dalton rosado
A INGOVERNABILIDADE
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística informa que 52 milhões de brasileiros (25% de nossa população) vivem em pobreza absoluta, com renda abaixo do salário-mínimo (menos de USS 200) ou sem renda nenhuma (aí incluídos os 30 milhões de desempregados crônicos do sistema).
Se considerarmos que a renda média do Brasil é baixa, podemos concluir que:
— a faixa intermediária, os chamados segmentos médios de renda baixa, situados pouco acima da pobreza absoluta, representam 120 milhões de brasileiros;
— o segmento logo acima, cuja renda vai de 5 até 10 salários-mínimos, engloba outros 25 milhões de brasileiros; e
— o restante, que compõe a elite financeira brasileira (grandes empresários, altos funcionários públicos do mundo jurídico e político; profissionais liberais famosos; contraventores e traficantes), completam o cenário de nossa aviltante concentração de renda em contraponto à miséria reinante.
Qualquer europeu que visite o Brasil fica chocado com a absoluta aceitação, como algo natural, de apenas alguns metros fazerem a separação entre o cinturão das favelas e bairros pobres da periferia das cidades e os prédios suntuosos dos bairros ricos.
Aqui e noutras nações de hegemonia econômica exploradora, as cidades reproduzem a cena nacional; e a cena nacional reproduz a cena mundial. Mesmo nos países mais ricos existem guetos, a demonstrarem cabalmente como a riqueza sob o capital se constitui na maior ofensa à civilidade humana.
Este é o retrato da capitalismo que Paulo Guedes afirma ter resgatado da miséria 3 bilhões de terráqueos, numa afirmação tão irreal como aquela afirmação lunática dos boçalnaristas fanáticos, de que a Terra seria plana.
Desprestigiado representante do liberalismo clássico num governo populista, autocrático e defensor de arroubos nacionalistas ultrapassados, Guedes omite que, se algum progresso ocorreu nos últimos séculos (mesmo em meio aos genocídios havidos), deve-se à ciência e aos cientistas, ao descobrirem ou criarem mecanismos facilitadores da vida social.
Entretanto, são cada vez menores os ciclos de sustentação governamental de projetos no campo conservador e no campo da sensibilidade social, em razão da insatisfação popular que termina por decepcionar quantos acreditam num ou noutro projeto político.
Com isto não queremos esmaecer a diferenciação entre governos que pregam a truculência e a negação da ciência e do senso de civilidade e os governos que têm sensibilidade social e respeito pelos ganhos civilizacionais. Prefiro os segundos aos primeiros, obviamente.
Mas não devemos criar expectativas falsas quanto ao que sejam boas intenções construídas sob bases absolutamente inconsistentes.
Costuma-se passar ao eleitorado a ideia de que a questão se resume à boa ou má governabilidade de projetos políticos à direita ou a esquerda (tendo-se como referência o conservadorismo político de uns e o pensamento dito progressista de outros), justamente porque colocar o dedo na ferida é coisa de difícil abordagem e, mais ainda, de execução.
Estive na política como defensor do chamado marxismo tradicional, até descobrir que o grande mentor desse marxismo era antimarxista, ou seja, que na sua oscilação entre proposições de convivência político-partidária parlamentar ou governamental e a consciência cada vez mais clara dessa impossibilidade de resultados profícuos nessa convivência política, seus ensinamentos da maturidade inclinaram para a segunda hipótese.
Entretanto, os partidos de esquerda, sob os mais variados matizes ideológicos, amparados por propostas humanistas e de convivências sociais civilizadas, mas mantendo-se sob bases de uma relação social escravista e segregacionista por sua essência ontológica corporificada na partir da produção de mercadorias, terminaram sempre por negar os postulados sob os quais ergueram as suas bandeiras progressistas.
O desgaste de se governar sob as categoriais capitalistas (valor, dinheiro, mercadorias, mercado, trabalho abstrato, Estado, política, partidos políticos, etc.) e pressupostos ´também capitalistas é inevitável.
Não adianta rezar a Deus no inferno. (por Dalton Rosado)
2 comentários:
Bom dia, Dalton.
Estes escritos da maturidade de Marx, é o Grundrisse da Boitempo traduzido por Nélio Schneider et alli?
Dei uma olhada e, se for, é de leitura até fácil.
Caro SF,
sim, a tradução dos GRUNDRISSE coube a Nélio Schneider e Mário Duayer, com a colaboração de Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman. Edição da Boitempo Editorial de 2011.
Trata-se de rascunhos relativos a fundamentos escritos por Karl Marx sem a pretensão de publicação, e que lhe serviu de base para os 3 volumes de O Capital.
Como eram escritos pessoais, sem maiores preocupações com erros conceituais eventuais, pode-se extrair dali a profundidade da elaboração de seus estudos que são cada vez mais atuais. É algo mais completo do que O Capital, que é uma síntese mais cuidadosa do pensamento marxiano.
Com as suas 788 páginas em letras miúdas e as vezes de complexa compreensão deve ser lido devagar, algumas páginas de cada vez, de modo a que não se torne leitura mais cansativa mais do que normalmente é, e que precisa de boa vontade para penetrar na complexidade do pensamento genial de Karl Marx.
Um esforço de tradutores e literatos brasileiros cujo mérito deve ser reconhecido pelo que representa em termos de disseminação do pensamento emancipacionista da humanidade.
Desculpe-me se não respondi ao seu comentário no artigo anterior, mas é que duas filhas minhas (e para minha alegria) me deram 4 netos em dois partos de gêmeos em agosto e novembro, respectivamente, e tive que ajudá-las de várias formas. Agora sou vovô de 8 netos.
Um abração, Dalton Rosado
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