AINDA NÃO VIMOS O PIOR DA EXTREMA-DIREITA
A invasão do Capitólio por apoiadores de Trump –ato qualificado por alguns de tentativa de golpe de estado– é um ponto de inflexão na extrema-direita estadunidense e mesmo mundial.
A invasão marca uma mudança decisiva do modus operandi dos extremistas, agora divorciados de vez das ilusões institucionais. Tal mudança foi impulsionada pela pregação trumpiana em torno da fraude nas eleições e o ceticismo quanto aos organismos judiciais e legislativos dos EUA. Esgotada a possibilidade de atuar dentro da legalidade, só resta agir na base da força.
A invasão frustrada não esmorecerá o ânimo dos militantes neofascistas. Longe disto, deve significar um passo além na radicalização destes, a qual já vem se acentuando há anos, sendo alimentada pelo próprio Partido Republicano, inclusive por muitos que hoje se escandalizam com o que veem.
Desde pelo menos Ronald Reagan, o Partido Republicano assumiu postura francamente direitista e até antidemocrática. Sua aliança com os fundamentalistas e obscurantistas só cresceu ao longo dos anos.
Cada presidente republicano deu um passo a mais em direção à extrema-direita. Trump não caiu do céu.
Não podemos esquecer do movimento Tea Party, surgido por volta do ano 2010 e que esposava teses abertamente neofascistas, muitas delas desabrochadas no governo Trump.
Hoje, as bases eleitorais do Partido Republicano são os extratos sociais mais reacionários dos EUA, concentrando-se, sobretudo, nas regiões rurais mais conservadoras e nos extratos sociais mais privilegiados. Sem nenhuma coincidência, são estes também os grupos mais fiéis a Trump.
Também não é à toa que pelo menos metade do Partido Republicano está com Trump, sendo que 120 dos seus deputados e nove senadores republicanos votaram contra a ratificação do processo eleitoral que deu vitória a Biden. Isto depois do assalto ao Congresso e de toda comoção subsequente.
Ou seja, estruturalmente, o Partido Republicano não parece frear seu avanço rumo à extrema-direita, existindo pessoas dentro dele a apoiar ações diretas de ataque ao poder constituído. Isto apenas pode reforçar o ímpeto de militantes já normalmente dispostos ao enfrentamento.
Mesmo que Trump submerja enquanto líder destas forças, é possível que outro líder, ainda mais belicoso, surja no horizonte. O presidente vacante pode ser uma espécie de João Batista a anunciar a vinda do Messias.
Isto porque Trump não é um ponto fora da curva, ao contrário, ele não passa de expressão da grave crise enfrentada pelo capitalismo e que é ainda mais grave em seu centro, os EUA.
Muito da força da extrema-direita nos EUA vem, sobretudo, dos efeitos da desindustrialização e da queda brusca da qualidade de vida da população daquele país. Hoje, um estadunidense médio trabalha muito mais e ganha muito menos que seus pais e avôs.
Este fato gerou profundo ressentimento entre as camadas médias, sobretudo brancas, que se veem tendo de competir com imigrantes por subempregos. Trata-se de um quadro que coloca em xeque a legitimidade das instituições, sendo, portanto, campo fértil para o discurso subversivo de um Trump.
Biden, um político tradicional e fortemente ligado ao establishment, tem poucas chances de mudar o quadro. Acreditar numa volta do parafuso ao passado é uma ilusão que só poderá acirrar ainda mais o ânimo da extrema-direita. Seu governo será, com certeza extremamente turbulento, podendo fazer lembrar os anos de chumbo da França pós-68 ou mesmo da Itália, mas agora com ações partindo da extrema direita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário