terça-feira, 21 de abril de 2020

PRÊMIO NOBEL ESCREVEU SOBRE OS FARSANTES DOS EUA, MAS PARECIA ESTAR FALANDO DE PAPALVOS REBOTALHOS DAQUI

paul krugman
DIREITA ESTADUNIDENSE MOBILIZA OS CHARLATÃES
Nos últimos dias houve demonstrações ruidosas e ameaçadoras em várias Câmaras estaduais pedindo o fim dos bloqueios econômicos por causa da Covid-19.

As manifestações não foram muito grandes, com no máximo alguns milhares de pessoas, e envolvem um forte elemento de grama sintética —isto é, enquanto supostamente representam uma onda de revolta das bases sociais, algumas foram organizadas por instituições ligadas a políticos republicanos, incluindo a família de Betsy DeVos, a secretária da Educação.

E pesquisas mostram que a maioria avassaladora dos estadunidenses —incluindo a metade dos republicanos—está mais preocupada com que as restrições sejam suspensas cedo demais do que sejam mantidas por um tempo exageradamente prolongado.

Mas os manifestantes receberam enorme cobertura favorável da mídia de direita. Donald Trump os chamou de pessoas muito responsáveis, e eles foram elogiados pelo assessor econômico da Casa Branca Stephen Moore, que os comparou a Rosa Parks [ativista que se tornou símbolo da luta pelos direitos dos negros nos EUA].

Esse detalhe chamou minha atenção, e não só porque alguns dos manifestantes agitavam bandeiras secessionistas. Afora o lado grotesco da comparação, por que ainda ouvimos falar em Stephen Moore?

Afinal, Moore —que Trump tentou, mas não conseguiu, instalar como membro do Conselho da Reserva Federal [o Banco Central dos EUA]— não é só um mau economista com um histórico de rompantes misóginos. 
Moore: "um mau economista com rompantes misóginos"

Mais precisamente, ele é um charlatão, com uma longa história de interpretar mal ou inventar fatos para sustentar sua agenda ideológica.

Entre seus maiores sucessos houve uma arenga cheia de números sobre a relação entre cortes de impostos e empregos —emoldurada, aliás, como um ataque a este que vos escreve—, em que nem um único número era remotamente próximo da verdade.

Pensando melhor, porém, Moore se encaixa perfeitamente. Uma coisa que o coronavírus projetou em forte relevo é a centralidade do charlatanismo —pronunciamentos confiantes sobre assuntos técnicos por pessoas que não têm ideia do que estão dizendo— para toda a empreitada do conservadorismo moderno.

Sabemos, p. ex. que o pedido de Trump do fim antecipado do bloqueio econômico foi inspirado em parte por textos de Richard Epstein, acadêmico de direito conservador que decidiu que entende mais de epidemiologia que os epidemiologistas e previu confiantemente que a Covid-19 não mataria mais que 500 pessoas. [Está matando hoje quatro vezes esse número por dia.]

Ou considere como a Fox News reagiu à relutância do doutor Anthony Fauci a fazer o que ela queria e apoiou uma reabertura precoce da economia. Para dar uma opinião alternativa, a rede recorreu a... Dr. Phil, cuja especialidade, se é que ele tem uma, é em psicologia pop.

Agora, grande parte disto é conhecida pelas pessoas que acompanharam o debate sobre a mudança climática. 
Diante do avassalador consenso científico de que a mudança climática provocada pelo homem é real e assustadora, a direita há muito tempo promove as opiniões contrárias de um punhado de charlatães —alguns com credenciais científicas reais, mas geralmente em campos diferentes da ciência climática, e com uma relutância comum em aceitar evidências que contestam seus preconceitos. 

E há uma forte sobreposição entre as organizações que promovem a negação da mudança climática e as que promovem a negação do vírus.

Mas por que existe tal ligação íntima entre o conservadorismo moderno e o charlatanismo? Uma resposta é que um movimento político que exige lealdade absoluta considera os charlatães mais confiáveis que verdadeiros especialistas, mesmo que estes atualmente apoiem as políticas do movimento.

Como comentei anteriormente, existem alguns poucos economistas sérios que também são conservadores, mas eles foram amplamente congelados fora do Partido Republicano em favor de pessoas como Moore. Por quê? 

Porque economistas sérios poderiam mostrar que têm princípios, rejeitando afirmações políticas excêntricas ou mudando de opinião diante de evidências. E isso não é aceitável.

Outra resposta é que a direita moderna é conduzida em grande parte pelo ressentimento de homens brancos que acham que não estão recebendo o respeito que acreditam merecer, e a hostilidade alimentada pela Fox às elites que afirmam saber mais que o pessoal do bar —o que, em assuntos técnicos como epidemiologia, elas sabem— é uma parte chave do movimento.
"Tudo está sob um TREMENDO controle"

Enfim, a história mostra uma forte associação entre a direita radical e a trapaça, incluindo óleo de cobra e esquemas para enriquecer depressa. Alex Jones pode atrair uma plateia divulgando teorias conspiratórias, mas ganha dinheiro vendendo suplementos nutricionais, que, segundo ele afirma agora, oferecem proteção contra o coronavírus.

Todos esses fatores que fazem do conservadorismo moderno uma feliz reserva de caça para falsos especialistas alcançaram uma espécie de apoteose sob Donald Trump, um presidente trapaceiro cuja estratégia política se baseia em alimentar o ressentimento masculino branco e que ao mesmo tempo desdenha da perícia e sempre valoriza a lealdade acima da competência. 

Uma consequência disso é a pressão loucamente prematura para reabrir a economia.

A boa notícia é que muitos governadores provavelmente vão ignorar esse mau conselho. Mas outros não, e o resultado provavelmente serão muitas mortes evitáveis a mais. 

Se isso acontecer, entenda-o realmente como o que é: morte por charlatanismo. (por Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia)

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