperadores. 
O primeiro imperador romano a aderir ao cristianismo foi
Constantino, o Grande, após uma vitória militar em 312.
 
Como o cristianismo era, principalmente, uma religião de espera do retorno do Messias, quando viria um reinado de paz, de justiça e de proteção social para todos, disso decorreu a visão paternalista de um Deus que, num determinado momento, desceria dos céus e criaria um mundo novo, o Paraíso terrestre.

Enquanto tal não acontecia, os cristãos deveriam observar a prática da ética, moral e bons costumes. Mesmo porque com a crença na sobrevivência da alma depois da morte, como uma recompensa, os bons fiéis esperariam já nos céus o Paraíso. 

Não havia, portanto, necessidade de uma pregação revolucionária em favor dos pobres, pois o sofrimento na vida terrena seria breve, diante da vida eterna reservada aos salvos por Cristo.

Essa visão se tornou insuportável na Idade Média com o cristianismo nas mãos da Igreja Católica que, paradoxo dos paradoxos, passou a perseguir os maus cristãos ou não cristãos. Esse domínio, inclusive econômico, se tornava sufocante até surgir a ruptura com Lutero e Calvino, contando com o apoio de setores importantes e dominantes da sociedade. 

Sem romper com o cristianismo, os reformadores mantiveram a estrutura das igrejas, renovaram o clero e abriram as portas e janelas da sociedade, principalmente com o livre acesso do povo cristão à  Bíblia e permitindo a livre interpretação dos textos sagrados.

Estas duas conquistas, aparentemente mínimas, provocaram o surgimento da imprensa, pois todos queriam ler e ter em casa sua Bíblia; e permitiram o surgimento da liberdade de expressão, bem como da separação do Estado da Igreja. Mais um pouco (não podemos esquecer a Revolução Francesa) e chegamos à democracia. 
1ª parte da entrevista de Caetano Veloso com o pastor
Henrique Vieira. Clique aqui para acessar a 2ª parte
E o cristianismo? Forneceu a base ética e moral dessa nova sociedade que surgia. O novo mundo descoberto foi colonizado por esse novo cristianismo. A América do Norte pelos protestantes e a do Sul pelo catolicismo, ainda zeloso dos antigos poderes.

E chegamos ao século 21 com numerosas outras conquistas, muitas delas vindas do cristianismo, outras tantas sem origem religiosa. Assim, para uns o Natal, com cânticos e corais, velas e pregações nas igrejas é um reencontro com o nascimento de Jesus e sua família, Maria e José. 

Para outros, são símbolos, hábitos e tradições vindos do cristianismo, mas também do paganismo e da própria data do Natal, que comemora o retorno do sol depois dos dias curtos do inverno.

Para uns e outros, se valoriza o reencontro das famílias; a ceia é um momento de confraternização e de entendimento. Cristãos, ateus, indiferentes se abraçam, mostram serem movidos pelo amor, sem rancores e, se diferenças existem, são esquecidas nestes dias. Nas igrejas, se falará muito na manjedoura em Belém, haverá presépios com meninos Jesus de rostos diferentes.

Aqui me personalizo e dou meu testemunho, como se costuma dizer neste Brasil recristianizado pelos evangélicos.  
por Rui Martins

Gostei muito de ter visto um vídeo no qual o nosso querido Caetano Veloso conversa com um pastor evangélico, Henrique Vieira. 
E me emocionei, quando se falou na hipótese de Jesus ter sido negro. 

Pensei em tantos negrinhos hoje nas favelas ou nas ruas, com Maria ou sem Maria, com José ou sem José. Quem sabe um deles é o Cristo, tão prometido... 
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"Nunca se chega no Cristo concreto,/ de matéria ou qualquer coisa real./
Depois de 2001 e 2 e tempo afora,/ o Cristo é como quem foi visto subindo
ao céu,/ ôi, subindo ao céu,/ num véu de nuvem brilhante, subindo ao céu"

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