terça-feira, 3 de março de 2020

DALTON ROSADO E A INSUSTENTÁVEL RUDEZA DA FORÇA MILITAR – 1

O capitalismo pode ser liberal ou keynesiano e ter diversas variantes políticas:
— social-democrata; 
— socialista;
 nacionalista;
 fechado politicamente e aberto economicamente, como a China;
 democrata-burguês e agora protecionista, como os Estados Unidos;
  marxista-leninista, como Cuba e Coreia do Norte, etc.

Mas ele é sempre, e antes de tudo, capitalista.

O que caracteriza o capitalismo é o modo de produção social que implica, necessariamente, as categorias que lhe são imanentes, tais como:
 valor abstrato, econômico (que empresta dupla personalidade à riqueza material, concreta, transformando-a em riqueza abstrata);
 trabalho abstrato produtor de tal valor abstrato pela produção de mercadorias (sendo ele, trabalho abstrato, também, uma mercadoria);
 mercadoria;
 mercado;
 dinheiro (mercadoria especial que compra todas as outras, sendo a única destituída de valor de uso, como representação do valor (legitimamente ou não, haja vista a atual emissão de moeda sem lastro, ou seja, sem correspondência com a produção de mercadorias, o que é gravíssimo para a sustentabilidade da própria mediação social capitalista no longo prazo); e
 toda a sua entourage política como Estado capitalista sustentado pelo valor abstrato dos impostos cobrados em dinheiro em decorrência da mediação social capitalista que, assim, mantém as suas instituições como os órgãos legislativos, judiciários, executivos e militares.
Quantos horrores mais a agonia do capitalismo ainda nos reserva?
Não há atualmente nenhum país do mundo onde inexistam tais categorias capitalistas em funcionamento. A conclusão é óbvia: o capitalismo atingiu a condição de modelo social one world.

Paradoxalmente, é no exato momento do ápice que ele se mostra incapaz de de dar continuidade à sua expansão; e, como sem expandir-se o capitalismo definha, trata-se de um prenúncio de sua morte.

Tal limite expansionista decorre de contradições que são inerentes ao modo de produção capitalista, o qual, ao invés de ser voltado para a satisfação das necessidades de consumo, apenas delas faz uso para a acumulação da riqueza abstrata. Assim, como fato histórico contraditório que é, e não ontológico, tem ciclo de nascimento, vida e morte.

Após o período escravista direto (no qual, sob coerção militar, muitos seres humanos eram propriedade material de poucos seres humanos), a força de trabalho humana foi substancialmente transformada em trabalho abstrato para a produção de mercadorias e de valor. 
Século e meio atrás, as crianças trabalhavam em minas de carvão. Agora, o capitalismo evoluiu... 
Ocorreu então, aos poucos, o desenvolvimento histórico de relações sociais mediadas por tal critério, concomitantemente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de formas jurídicas e institucionais que lhe eram (e ainda) são imanentes.

Observe-se que o escravismo indireto das relações sociais pela forma-valor, como observou até mesmo o economista clássico burguês Adam Smith, implica necessariamente a segregação social de grande parte dos que, não possuindo capital, somente têm para vender (e cada vez mais miseravelmente) uma única mercadoria: a sua força de trabalho.

Enquanto existiam fronteiras com contingentes humanos passíveis de serem aculturados e sujeitados à imposição da forma de relação social capitalista escravista indireta, iam sendo criados novos escravos (trabalhadores abstratos) que passavam a sustentar os seus amos dali e de todos os lugares (inclusive com exportação de mercadorias) e, mesmo provocando guerras em proporções cada vez maiores, toda a estrutura estatal-político-jurídico-militar era penosamente factível.

O limite da fronteira expansionista territorial e humana, foi o primeiro obstáculo à manutenção do capitalismo, de vez que se estabeleceu um quantum de capacidade de consumo de mercadorias (mesmo com as invencionices de produtos que periodicamente são substituídos por outros mais modernos ou úteis), e no capitalismo não se produz o que não se pode vender.
Acirra-se a guerra concorrencial de mercado

Daí a guerra cada vez mais fratricida por mercados, razão dos protecionismos estatais agora redivivos pelos países que até em bem pouco  tempo atrás eram os paladinos da defesa do livre comércio (caso dos EUA, e não só).

Esse foi o primeiro grande fenômeno a prenunciar o ocaso capitalista ora em curso.

Mas, como no capitalismo não faltam contradições, a guerra concorrencial de mercado, dentro de um espaço previamente delimitado, provoca uma disputa vital na qual a pedra de toque da vitória é a redução de custos de produção: vence quem produz com melhor qualidade e menor custo.

Ainda que geralmente confundam valor com preço (esta última categoria decorre da lei da oferta e da procura, sendo, portanto, diferente da primeira), até mesmo os leigos em economia política sabem ou intuem que o valor das mercadorias  é determinado pela quantidade de horas de trabalho abstrato coagulado, incorporado (hipostasiado abstratamente) na produção das mercadorias.

Toda riqueza abstrata expressa em mercadorias ou em dinheiro é um grande acúmulo de horas de trabalho abstrato. 

Assim, quanto menos custo com trabalho abstrato produtor de valor for gasto na produção de mercadorias, maior capacidade de ganhar a guerra concorrencial no mercado terá o seu produtor; isto é verdadeiro para todos os produtores de mercadorias, tanto as mercadorias sensíveis quanto as insensíveis (como a mercadoria serviço).

A busca frenética por redução de custos implica, necessariamente, a eliminação de postos de trabalho abstrato, a seiva alimentadora do capital. Tal fenômeno é o princípio e fator básico da autodestrutibilidade capitalista
Demitido na crise de 2008: o pior foi adiado...até quando?

Anteriormente (na fase de ascensão capitalista) havia uma compensação entre a eliminação de postos de trabalho em determinados setores da economia e a criação a maior de novos postos; isto mantinha em níveis de miserável aceitabilidade a disputa pelo emprego que os trabalhadores travavam, obrigando-os a venderem sua força de trabalho a preços baratos.

O exército de desempregados barateia o valor e preço da mercadoria força de trabalho abstrata (Marx).

Graças ao desenvolvimento tecnológico e ao excedente de mão-de-obra existente nas populosas nações asiáticas (como as vizinhas China, Índia e Indonésia, que detêm cerca de 40% da população mundial) foi consideravelmente deslocado o eixo mundial da produção de mercadorias, com a globalização da produção via empresas que se instalam nesses e noutros países da periferia capitalista.

As mercadorias passaram a ter menor valor e, consequentemente, menor preço, ao mesmo tempo em que diminui a massa global de extração de mais-valia e de valor válido. Consequências, em escala mundial:
— a redução do valor do salário;
 o aumento do desemprego estrutural;
  a recessão econômica mundial que se repete ciclicamente e com intervalos cada vez mais curtos;  e
  a falência estatal generalizada.  
Por Dalton Rosado

O mundo econômico está sendo sustentado artificialmente por moedas sem valor e endividamento público e privado insolvável.

É o começo do fim. 
(continua   neste post)

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