É simplista a previsão dos articulistas e colunistas de esquerda, que apostam em mais do mesmo, minimizando a importância da volta dos democratas ao poder nos Estados Unidos. Depois das loucuras e tosqueiras ultradireitistas de Trump, eles estão, na prática, obrigados a personificarem a alternativa civilizada à barbárie que o eleitorado rejeitou.
E é o que vão fazer, segundo se depreende das palavras de um dos mais respeitados diplomatas do Itamaraty, Sérgio Amaral, entrevistado pelo colunista do UOL Jamil Chade.
Amaral [que aparece com Obama na foto abaixo] foi ministro de FHC e, ultimamente, embaixador do Brasil nos EUA entre 2016 e 2019.
Seguem as principais respostas que ele deu na entrevista, excluídas (por questão de espaço) as perguntas e alguns trechos que o blog considerou desinteressantes para seu público.
Embora os projetos de Biden não sejam suficientes para reverter a agonia inexorável do capitalismo, certamente terão consequências importantes, pelo menos no timing dos acontecimentos.
Daí minha recomendação a todos que leiam com muita atenção as análises do Amaral, que dão uma boa ideia de qual é o perfil intelectual e moral que um diplomata precisa ter para representar o Brasil numa embaixada-chave. Mas, talvez ele não frite hambúrgueres tão bem como o Eduardo Bolsonaro... (por Celso Lungaretti)
Biden apresentando os escolhidos para integrarem sua equipe de política externa
"[Vencendo a eleição e superando a tentativa golpista de Trump] Biden deu um passo importante para a volta da democracia, da volta da política e seu projeto internacional.
[Esse projeto] é substancialmente diferente da política externa de Trump. Enquanto Trump aposta na decisão unilateral, nas formas de represália, Biden vai buscar a reconciliação e refazer as alianças políticas, além de reforçar o multilateralismo. Começando pela sua ideia de convocar uma Cúpula da Democracia, que é de certa forma o ponto de partida da reconstrução da ordem internacional.
A proposta de política externa é a revisão da diplomacia de Trump. Onde Trump refutava o meio ambiente, Biden colocará o assunto no eixo de sua aliança com a Europa.
O desenho da nova ordem será menos sobre instituições. E mais sobre países que têm um ponto de partida igual: a afirmação da democracia. O compromisso ambiental, o compromisso com o multilateralismo e a busca de sedimentação de alianças.
Eles não vão negociar novas instituições multilaterais. Mas vão negociar coisas diferentes, que dizem mais respeito à prática da economia, como regular as novas plataformas digitais, a inteligência artificial, como estabelecer uma postura comum no que se refere ao governo chinês.
Não será necessariamente um cerco, com caráter impositivo e sanções, como Trump estava fazendo. Mas uma aliança de países para negociar novas regras do jogo, inclusive sobre as grandes empresas de tecnologia.
O que me preocupa é que, nessas reuniões e soluções desses países, não temos as grandes empresas de tecnologia no Brasil. Serão acordos ou entendimentos sobre a China, e nós não faremos parte deles.
Será que nós seremos atores relevantes desse novo processo, e será que nós seremos convidados a sentar à mesa de negociações principais, como aquelas que poderão ser negociadas nessa cúpula? Nesse isolamento, mais do que vítimas, somos atores desse isolamento.
Nós preferimos nos colocar na posição de isolamento. Nós somos um dos últimos países a se afastar de Trump, e, hoje, ele está no mais completo isolamento. Nós escolhemos estar ao seu lado.
Uma [das consequências dessa postura equivocada] é de curto prazo. A grande aliança EUA-Europa se faz por convergência na agenda ambiental. Ela pode reunir movimentos políticos com grande determinação na agenda ambiental.
Precisamos entender que a questão ambiental não é uma decisão de países. Mas uma determinação de sociedades. Escolhemos ficar do lado errado.
O mundo passa por um momento de transição, pela globalização, pela ressaca da globalização, crise econômica, Trump e pandemia. Isso tudo ai mudar o cenário internacional. Só a emergência da China já provoca deslocamentos tectônicos no cenário internacional.
Diante dessas mudanças, não existem condições de a política externa brasileira não se ajustar a esse novo momento. O mundo mudou. A política externa vai ter de mudar também."
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