Sean Connery morreu dormindo aos 90 anos, de causa não revelada; provavelmente não foi de covid-19, pois tinha problemas de saúde havia alguns meses.
Foi, provavelmente, o ator mais carismático que vi nas telas – tanto que, quem o assistiu no papel de James Bond, jamais engoliu os paspalhos que ousaram depois interpretar o espião criado por Ian Fleming.
De uma família pobre de Edimburgo, Escócia, chegou a trabalhar como polidor de caixões, leiteiro e salva-vidas, até que seu belo físico lhe rendeu, entre 1954 e 1962, uma discreta carreira em seriados e filmes para TV, acabando por chegar ao cinema como coadjuvante.
A única fita mais conhecida na qual atuou durante tal fase foi O mais longo dos dias, superprodução sobre o desembarque dos aliados na Normandia durante a 2ª Guerra Mundial, na qual seu nome era o 12º em importância do elenco.
Tudo mudou num passe da mágica ao ser escolhido para personificar o agente 007 em O Satânico Dr. No (dir. Terence Young, 1962). A Eon, uma pequena produtora nascente, decerto não podia bancar a contratação de um grande astro, então deve tê-lo escolhido por sua enorme semelhança com o personagem concebido por Fleming.
Bond foi introduzido nos livros como um proletário que, na Marinha, chama a atenção da espionagem britânica e é por ela recrutado. A nova carreira lhe traz conhecimentos e sofisticação, mas sua origem popular é responsável pela desenvoltura com que enfrenta situações de perigo e pela forte atração sexual que desperta nas mulheres.
É difícil imaginarmos outro ator que, por sua própria história de vida, se encaixasse tão bem neste perfil.
Um papel inesquecível: como líder de trabalhadores irlandeses que, por meio de atentados, reagiam às condições desumanas de trabalho nas minas de carvão da Pensilvânia, em 1876
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E Connery não foi nenhum deslumbrado com o sucesso imprevisto (o Dr. No estourou nas bilheterias e ele foi um grande beneficiado, claro): teve o bom senso de evitar ficar marcado como ator de um papel só.
Fez questão de alternar as sete fitas mirabolantes de espionagem com trabalhos mais sérios, inclusive negociando com os produtores o direito de, como contrapartida para continuar interpretando Bond, estrelar cinco filmes cujas história e diretor ele próprio escolheria.
Acertou em cheio. Esses papéis mais dramáticos lhe permitiram ir crescendo como ator e, quando a idade tornou cada vez mais desgastante a permanência na franquia 007 (o jovem Apolo que praticava fisicultura se tornara um adulto que era obrigado a usar peruca e a espremer-se com uma faixa acima da cintura para as plateias não perceberem que o James Bond... era barrigudo!), sua imagem já estava consolidada: podia fazer os filmes que quisesse. E os fez.
Richard Lester, que dirigia os filmes dos Beatles, criou este épico outonal, com
Connery como um Robin Hood idoso que ainda enfrenta o xerife de Notthingam
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Do seu quase meio século de carreira, repleto de desempenhos marcantes, eu destaco estes 10, começando pelos dois melhores filmes da franquia 007 até hoje (CL):
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— Moscou contra 007 (dir. Terence Young, 1963)
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— 007 contra Goldfinger (dir. Guy Hamilton, 1964)
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— A colina dos homens perdidos (dir. Sidney Lumet, 1965)
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— Ver-te-ei no inferno (dir. Martin Ritt, 1970)
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— Até os deuses erram (dir. Sidney Lumet, 1973)
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— Zardoz (dir. John Boorman, 1974)
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— O homem que queria ser rei (dir. John Huston, 1975)
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— Robin e Marian (d. Richard Lester, 1976)
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— O nome da Rosa (d. Jean-Jacques Annaud, 1986)
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— A casa da Rússia (dir. Fred Schepisi, 1990)
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Atualização: a viúva informou depois que Connery vinha,
nos últimos anos, sofrendo de demência. "Pelo menos,
ele morreu durante o sono e foi tão pacífico."
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Filme que Connery fez em 1964 (logo após Dr. No e
Moscou contra 007), ao lado de Gina Lollobrigida
2 comentários:
o ultra esquerdista ama o maior ícone do "imperialismo"...incoerência?? quem pensaria cobrar tal coisa de comunistas? ou o Haddad a Manuela e o Chico Buarque iriam de férias a Venezuela ou Coreia do Norte (Cuba deve ficar de fora pq é Caribe e as praias são muito bonitas - estive lá recentemente - e mesmo nas praias de Varadero ficam policiais vigiando para ninguém roubar um caiaque do resort e remar até Miami)..eles vão a Paris, Nova Yorque ou Miami. Como qualquer burguês.
O que tem a ver o ATOR Sean Connery com o PERSONAGEM James Bond, que ele interpretou em sete filmes?
E você está errado inclusive quando qualifica o agente 007 de "ícone do imperialismo". Eram filmes de ação divertidos, que procuravam exatamente fugir da camisa de força da guerra fria.
Daí Fleming ter preferido apresentar seu personagem como um agente britânico (o Império decadente não despertava tanta rejeição) ao invés de alistá-lo na detestada CIA.
E os vilãos não eram os países comunistas, mas sim super-organizações criminosas apátridas, como a Spectre.
Outra coisa: assisti ao primeiro filme da série em 1962, quando tinha 11 anos. Um pouco cedo para analisar o entretenimento a partir de uma ótica tacanhamente política.
Continuei vendo a série enquanto Sean Connery atuou nela, apenas como divertimento descompromissado, e pulei fora junto com ele. Deveria ser submetido a um tribunal revolucionário por tal crime?
O fato é que quem nunca lutou de verdade tem muito medo do que os outros vão achar dele. Eu não tenho nenhum. Sei que essas besteirinhas não significam nada.
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