sexta-feira, 4 de setembro de 2020

CHACINA DO CHARLIE HEBDO FOI UM SINTOMA DA PESTE QUE TAMBÉM NOS ATINGE: A VOLTA DO OBSCURANTISMO

Muitos evangélicos do Brasil têm um ponto em comum com os terroristas islâmicos responsáveis pela chacina do Charlie Hebdo em 2015:  seja em nome de Jesus ou Maomé, trabalham pelo advento do obscurantismo, para se apagar, enfim, o Iluminismo, mergulhando-nos num novo período de trevas.

Este novo milênio,  profetizado pelo francês André Malraux como religioso, será mais que isso. Será fundamentalista, fanático, intolerante e vai, pouco a pouco, asfixiar os livres pensadores até acabar por completo com o exercício da livre expressão.

Sem dúvida, dias piores virão para quem precisa de espaço para pensar. Não haverá mais lugar para os descendentes do pensamento livre de Voltaire, nem para a sociedade laica e nem para os ateus ou agnósticos.

Coincidentemente, no mesmo dia (07/01/2015) do atentado contra o Charlie Hebdo, uma espécie de escritor maldito francês (pois não se enquadra em nenhuma categoria ou escola político-literária), Michel Houellebecq, havia lançado como provocação um livro que já falava desse retorno ao obscurantismo religioso, que seria imposto a todos os franceses de uma maneira dócil mas firme. 

Era Submissão, uma descrição gradativa e virulenta de como os franceses tinham eleito, com o apoio dos socialistas, um presidente muçulmano para escapar do extremismo nacionalista de direita de Marine Le Pen.

As tintas eram fortes, Houellebecq teve sua ironia satírica logo taxada de islamofóbica. Não muito longe dos que também qualificam Charlie Hebdo de faltar com o respeito ao Islã e Maomé. Por quê? Porque criticar, rir, gozar das crenças religiosas está virando tabu. Deus, Papa, Maomé, Jesus estão virando personalidades intocáveis.

Todos os anos, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, os países árabes tentam criar o delito de ofensa ou desrespeito à religião que, embora sem ser ainda punido, se transformaria rapidamente numa censura oficial a todos os tipos de visões alternativas sobre símbolos religiosos. E, em alguns anos, teríamos o retorno da censura nas questões religiosas e, em seguida, a imposição gradativa dos mitos religiosos a todos.

Sem querer ser Cassandra com suas más profecias, isso logo vai acontecer. Porque mais dia menos dia, os muçulmanos terão o apoio do clero católico e dos evangélicos exportados pelos estadunidenses que, mal conseguiram decidir o resultado das eleições brasileiras, já querem influir no currículo das escolas, acabar com o ensino do darwinismo e evolução das espécies para impor o criacionismo de Adão e Eva. Além de rejeitarem o ensino da sexualidade nas escolas.

Diretor do Charlie Hebdo e sobrevivente do massacre, Laurent Sourisseau (conhecido como Riss) não acredita que seria possível reunir hoje, como ocorreu quatro dias depois do atentado, os líderes mundiais e o povo em favor da liberdade de expressão. Hoje, se houvesse um novo atentado, poucos diriam Eu sou Charlie!.

Para ele, embora aparentemente derrotados, os jihadistas estão conseguindo impor sua lei, o respeito aos seus dogmas e aos seus símbolos, enquanto os laicos e não religiosos, os voltarianos se retiram. 

Por tabela, no Brasil bolsonariano de hoje, o diversificado mas coeso clero evangélico vai tomando o controle e, se não houver oposição suficiente, vão se tornar como os aiatolás iranianos que controlam o presidente o parlamento no Irã.

E, como os mitos religiosos são fortes, como eram já no antigo Egito, a consequência gradativa é o conservadorismo, a intolerância, o ressurgimento dos tabus sexuais e de comportamento, a desqualificação da igualdade da mulher com o homem. É o retrocesso, o obscurantismo que, numa crise econômica, pode levar ao populismo, ao fascismo e ao fim da liberdade.

Tanto para Riss quanto para o redator-chefe do Charlie, Gérard Biard, tudo começa a ser tido como blafêmo, enquanto a sociedade francesa vai se tornando anti-Iluminista, recua a liberdade de expressão e aumenta a intolerância. 

A culpa seria da extrema-direita, na polarização que engendra o choque entre religiões, que reforça, de uma parte o fundamentalismo cristão; e de outra o fundamentalismo muçulmano. Porém, a esquerda seria também culpada por ter perdido sua força na defesa da sociedade laica.

Charlie Hebdo
, diante das transformações que ocorrem na sociedade francesa, é uma espécie de trincheira avançada contra o obscurantismo. A prova é a coragem de sua redatora Zineb El Rhazoui que, apesar da pressão dos devotos, afirmou que a religião muçulmana tem de aceitar as leis da República francesa e se conformar com o humor, a razão e a crítica dos franceses, como acontece com todas as religiões. Ela vive hoje sob proteção policial depois de ter recebido ameaças de morte ou fátuas.

Gérard Biard cita o peso da ameaça ideológica sobre a sociedade francesa que visa o universalismo, o espírito científico e tudo quanto permite a emancipação individual e coletiva. 

Guardadas as proporções e as diferenças entre evangelismo e islamismo, percebemos que desses três itens, pelo menos dois são também abominados por alguns membros religiosos do governo Bolsonaro — o universalismo e o espírito científico. (por Rui Martins)

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