quinta-feira, 5 de março de 2020

DALTON ROSADO E A INSUSTENTÁVEL RUDEZA DA FORÇA MILITAR – 2

(continuação deste post)
A INSUSTENTABILIDADE DA FORÇA MILITAR – Os contingentes militares não produzem valor. Ao contrário, representam um custo para a produção de mercadorias e a subtração da acumulação pelo capital da massa global de valor socialmente produzido. 

O financiamento dos gastos militares são oriundos dos impostos cobrados de uma população já economicamente exaurida.

Os contingentes militares, contudo, são necessário para a manutenção da ordem nacional capitalista opressora interna e para a defesa contra as agressões sempre presentes da ordem beligerante externa, na qual se observam guerras e conflitos civis em que agora se utilizam os modernos equipamentos computadorizados de ataque. 

As bombas atômicas têm servido (mas apenas por enquanto) de chantagem destrutiva dos países que as detêm contra os que não a detêm, daí a proibição, por parte daqueles que são delas possuidores, de que os sem-bomba ingressem no seu seleto clube  — faça o que eu mando, mas não copie o que eu faço).  

Se a bomba atômica é aterrorizante para a humanidade, a exclusividade dos países ditos ricos em tê-las demonstra bem o desequilíbrio bélico que estes países empenham-se em manter, como forma de controle de uma ordem econômica que faz água por seus próprios fundamentos.

Como a guerra civil urbana provocada pela debacle econômico-financeiro se intensifica (principalmente nos países da periferia capitalista, mas chegando até nas periferias das cidades das nações ricas), o contingente militar é cada vez mais expressivo numericamente. 

O custo militar de manutenção da ordem policial interna tem peso insuportável para o combalido orçamento público estatal, minando sua capacidade de satisfazer as demandas sociais para as quais se vende a ideia da necessidade de existência do Estado vertical e cobrador de impostos. 

O custo miliar de manutenção da ordem pública policial, da ordem institucional (defesa do funcionamento dos poderes do Estado) e defesa contra agressões externas e soberania territorial, é igualmente oneroso, graças aos soldos miliares e gastos com armas e equipamentos tecnológicos de guerra que logo ficam obsoletos e precisam ser atualizados. 

Aí se processa mais uma contradição capitalista: o capital precisa da força militar para sua sustentação opressora; mas ao mesmo tempo essa força militar e seus custos operacionais cada vez mais onerosos conspiram contra a necessidade de produção de valor que a sustente, cuja dificuldade de ser obtido nos padrões exigidos cresce a olhos vistos.

O fracassado motim da polícia-militar do Ceará só alcançou tantas adesões por ir ao encontro do inconformismo de homens armados e mal remunerados, sem que o Estado possa arcar condizentemente como os custos de manutenção da infraestrutura operacional (veículos, combustível, armamentos, etc.), conspirando, portanto, contra a sua função constitucional capitalista. 

Entretanto, o poder armado, quando obtém apoio popular para a sua pretensão de gerenciamento do poder político estatal, retira a máscara de caráter da democracia burguesa capitalista, e são derrogadas todas as garantias dos direitos civis insculpidos nas cartas magnas respectivas. 

Mas obtido o poder militar ditatorial numa sociedade cuja relação social tenha como pressuposto a produção de valor abstrato, o problema continua justamente porque não foram sanadas as suas causas de base. 

A ordem militar não consegue, por ela mesma, dar sustentação ao progresso capitalista, como quer nos fazer crer quem invoca sempre o dístico da nossa bandeira nacional sem a compreensão (ou não querendo admiti-la) exata do significado destrutivo e autodestrutivo da relação social capitalista. 
É graças a isso que os militares brasileiros passaram 21 anos exercendo um poder absolutista institucional e terminaram por ceder o poder político (a quem, também, não iria resolver os problemas), por força da insatisfação de um povo ansioso por melhoras sociais nunca alcançadas substancialmente.

Um governo civil gerenciado por militares da reserva como é o do capitão Boçalnaro, o ignaro, ainda que se diga democrático liberal, vê derreter a sua popularidade justamente porque os eleitores iludidos esperam que agora ele cumpra suas bravatas eleitorais de redução da criminalidade pela força das armas e outras promessas tão complicadas quanto essa:
— zerar o déficit público em um ano; 
— fazer o PIB nacional crescer mais de 3% ao ano; 
— combater alegados excessos nos costumes; 
— salvar a Amazônia da predação ecológica; 
— lutar contra a corrupção política; 
— reduzir substancialmente a taxa de desemprego; 
— melhorar a infraestrutura da produção (manutenção de portos e estradas, principalmente);
— melhorar o sistema de saúde pública; 
— reestruturar conteúdos educacionais; e, ainda,
— administrar os serviços públicos de modo eficiente. 

Até um estadista teria de suar sangue para tornar factíveis tais promessas de campanha. Que dizer de um mísero Boçalnaro?!

As reiteradas afirmações injuriosas contra políticos, ativistas dos direitos civis e ecológicos, mulheres, opções sexuais, pensamentos ideológicos opostos, concomitantemente ao endeusamento de figuras abomináveis do passado, podem até causar a impressão entre incautos eleitores de um candidato com coragem e aversão ao tudo que está aí, mas cedo fica demonstrada a identificação tacanha e inconfessada com tudo aquilo que representa a volta ao passado retrógrado e odioso, que é a causa dos nossos males seculares.

O capitão Boçalnaro tem mesmo inclinações ditatoriais, pelo menos nisto ele é sincero. Jamais escondeu tal sentimento, que pode ser facilmente inferido de suas afirmações e convicções ao longo de 30 anos de vida política e, hoje, reiterados empiricamente. 

Quem nele votou converge com o seu pensamento ou é ignorante político. O candidato eleito em 2018 sempre foi transparente na sua abominável pregação, simbolicamente representada por armas e afirmações de morte. 

É que ao seu notório primarismo cultural, à sua grosseria e deselegância, se acrescenta uma esperteza estratégica capaz de prosperar no terreno fértil da insatisfação popular de curto prazo.  

Mas, para nossa felicidade, a força militar nunca prosperou de modo consistente em nenhum lugar do mundo.

Além do Brasil, os exemplos de insustentabilidade dos governos militares na nossa sofrida América do Sul são elucidativos, senão vejamos:
—  a Argentina fracassou sob Jorge Rafael Videla;
—  o Chile fracassou sob Augusto Pinochet;
— o Paraguai fracassou sob décadas de Alfredo Stroessner;
— a Bolívia fracassou sob inúmeros dirigentes militares; e
— a Venezuela definha sob o chavismo. 

O balão de ensaio dos boçalnarianos, de emparedamento das instituições brasileiras pela força militar autoritária e pelo apoio popular bovinizado, como se o oposto eficaz da democracia burguesa fosse a ditadura militar, não deve prosperar numa sociedade que tão recentemente (há apenas 35 anos) demonstrou a seu repúdio ao totalitarismo.

A alternativa ao colapso capitalista em curso não é o defenestramento do parlamento burguês e seu poder judiciário maior para a entronização de uma ditadura, mas a concepção de uma nova ordem de produção social, de uma organização jurídica horizontalizada e a instituição de cânones jurídicos verdadeiramente justos. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro, DR

O fio condutor do boçalnarismo não seria as igrejas pentecostais ? Sabemos que essa doutrinação começou há décadas no brazil e na AL.

A maioria pobre e excluída recebe semanalmente a mensagem de que o essencial é prosperar materialmente, e aqueles que já usufruem dessa prosperidade é porque tem Jesus aos seus lados.

Essa é a "ética pentecostal".

E qual é a mensagem dos partidos ditos de esquerda? O identitarismo? Essa esquerda consentida pela globo quer realmente uma revolução civilizatória?

celsolungaretti disse...

Caro leitor,

O grande cisma católico nasceu justamente da necessidade que o mercantilismo emergente tinha de livrar a usura do pecado num mundo religioso. Assim, sugiram as igrejas pentecostais que passaram a admitir que a vida mercantil ajudada pela fé contrária a muitos dogmas católicos traria prosperidade para todos.

Tais conceitos, trazidos do velho continente para a América do Norte, foram a base religiosa da vida social no norte do novo continente, ainda que na América latina vigorasse a predominância religiosa dos dogmas católicos.

Mas como sempre acontece, a cultura dos países desenvolvidos economicamente terminam sempre por aculturar os menos desenvolvidos.

Essa é a base sociológica do fenômeno religioso que ocorre na América latina com o crescimento vertiginoso das igrejas evangélicas nas quais se admite implicitamente e explicitamente (em muitos casos) que um comportamento regido por preceitos bíblicos absorvidos de modo fundamentalista e oportunista trará a prosperidade e a redenção para todos. s salvadores da pátria pentecostais surfam nessa onda com ganhos políticos; os fundadores da igrejas eseus pastores com ganhos econômicos.

Como o capitalismo somente se desenvolve a partir da criação de um contingente maior de pobres explorados, mais cedo ou mais tarde a fusão religiosa pentecostal com as práticas capitalistas endeusadas evidenciar-se-ão inócuas. Esse será o momento do surgimento de conceitos novos (religiosos ou não) tangidos por um novo conceito de produção social que seja efetivamente mais eficaz.

Infelizmente a esquerda, atrelada aos nacos de poder consentido pela democracia burguesa, vive um faz-de-conta oposicionista aos desmandos capitalistas cuja essência última é a legitimação do jogo político e do jugo burguês.

A luta por um novo modo de produção voltado para a satisfação do consumo e não do lucro, que implica necessariamente num novo modo de organização social difere completamente do que vem sendo feito pela chamada esquerda institucional político partidária.

Um abração e obrigado pela intervenção contributiva.

Dalton Rosado

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