quinta-feira, 18 de junho de 2020

NEM O BRASIL, NEM O SÉCULO ATUAL, COMPORTAM GENÉRICOS TOSCOS DE NAPOLEÃO BONAPARTE

dalton rosado
A IDEOLOGIA EM
 XEQUE (MATE?) 
Começo por dizer que desejo, pelo bem do Brasil, a impeachment do presidente Boçalnaro, o ignaro. 

O governo do Brasil está acéfalo, preso a um comportamento ideológico ultraconservador, de natureza odiosa, com posicionamentos primários que demonstram até mesmo desconhecimento teórico doutrinário do conservadorismo tradicional... e isto num momento de crises econômica e sanitária sem precedentes! 

No momento em que inicio este texto, São Paulo bate mais um recorde de óbitos num mesmo dia. São estatísticas de mortes das piores guerras. Morre mundialmente hoje, algo próximo a uma Hiroshima e uma Nagasaki a cada mês.

Tudo está administrativamente paralisado (é o isolamento funcional de quem defende o direito à aglomeração disfuncional e genocida), daí personagens contrários à social-democracia, como Joice Hasselmann, Luiz Henrique Mandetta, Mansueto Almeida e Sergio Moro, dentre outros, já terem abandonado o barco governamental. 

Enquanto isto, o que o governo discute é como livrar-se (sem magoá-lo) do ministro ativista que extrapolou todas as medidas e se tornou indefensável: o Vem-entrave para a Deseducação. É mole?

Só fica nesse governo quem obedece à cegueira ideológica boçalnarista, e assim mesmo com o cuidado de não ser protagonista, pois a insegurança eleitoral pessoal do presidente só é menor do que o seu despreparo para o exercício do cargo num governo republicano burguês com divisão de poderes, pesos e contrapesos. 

Por mais que incense o capitalismo liberal-nacionalista (uma contradição desde o enunciado), ele não compreende que o verdadeiro poder no capitalismo é o capital, daí sua irritação por ter compreendido mal os limites de poder de um presidente.

É que ele (sem compreender claramente, mas agindo por impulso) está mais para um imperador como Napoleão do que para Robespierre, mas a realidade do tempo lhe é desfavorável. Nem o Brasil, nem o século atual, comportam genéricos toscos de Bonaparte.

A sua confusão ideológica é tão grande que ele, afora imperador, quer ser ao mesmo tempo um monarca absolutista, o que nos remete às lutas revolucionárias da metade do século 19, entre o feudalismo e a burguesia emergente;  Boçalnaro (que, aliás, é apoiado por monarquistas atuais), estaria na trincheira dos queriam conservar um passado fadado a desaparecer. 

Assim me posicionando, quero dizer que sou sabedor, como muitos outros que querem a queda do Boçalnaro, que os problemas estariam longe de serem resolvidos com esse desenlace. Mas tudo ficaria menos ruim.
Daí eu defender incondicionalmente a sua queda, mesmo que isto implique uma nova eleição (no caso de o TSE cassar a chapa vencedora em 2018 por fraude eleitoral). 

Ou seja, apesar de minha rejeição à democracia burguesa e de me alinhar sempre com os jovens que pregam o não voto!, sou, acima de tudo, solidário aos brasileiros que morrerão inutilmente se Boçalnaro continuar sabotando o combate à Covid-19. 

Quando os deputados, em sua grande maioria, foram eleitos pelo capital e coronelismo político interiorano, caracterizando-se pela avidez por negociatas com as verbas públicas, o impeachment é mais difícil de passar e também mais demorado, a menos que houvesse um levante nacional (que pode até ocorrer, por força da degradação visível da vida social). 
.
O FRACASSO DAS IDEOLOGIAS COMO FORNALHAS DO ÓDIO  – desde a derrota do feudalismo, selada com a queda em 1848 do último monarca francês (Luís Filipe) e estabelecimento da República e seus princípios burgueses, o mundo conheceu governos das mais diferentes formatações e posicionamentos ideológicos (de Bonaparte a Hitler, a Barack Obama e a Donald Trump) mas idênticos no conteúdo – a condição de meros gerenciadores e perpetuadores de um modo de produção voltado para as relações mercantis (produção de mercadorias para o mercado, sendo o próprio trabalho um mercadoria).
Foi o Marx exotérico, representando o autoproclamado comunismo científico, quem escreveu  em 1848, a quatro mãos com Friedrich Engels, o Manifesto do Partido Comunista, que defendia a revolução proletária e pretendia criar um Estado proletário como etapa de transição para uma sociedade futura, comunista, sem partido, sem Estado e sem classes sociais. 

Depois, contudo, abandonou tal ideia, concluindo que cometera um equívoco teórico conceitual: graças ao seu estudo profundo da economia política, que o levou a produzir a crítica desta, deduziu que a lógica de reprodução do capital a partir do desenvolvimento tecnológico aplicado à produção faria a relação social capitalista voar pelos ares.

Não seriam portanto, os trabalhadores assalariados, produtores de valor e de capital na condição de explorados, os sujeitos da revolução vitoriosa que promoveria a extinção das classes sociais diferenciadas e antagônicas, mas a consciência social exigida e criada a partir do colapso dos próprios fundamentos capitalistas.
Os anarquistas, que na 1ª Internacional dos Trabalhadores opuseram-se aos conceitos marxistas-engelianos de propriedade estatal dos meios de produção por considerarem-na, tanto quanto o Estado, desnecessária, também não compreenderam em toda a sua extensão a negatividade destrutiva e autodestrutiva do capital, uma vez que abriam exceção para a concentração dos meios de produção em cooperativas de trabalhadores, por eles admitida. 

Bakunin e seus seguidores não intuíam que a guerra concorrencial de mercado produziria, por essa via, conglomerados de trabalhadores capitalistas poderosos, os quais derrotariam trabalhadores capitalistas menos produtivos, com o que tudo terminaria na mesma.  

As correntes comunistas e anarquistas se digladiavam na construção de organizações proletárias, e a socialdemocracia burguesa se digladiava com os capitalistas mais conservadores nas instituições do Estado republicano democrático-burguês (cujo parlamento também tinha participação dos comunistas, como até hoje ocorre). 

Todos brigavam contra todos, e ainda hoje essa luta se estabelece, cada segmento com feições mais aguerridas ou mais conciliadoras; todos tendo como base de produção social o capital estatal ou privado.

Mas até aqui, o fracasso do capitalismo, ao invés de fazer com que a roda da história direcione-se para sua superação definitiva, que somente pode ocorrer com a superação do modo de produção capitalista (União Soviética e China, de tanto continuarem usando o cachimbo capitalista, entortaram a boca), promove o retrocesso, configurado num conservadorismo odioso, capaz de negar os mais elementares ganhos civilizatórios. 

Se não, vejamos:
— por que assistimos uma advogada a dizer que é preciso estuprar e matar filhas de magistrados superiores para que as coisas mudem? 
 por que uma desequilibrada e sociopata Sara Winter ousa dizer que sabe onde os ministros do STF moram, quem são suas empregadas, etc., e que, portanto, devem tomar cuidado? 
 por que os manifestantes boçalnarianos agridem jornalistas que cumprem as suas funções de noticiar os acontecimentos (e até os fotógrafos e motoristas que os acompanham)?
 por que pessoas que até ontem conviviam fraternalmente, hoje estão de tal forma polarizadas que a divergências políticas impossibilitam qualquer convivência civilizada?
 por que profissionais da área da saúde, que reivindicam melhores condições de trabalho, são agredidos por maltas alimentadas com teorias da conspiração e ódio à ciência? 
 por que se tenta defender teses as mais absurdas, como negar a ocorrência de queimadas criminosas na Amazônia ou a existência de povos indígenas e da exclusão social dos afrodescendentes trazidos ao Brasil e às Américas como escravos (e que continuam a sê-lo, agora de forma menos chocante mas igualmente efetiva, no capitalismo)? 
Só há uma explicação para o caos estabelecido: vivemos sob a égide de formatos políticos e econômicos que estão absolutamente dissociados do conteúdo atual das relações sociais em desenvolvimento, graças ao avanço do saber tecnológico e do conhecimento humanista adquiridos pela humanidade. 

As ideologias estão em xeque; todas elas. O poder vertical está em xeque; todo eles. 

Precisamos nos reinventar, sob um novo modo de produção, como forma de exorcismo do ódio. 

Sem ódio e contra eles: Fora, Boçalnaro! (por Dalton Rosado) 

5 comentários:

SF disse...

Um pessoal mais na frente entendeu que quem governará o mundo será a inteligência artificial e o valor será a tecnologia.
Assim, não há como falar na dialética capital/trabalho como uma dinâmica válida para entender e, dessa maneira, prever, os próximos passos dos donos do mundo.
O capitalismo morreu este mês, por sinal, quando os BCs injetaram trilhões na quinta-feira 11/06/20 diante da perspectiva dos mercados colapsarem.
Concomitantemente, a Bloomberg e o Fórum Econômico mundial falam de aproveitar a pandemia para realizar um reset planetáro.
As polícias dos USA são reformadas, afinal, com vigilância via celulares e câmeras e o policiamento realizado por drones, os novos amos não precisam mais delas. Caso exemplar é da China e seu sistema de créditos sociais.
Com a moeda digital e transações pelo whatsapp fecha-se o círculo, mas não o exaure, do novo sistema de mediação social.
Para entender o mundo de hoje vale mais ler Isaac Asimov e assistir alguns filmes da franquia Star Wars. Aquele dos clones diz muito.

***

celsolungaretti disse...

Vou só dar um pitaco, a resposta séria será do Dalton, como sempre.

O Asimov, com sua abordagem da sci-fi que tem ciência demais e ficção de menos, era um chato de galochas. Dê uma lida nos autores que abordam o impacto das novidades científicas no comportamento humano, como Philip K. Dick, Robert Silverberg, Orson Scott Card, etc. São muito mais agradáveis.

E a franquia Star Wars é mero saudosismo de quem, quando moleque, assistia aos filmes em série projetados nas matinês de domingo (uns 10 minutos por semana, interrompidos sempre num momento empolgante). O George Lucas fez uma mistureba oportunista com os clichês dos filmes de mocinho e bandido e com o humor ingênuo e sem graça estadunidense.

Eu, embora tenha pegado o finzinho dessa época, não gostava dos filmes em série, nem jamais gostei de nada do George Lucas. Jornada nas Estrelas, sem ser nenhuma maravilha, pelo menos tinha enredos razoavelmente inteligentes.

SF disse...

Amigo, de fato, meu nível cultural não chega aos pés dos companheiros.
Mas este link do Fórum Econômico Mundial mostra um artigo de 2016, da dinamarquesa Ida Auken e que já está acontecendo.

https://www.weforum.org/agenda/2016/11/shopping-i-can-t-really-remember-what-that-is/

Sei que está em inglês, porém esta página traduz muito bem.

Posso estar errado, mas...
O WMF tem apresentado cada vez mais soluções no sentido da coletivização, minimalismo e monitoramento constante das pessoas.

O que está sendo implantado é isso, na minha opinião, uberização, airbnb, delivery, home office, e-comerce, ead... o próximo passo deverá ser a moeda única e o governo mundial.
A pandemia mostrou que organismos supranacionais já dominam o mundo.
O reset financeiro ficará por conta da destruição das moedas fidiciárias via QEs.
O fato de não deixar quebrar empresas inviáveis financeiramente deveria abrir os olhos de quem ainda pensa a história como uma dialética capital/trabalho com a mediação social pelo dinheiro.
Está claro que a história já se fez e o mundo já é outro.


celsolungaretti disse...

O que é isso, companheiro? Eu apenas fiz um comentário ocioso, porque o isolamento sanitário me deixa com muito tempo para matar e porque gosto de alguns autores e de alguns filmes de sci-fi.

Fui até um tanto impreciso, pois o Asimov tem pelo menos um livro realmente bom, "A Fundação". Mas, quase sempre é excessivamente embasbacado pelos avanços científicos possíveis no futuro, o que fazia algum sentido no tempo de Julio Verne e de H. G. Wells, mas não agora.

E esqueci de citar três autores obrigatórios, na linha dos que se ocupam mais da forma como tais avanços impactarão o comportamento humano do que com a minuciosa descrição de engenhocas vindouras: Robert Heinlein, Ray Bradbury e Richard Matheson.

Um abração e ótimo domingo!

celsolungaretti disse...

Caro SF,

não subestime a sua capacidade intelectual. Somos companheiros e estamos sempre aprendendo uns com os outros. A verdade é que somos todos ainda muito ignorantes quanto ao que temos que aprender.

Há muito tempo que temos moedas digitais que são manipuladas por operações eletrônicas de crédito e de débito em números representativos do valor. As moedas impressas ou metálicas estão cada vez mais escassas no mercado que tende a ser digitalizado. Isso não altera o conteúdo da relação destas com a forma valor.

O que realmente está a prenunciar um colapso das relações mercantis é o fato de que ditas moedas, emitidas pelas Bancos Centrais mundo afora e sem a correspondência com a produção de mercadorias, tendem a perder substância e causar uma hiperinflação futura e, com isso decretar a sua autodestruição.
Tal fenômeno ainda não se fez sentir na dimensão que virá (apesar de que as bolhas financeiras já são sintomas dessa falta de substancia monetária), mas tem data marcada para acontecer: num futuro próximo, que a pandemia está a acelerar, ainda que estejamos em depressão e deflação monetária.

Os governos e seus Bancos Centrais não têm como regular a vida social a partir da emissão de moedas sem nenhum valor. O que eles possivelmente tentarão fazer no futuro, com o colapso das moedas, é um governo ditatorial e mantendo pela força das armas a propriedade de conglomerados donos de todos os meios de produção com distribuição a seu talante dos bens de consumo produzidos, e com as moedas funcionando como meras cotas de consumo e distribuídas de acordo com a capacidade de produção e dentro do interesse da elite governante armada. Aí... cuidado com os desarmados!

A nós caberá a função histórica de superar tais governos e implantar uma organização social horizontalizada, livre das hierarquias absolutistas, e na qual a produção social seja acessível aos verdadeiros produtores em cada região e de acordo com suas potencialidades.
Uma globalização da produção e consumo de bens de consumo na qual as trocas não sejam mensuradas pelo valor (digitalizado ou não) mas por critérios de necessidade de consumo de cada região, e de tal forma abundante, que não haja fome (como hoje ocorre) e nem a formação de guetos de pobreza. Tal organização é perfeitamente possível; aliás a única possível como forma de nos mantermos sob relações civilizadas.

Outrossim, a ficção científica muitas vezes serve para que exercitemos previsões futurísticas, mas temos que observá-las com os pés no chão e a cabeça na ciência, sem paranoias.

Um abração, Dalton Rosado.

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