(continuação deste post)
Uma imagem vale mais que mil palavras: ser de esquerda |
Vê-se, contudo, desmoronar pela insustentabilidade de seus fundamentos sócios-jurídicos, tornando-se incapaz de conter a insatisfação popular, que cada vez mais se alastra nas sociedades mundiais capitalistas.
A insatisfação popular é o combustível verdadeiramente revolucionário no curso da história da humanidade, ainda que as revoluções retrocedam diante do ímpeto inicial que as motivou.
Registre-se que as revoluções abruptas, patrocinadas pelas armas detidas por um grupamento dirigente, que delas servem-se para promover contrarrevoluções, têm sido sempre fator de despotismo dos que assumiram o poder revolucionário, ainda que os fundamentos que alimentaram tais revoluções deixem rastros indeléveis.
A Rússia dos czares jamais voltará a institucionalizar-se, mas os ideais bolcheviques de há muito deixaram de existir na sua essência constitutiva e integralidade, para remanescer apenas de modo pontual e casual.
Não é raro na história da humanidade que os revoluções cirúrgicas, de um só golpe, sejam suprimidas pela própria revolução que cede espaço aos contrarrevolucionários disfarçados de revolucionários (não é, Stalin?).
A diferença com ser de direita se evidencia até no visual |
Ou seja, amiúde ocorre que os falsos amigos da revolução sejam ainda mais perigosos que os inimigos declarados da dita cuja, e que promovam o retrocesso social, ainda que aproveitem resquícios das motivações revolucionárias originais.
É fato que o vírus da tirania está sempre presente no poder vertical dito revolucionário, mas, felizmente, um tabu quebrado e consolidado nas consciências humanas nunca volta a ser considerado válido, e este é o melhor legado das revoluções abruptas.
Mas podemos (e devemos) ser revolucionários cotidianamente, e de esquerda verdadeira, se assim quisermos considerar, e antes mesmo que a base fundamental da mediação social seja alterada por meio de uma produção social voltada para a satisfação das necessidades humanas como um todo.
No sentido microrrevolucionário dos comportamentos cotidianos e que, aglutinados, tornam-se verdadeiramente macrorrevolucionários e permanentes, ser de esquerda é:
— não aceitar que o legal se sobreponha ao justo quando a lei é evidentemente imoral, a exemplo da lei (adotada no Brasil, inclusive) que admitia a propriedade de um ser humano escravizado e trazido da África acorrentado e vendido (com escritura e tudo) como um animal de carga;
— não aceitar o jogo eleitoral que nos impõe a escolha de dirigentes e parlamentares a priori e obrigatoriamente determinados (sob pena de cassação de sues mandatos) a servirem de sustentáculos obedientes à ordem capitalista constitucionalmente estabelecida;
— aceitar a existência de relações afetivas humanas díspares das que são consideradas tradicionais, e aceitar os seres humanos como iguais nas suas diferenciações físicas e étnicas;
— aceitar que a mulher interrompa a gravidez de um feto indesejado e tendente ao sofrimento cruel numa sociedade dirigida por quem não respeita a vida depois que gerada, mas hipocritamente a defende quando ainda é um embrião;
— ser contra a dissociação de gênero, com a supressão do patriarcalismo, mas sem desejar para a mulher as mesmas condições de exploração a que o sexo masculino é submetido, e muito menos ser a favor de um matriarcado que represente a outra face da moeda que se quer combater;
— não aceitar o banditismo, seja o de colarinho branco dos políticos, empresários, banqueiros (os mais abrangentes e socialmente nocivos), seja o de arma em punho num beco escuro, mas desejar que todos, e principalmente os miserabilizados sociais, recebam um tratamento digno quando presos;
— querer que todos tenham direito a uma morada digna; alimentação suficiente; bom nível de escolaridade; satisfatório abastecimento de água e energia; infraestrutura urbana e de transporte; assistência médica: segurança; acesso às artes e ao lazer;
— lutar pela igualdade de oportunidades e pela superação das divisões sociais em classes, que passa pela própria superação da condição de trabalhador assalariado (um partido trabalhista é a essência da aceitação submissa da existência do capital, e não o contrário);
— lutar contra a devastação suicida do meio ambiente e pela adoção de práticas sustentáveis de vida social, somente possível numa sociedade cujos pressupostos de sociabilidades sejam racionalmente adotados. Noutras palavras, é lutar por uma vida ecologicamente sustentável e saudável;
— aceitar as crenças religiosas e profissões de fé, mas repudiar o fundamentalismo religioso preconceituoso, hipócrita, cego e assassino;
— posicionar-se contra o discurso e as práticas de ódio;
— produzir para a satisfação do consumo de toda a sociedade e não para o lucro, que propicia a acumulação segregacionista e concentrada do capital;
— indignar-se e agir contra a injustiça em todos os momentos que com ela nos deparemos, ainda que isto tenha um alto custo pessoal, pois a aceitação e afirmação da escravização é sempre um gesto de passividade, por mais cruéis que sejam os riscos impostos pelo escravizador ao escravizado.
Enfim, ser de esquerda, dentro de um figurino verdadeiramente emancipacionista e permanentemente revolucionário, não é uma opção política, mas uma filosofia humanista de vida. (por Dalton Rosado)
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