Nesta segunda (19), acordei acreditando numa conversão religiosa em nossa imprensa esportiva: praticamente toda ela clamava contra a ganância no futebol.
Perplexo, fui verificar se logo também condenariam a usura e admoestariam os banqueiros, patrocinadores de seus programas.
Nada disso ocorreu. Ficaram apenas na condenação da ganância de uma dúzia de empresários de clubes europeus, os quais lançaram na noite anterior um novo torneio super exclusivo.
Bem ao estilo camarote VIP, os clubes responsáveis pela nova empreitada figuram no topo da elite esportiva mundial. São eles: Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham, pela Inglaterra; Inter de Milão, Juventus e Milan (Itália); e Atlético de Madrid, Barcelona e Real Madrid (Espanha).
Com estes, faltariam apenas os alemães Bayern de Munique, Bayern Leverkusen e Borussia Dortmund, além do francês Paris Saint-German, para estar completo a lista dos maiores clubes do mundo.
Na prática, o novo torneio mataria a velha Champions League e faria das ligas nacionais a meros estaduais de luxo.
Da esq. p/ a dir.: Lewandowski, Messi, Ronaldo e Salah |
No entanto, não há surpresa nesta iniciativa, salvo a de terem demorado tanto tempo para lançar tal ideia. E vem daí minha perplexidade com os comentaristas esportivos do Brasil.
Faz pelo menos uns 30 anos que o futebol mundial se transformou em máquina de fazer dinheiro. Numa ascendente, clubes foram sendo transformados em empresas e, logo, em multinacionais. Valores estratosféricos foram sendo pagos a jogadores e os seus passes começaram a ser cotados na casa dos milhões e até bilhões de dólares.
Na lógica neoliberal de tudo ser privatizado, os clubes também o foram, com as principais equipes europeias sendo compradas por oligarcas russos, sheiks árabes ou magnatas chineses. Gente sem ideia da diferença entre um volante e um lateral direito, mas com pleno conhecimento do valor de um cifrão.
Para estes indivíduos, o jogo em si não é o mais importante. Lucram mais com a venda de penduricalhos relacionados aos clubes e com as transmissões na TV do que com a ida dos torcedores aos estádios.
E, óbvio, possuem interesse zero em jogos inúteis com clubes da Turquia ou de algum vilarejo do interior da Inglaterra. Eles querem o espetáculo contínuo, audiência permanente, só possível de ser obtidos em partidas com a nata do futebol.
Empresários, não aspiram apenas ao lucro, mas também ao oligopólio. Daí seu máximo empenho em deterem os maiores astros e hegemonizarem os torcedores –fãs, na nomenclatura neoliberal– nos principais mercados consumidores, os da populosa Ásia e dos EUA.
Os europeus, nesta equação, são apenas o pano de fundo, ou a plateia, do espetáculo. Irônico a Europa terminar sendo tratada igual tratava os latino-americanos, enquanto mero produtores de mercadorias destinadas ao consumo estrangeiro.
Quando o futebol entrou na lógica de mercado e se transformou em business, ele também entrou na lógica neoliberal da oligopolização e do tratoramento dos mais fracos. Portanto, a criação da Superliga é apenas mais um passo neste processo e, de modo algum, exemplo de suposta ganância. O capital não tem moralidade.
O moralismo nunca dará conta de compreender a dinâmica econômica e social do mundo. É assim na política e também no futebol.
Por isso, só é possível entender este movimento dos maiores clubes do planeta se levarmos em conta a dinâmica oligopolista do capitalismo contemporâneo, no qual as mercadorias já não possuem mais pátria ou cultura, sejam elas um celular ou uma partida de futebol.
(por David Emanuel Coelho)
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