Na esteira da epidemia virá outra onda humanista? |
josé roberto aguilar
O PÊNDULO DA HISTÓRIA
A pele que eu habito me machuca. Como se tivesse espinhos dentro. Nós, brasileiros, nunca estivemos dentro de uma guerra. Agora estamos. A peste chegou com o nome de novo coronavírus.
Eliminou o conforto, a normalidade, a razão e, inclusive, o tempo. Numa parte do dia sentimos este pânico momentâneo e depois ele some, e a razão volta a sussurrar nos ouvidos: “Tudo isso vai passar”. Sim, vai passar, mas vai deixar rastros que vão conduzir ao caminho de uma nova pele.
A epidemia traz consigo uma cruzada tenebrosa: o humanismo contra a barbárie. Junto com a banalização do mal (teoria criada pela alemã Hannah Arendt) caminha a banalização da morte. A eliminação pura e simples dos menos aptos: os idosos.
Aqueles que não têm a capacidade do desempenho e do consumo numa sociedade capitalista. São, portanto, descartáveis.
Outra epidemia conveniente foi há três décadas: a da Aids. Eliminou as sociedades alternativas e o amor livre, altamente perigoso para o consumo e a família.
A epidemia mais tenebrosa foi a gripe espanhola. Ceifou 40 milhões de vidas. Esta banalização da morte levou ao surgimento do fascismo e do nazismo, ao genocídio de raças impuras e à 2ª Guerra Mundial.
Se o pêndulo vai para a esquerda, paz. Para a direita, guerra |
O pêndulo da história está sempre em movimento, acompanhando a consciência coletiva, e ele só tem duas direções: para a esquerda, paz. Para a direita, guerra.
Esquerda significa o humanismo. O olhar para si próprio e olhar o outro. Cuidar! O outro é você. Saber que a sua pele foi feita de consciência. E de lutas pela igualdade humana.
Filósofos, cientistas, artistas, libertários e pessoas comuns ajudaram a costurar essa pele com enorme sacrifício, como demonstra a história. A sua pele é a sua casa, é a sua vida.
Esquerda não é só uma posição política. É, antes de tudo, uma consciência humanitária.
A direita é a ordem imperando sobre a razão. A ordem do consumismo, da ganância e do poder. O domínio da mesmice e da sobrevivência do mais apto ao conformismo. A anticultura, a antipele. O guizo da cascavel. Mais do que uma posição política, é a vingança da ignorância.
O maior salto que poderemos dar é reconhecer a nossa barbárie. Todos nós somos as duas coisas. Amor e ódio. Não devemos combater o ódio (a barbárie) em nós mesmos pela luta. Na luta ele se fortalece.
Aceitação. Ao aceitar o seu (meu, nosso) ódio, ele perde a força. Isso é mutação, ou a costura de uma nova pele, sempre em transformação. O fim do dualismo e do confronto.
"a direita é a ordem do consumismo, da ganância e do poder imperando sobre a razão" |
Estarmos preparados para o desconhecido é que vai gerar uma nova economia. Não baseada no supérfluo e na moda, mas focada nas necessidades de uma vida mais despojada. Uma nova sociabilidade, que não se guia na competição individual, mas no abraço social.
Os paradigmas do passado se esvaneceram. Traduzir o momento vai ser o maior desafio e para isso vamos ter que cair no aqui e no agora.
Vai ser angustiante porque as canções de ninar também desapareceram, assim como o conforto de uma liderança política paternal. É angustiante, mas é a única forma de se ter uma identidade pessoal; isto é, uma nova pele.
A batalha de Armagedon não está na sobrevivência à epidemia do novo coronavírus. Mas em como vamos nos comportar depois dela. Devir e cair dentro do humanismo. (por José Roberto Aguilar, escritor, pintor e videomaker)
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