quarta-feira, 2 de junho de 2021

JORNALISTAS PROFISSIONAIS OU ALVOS QUE CAMINHAM?

 rui martins
JORNALISMO, PROFISSÃO SUJEITA A RISCOS
Terá Protasevich reais motivos para temer... 
O
 jornalista Roman Protasevich virou troféu de caça do ditador Alexander Lukashenko, de Belarus. 

Para capturar o jovem jornalista de 26 anos, considerado seu principal crítico, Lukashenko não hesitou em cometer o primeiro ato oficial de pirataria aérea, obrigando um avião de passageiros da Ryanair a desviar de sua rota e aterrissar em Minsk, capital do Belarus.  

Juntamente com o jornalista foi presa sua companheira de nacionalidade russa, Sofia Sapega, de 23 anos, já condenada a dois meses de prisão. Ela não pôde contar com o apoio do seu país, pois a Rússia apoia o regime Lukaschenko, cuja reeleição fraudulenta no ano passado, não foi reconhecida pela União Europeia. 

No seu despacho sobre o ocorrido, a agência Tass adotou a versão fantasiosa da existência de uma bomba no avião. Justificando ter enviado um caça Mig (russo) para convencer a equipagem do avião da Ryanair a descer em Minsk, Lukaschenko disse ter recebido um telefonema vindo da Suíça. Mentira tem pernas curtas, as autoridades suíças desmentiram ter havido qualquer telefonema.  

Num segundo despacho distribuído para a imprensa internacional, a Tass deu uma versão mirabolante da prisão de Roman – na busca da bomba teriam achado Roman entre os passageiros, prendendo-o preso não por sua atuação como blogueiro, mas por atividades contra Belarus, faz alguns anos, num grupo de extrema-direita da Ucrânia. 

Esta versão acabou sendo publicada no site do Times de Londres, enviada pelo correspondente em Moscou, para ser retirada alguns horas depois a pedido do próprio correspondente, por provir de fonte não confiável. 
...os calabouços de Lukashenko? O que vocês acham?
Desceram também em Minsk quatro passageiros mal encarados: eram policiais do serviço secreto de Belarus que seguiam Roman.

As primeiras notícias chegadas de Minsk sobre o jornalista, depois de sua prisão, eram de ter dentes quebrados, haver sido torturado e sofrido golpes pelo corpo, dos quais ficou uma mancha escura na testa. 

Esta foi a segunda prisão de Roman – na primeira vez, ele mesmo havia relatado, bateram tanto no seu ventre, atingindo rins e fígado, que urinou sangue por três dias.

Dois dias antes da prisão de Roman, um opositor ao ditador, Vitold Ashurok, tinha morrido nas dependências da polícia secreta de Belarus, uma versão local do DOI-Codi (centro de torturas em cuja  unidade paulista foi assassinado no ano de 1975 o jornalista Vladimir Herzog). A bestialidade foi tamanha que o corpo de Ashurok entregue à família veio todo envolto em gazes e esparadrapos, exceto a boca e os olhos, como uma múmia.

Desta vez, diante da reação imediata da União Europeia e da repercussão mundial, Lukaschenko não podia enviar o jornalista ao hospital ou ao cemitério. Mas obrigou Roman Protasevitch, editor no Youtube e Telegram do importante canal de oposição Nexta (Alguém), a falar, mostrar estar vivo diante da câmera da televisão estatal e confessar ter sido o responsável por agitações contra o governo. Com tal confissão, Roman pode pegar, no mínimo, 15 anos de prisão.
 
Ninguém acredita na hipótese de Lukaschenko libertar Roman e deixá-lo partir para Vilnius, capital da Lituânia, onde vivia como exilado. Porém, este caso de pirataria qualificado de inominável provocou uma união dos 27 dirigentes dos países da União Europeia, isolando Belarus das rotas aéreas, com sérias consequências econômicas. 

O único ponto fraco foi a Comissão Europeia de Transportes da UE ter-se felicitado com a continuação da viagem para os outros passageiros, sem Roman e sua namorada.  
Protesto contra a ditadura bielorrussa, em Minsk

De acordo com a Comissão de Assuntos Estrangeiros da UE, ambos estavam sob a proteção europeia, garantida pela Convenção de Genebra de 1951.

Decidirá a Rússia de Putin, na reunião de junho da UE, aderir ao boicote contra Belarus e fazer pressão sobre Lukaschenko?
TERRENO MINADO PARA OS JORNALISTAS – Episódios como este dão calafrios em muitos estudantes que aspiravam a ser jornalistas mas acabam se direcionando para alguma profissão paralela, em publicidade, relações públicas, traduções ou edição de livros, etc., evitando trabalhar em jornais e blogs de oposição. 

A profissão de jornalista, mais precisamente a de jornalista blogueiro (que atinge maior número de pessoas com as novas tecnologias e tem mais penetração e influência pelo contato quase direto com seus ouvintes e seguidores) se tornou perigosa nos países não totalmente democráticos.

Num recente estudo e levantamento publicado no Knight Center, com base em dados divulgados por entidades como Jornalistas Sem Fronteira e Anistia Internacional, fica-se sabendo terem sido assassinados nos últimos dez anos, apenas no México, Honduras, Colombia e Brasil, 139 jornalistas. 

Comissão Nacional da Verdade informa ter havido 421 pessoas mortas e desaparecidas durante os anos da ditadura militar (1964-1985), 22 dos quais eram 22 jornalistas.

Além do assassinato do jornalista da TV Cultura, ex-Estadão, Vladimir Herzog, tornado de conhecimento público, divulgado e denunciado pela imprensa, houve assassinatos mantidos em segredo ou sem divulgação pública. Entre esses, o do santista Luiz Merlino, assassinado no DOI-Codi, logo depois de ter retornado de uma viagem à Europa. Tinha trabalhado no Jornal da Tarde e no Jornal do Bairro.
O histórico ato ecumênico para Herzog levou 10 mil pessoas à Catedral da Sé, em outubro/75
Os riscos, em todo mundo, incluem casos extremos de atentados e assassinatos, prisões com ou sem processo e um tipo de pressão bastante coercitiva, agora utilizado pelo governo Bolsonaro no Brasil,  como são as ameaças de processo com multas ou pagamento de pesadas indenizações pecuniárias. 

Quem se notabilizou nisso, fazendo justamente o oposto do exigido por seu cargo, foi o ex-ministro da Justiça André Mendonça, advogado e pastor, que faz parte do grupo de evangélicos pertencentes ao governo Bolsonaro, contra o qual foi apresentada uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal por uso abusivo da Lei de Segurança Nacional, um legado da época da ditadura.

Este pedido foi apresentado logo após terem sido presos manifestantes que estenderam uma faixa qualificando Bolsonaro como genocida. Todos foram libertados, exceto Rodrigo Pilha, militante petista. 

Tal ofensiva contra a oposição ao presidente acabou fracassando porque diversos inquéritos abertos acabaram sendo arquivados. Caso daquele que tinha como alvos o cartunista Renato Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat.
Solidários ao seu colega Aroeira, cerca de 70 chargistas do Brasil e do exterior
criaram charges semelhantes à que motivou a abertura do processo contra ele..
A punição mais comum – e um grande número de jornalistas já experimentou isso – é a simples demissão por 
delito de opinião, se assim podemos definir. Mas o que é um delito de opinião? 

O caso mais recente e mais flagrante foi o ocorrido com o jornalista J. P. Cuenca e o Serviço Brasileiro da rádio alemã Deutsche Welle, baseado em Berlim. Por ter feito um tuíte pessoal, na sua rede, com uma frase atribuída a Diderot e Voltaire, mas originária do abade Jean Meslier, do século XVII, Cuenca perdeu o emprego no qual ainda nem estreara. Ou seja, a frase não foi pronunciada e nem incluída num programa da DW. Mesmo assim, Cuenca foi demitido. Um caso típico de delito de opinião.

A frase original era O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre. E a versão de Cuenca, divulgada no tuíte, foi O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal. Ironia e gozação que nem todos apreciaram...
...e o ativista Rodrigo Pilha foi preso por
exibir uma delas na Praça dos Três Poderes.

Como se não bastasse, pastores da Igreja Universal dispersos pelo Brasil decidiram processar João Paulo Cuenca. No total, eram 143 processos no valor de mais de R$ 2 bilhões. Parece que esse pesadelo de Cuenca já passou, mas é suficiente para bem demonstrar até onde pode levar um 
delito de opinião

Em síntese, se quiser ser jornalista, pense bastante. Nem me pergunte como vim parar aqui na Europa. Se quer uma profissão respeitada e protegida por Deus (eu digo Zeus) faça teologia, seja pastor evangélico! 

Mas, se já vendeu barbatanas para colarinho ou água em pó na Praça da Sé, nem precisa do curso de teologia! (por Rui Martins)

3 comentários:

Anônimo disse...

Raul Monteiro:

Rui Martins dedica 1/3 do seu longo artigo em defesa de do jornalista Roman Protasevich e das supostas torturas que sofreu ou deve estar sofrendo. Toda ditadura deve ser denunciada quer seja de direita ou de esquerda porque todas elas torturam. Isso é inaceitável.

No entanto nessa confusão e avalanche de informações que lemos nas redes sociais, Rui Martins deveria fazer uma ressalva explicando quem é Roman Protasevich.

Conforme artigo do blog da esquerda portuguesa Resistir.info [título do artigo: Quem é Roman Protasevich? de 27.05.21] é informado que o bielorusso Roman:

- é desde há muito tempo membro da milícia fascista "Frentes Juvenil da Bielorússia;
- trata-se de um agente neo-nazista financiado por governos ocidentais;
- um agente da UE e da NATO que foi incorporado nas fileiras do Batalhão Azov.

O Batalhão Azov é acusado de ser uma organização neonazista, fascista, de ter cometido crimes de crimes de guerra na Guerra Civil no leste da Ucrânia.

Que jornalista é esse o Roman Protasevich, para merecer tanta simpatia por Rui Martins?

Protasevich é um agente do capitalismo muito mais sinistro que o venezuelano Juan Guaidó.

Anônimo disse...

Resposta ao comentário de Raul Monteiro
Por Rui Martins
Artigo - Jornalismo, profissão sujeita a riscos

Estou acostumado a ler comentários dos bolsonaristas do gabinete do ódio, criticando o que não escrevi. E seu comentário, Raul Monteiro, repete a mesma coisa.
O artigo trata da periculosidade da profissão de jornalista e destaca o primeiro ato de pirataria oficial de um governo, o do Belarus, para caçar um jornalista que lidera um movimento de oposição ao presidente-ditador Lukaschenko, a fim de obter sua deposição.
Se tivesse feito um curso de jornalismo veria que isso é o lead, o principal, do meu texto. O artigo não sai em defesa de ninguém, ele denuncia um ato inominável de terrorismo oficial,que poderia ter custado a vida dos passageiros do vôo da Ryanair, empresa inglesa bastante conhecida na Europa, por oferecer vôos baratos.
A seguir, se atrapalha com as palavras mas entendi, considera "supostas" as torturas que Roman sofreu ou está sofrendo. Isso é muito fácil de se dizer, numa posição solitária contra toda imprensa européia, citando um blog não conhecido aqui no Brasil e fiel à Rússia de Putin, que apóia o ditador Lukaschenko. Ora, esse chavão todos nós conhecemos - quando o Brasil vivia na Ditadura Militar, os jornalistas que eram presos, nunca foram torturados e nunca foram assassinados, diziam os boletins de imprensa dos militares!
O principal lhe escapou ao ler o artigo - o ato de pirataria, pelo qual a União Européia está punindo o Belarus. E sabe por que? Porque o único informativo no qual você acredita, que só existe em Portugal, é abastecido pela Agência Tass, a agência noticiosa russa de Putin, que contou toda uma história mentirosa a respeito do ato de pirataria ordenado pelo ditador Lukaschenko. É preciso você se atualizar, o tempo passou e o mundo mudou, já houve um tempo em que a Rússia, aliás URSS, tinha um significado revolucionário. Mas isso já acabou faz tempo. Ser de esquerda não é apoiar Putin e muito menos Lukaschenko.
No meu artigo, contei que o correspondente do The Times retirou do seu texto online, logo depois da prisão de Roman, informações não confiáveis que recebera. O nome do correspondente é Marc Bennetts, ele mesmo contou isso. Eram as informações que a Agência Tass passou a divulgar, dando conta de atividades de extrema-direira de Roman. Igualzinho no Brasil dos militares, onde quem lutava contra a ditadura era chamado de comunista pago por Moscou.
Nessas questões de pirataria, mijar sangue por ter sido espancado, não se age por simpatia Raul Monteiro, mas pela defesa dos direitos humanos, pelo respeito do direito de divergir e de ser jornalista da oposição.
Tentar achincalhar um jornalista repetindo mentiras transmitidas por um ditador, é proceder a um tipo de tortura para destruir a imagem da pessoa. No Brasil de hoje, de Bolsonaro, a extrema-direita no poder não tem os mesmos poderes da época da Ditadura militar, mas procura processar e tirar empregos dos jornalistas.
Por isso, tentar me atingir por ter escrito um artigo contra o ditador Lukaschenko, é utilizar o mesmo procedimento do ex-ministro a Justiça brasileiro, André Mendonça, que pretendia processar todos que criticassem Bolsonaro.
Só lamento que o Náufrago da Utopia ainda lute com problemas de edição e não tenha um bom sistema para colocar os comentários no rodapé do texto como nos outros blogs. Neste caso, esse comentário isolado e tendencioso acabou sendo publicado com corpo gráfico maior que o texto original.
E um adendo, uma frase do correspondente Bennetts em Moscou - "o que choca é que Roman Protassevichnão tinha ainda nascido quando Lukaschenko chegou ao poder" E eu pergunto, esse é um líder de esquerda?

celsolungaretti disse...

Ô, Rui, sobrou pra mim também? Acho que, com os recursos que tenho, até que edito muito bem o blog, muitas vezes tirando leite de pedra.

Na verdade, o que aparece para o leitor, na capa do blog, são os posts COMPLETOS (não gosto do modelo de apresentar pequenas chamadas de uns 10 ou 15 deles).

No RODAPÉ de cada um dos posts estão os marcadores e a indicação de se existem ou não comentários. Aí, clicando exatamente na palavra "comentários", você abre uma nova página, só com os comentários daquele artigo.

Não sei quantos leitores, depois de lerem o post, se dão ao trabalho de abrir essa outra página para ler os comentários. Mas, creio não haver dúvida nenhuma que os posts recebem destaque bem maior do que os comentários dos posts.

O editor não é tão incompetente assim (rs).

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