(continuação deste post)
A mediação social capitalista, nascida de forma imperceptível quando os primeiros seres humanos adotaram os sistemas de trocas quantificadas de seus excedentes de produção social em busca de poder pessoal ou para seus grupos étnicos, criou e estimulou a adoção do regime de escravidão direta que, dentro desse objetivo teleológico, desenvolveu-se estruturalmente até o aperfeiçoamento institucional moderno.
Mas, a gênese de sua estrutura moderna ainda é a mesma: a ambição escravista humana com resquícios de uma segunda natureza que inicialmente foi imperial escravista, depois monárquica-clerical-feudal, mas sempre simbólico-religiosa, até corporificar-se hoje em dia na forma-sujeito da mercadoria, o deus valor.
Tal divindade, contudo, tem os pés de barro e sucumbe diante de sua própria contraditoriedade, de vez que já prescinde da escravização humana da extração de mais-valia e adota a máquina como forma de produção social moderna (condição de redução dos custos do tempo-valor do ser humano nesta mesma produção).
É aí que se manifesta a contraditoriedade e irracionalidade de uma mediação social que já não se mantém pelos próprios fundamentos e apela para a força armamentista em face de sua inexequibilidade, sendo, como é, um processo que roda em falso.
A mediação social pela forma-valor não se sustenta por si mesma e apela para mecanismos claramente artificiais (como a emissão de moedas sem lastro, meramente fiduciárias) e absolutistas de manutenção do poder.
O mesmo comerciante que, desesperado por ver suas mercadorias encalhadas e a falência à espreita, clama nas redes sociais por uma marcha para Brasília, na linha das badernas habituais do presidente Boçalnaro, o ignaro, em protesto contra a necessária política de isolamento social de prefeitos e governadores, é aquele que não admite sequer cogitar uma nova relação de produção social na qual ele não precise vender nada.
Na sua ignorância fanatizada, seduzido que é pelo fetiche da mercadoria, ele não pode admitir a viabilidade de uma outra organização social na qual ele disporia de tempo para o desenvolvimento do ócio produtivo (corporificado em alguma atividade lúdica que lhe seja gratificante, mesmo a de lutador de MMA, p. ex.) e de um suprimento cômodo de suas necessidades de consumo.
É que o fetiche da mercadoria já incutiu no seu cérebro atrofiado pela irracionalidade da forma-valor, próprio à segunda natureza humana, que somente o poder do dinheiro o pode salvar e, pior ainda, que o presidente genocida representaria a garantia do retorno ao status quo ante. Obcecado com tais ilusões nefastas, ele se torna um ser perigoso que está disposto a sacrificar a própria existência. Uma vida diferente já não lhe interessa.
A forma-sujeito da mercadoria imbeciliza os seres humanos a tal ponto que eles preferem correr em busca do abismo do que refletir sobre uma novo modo de produção e de organização social horizontalizada. O poder vertical da mercadoria é sua paixão e Deus sacralizado, não havendo como se quebrar tal lavagem cerebral, isto, pois seria como tentar-se convencer o Papa de que Deus não existe.
Apesar de tudo, no entanto, somos seres em crescimento e deveremos atingir um estágio de racionalidade superior, a que denomino de terceira natureza humana, isenta da contaminação de todos os fetiches que se constituíram ao longo de sua segunda natureza de mais de uma centena de milênios, e que lhe permita um convívio social cômodo e respeitoso para com o seu semelhante.
É claro que na terceira natureza problemas hão de surgir, desde o medo de um meteoro se chocando com a Terra, como o que dizimou os dinossauros há cerca de 60 milhões de anos; de mudanças climáticas severas como as que já ocorreram há bilhões de anos; e outros problemas inerentes à relação humana, até porque não somos máquinas e os sentimentos humanos, por mais desenvolvidos que sejam, embutirão sempre conflitos existenciais.
Afinal, só o tédio de uma vida sem problemas já seria um grave problema.
Mas tenho a convicção de que os pósteros se referirão a nós como uma civilização pouco desenvolvida e, de certa forma, ainda com um pé na irracionalidade. Terão pena de nós, que é o sentimento mais desconfortante que pode inspirar um ser humano presumivelmente consciente de sua capacidade intelectual e física.
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