Se Deus intimasse Bolsonaro a optar entre Trump e a humanidade, ele diria sem hesitação: "Morra a humanidade!"
O mal de um imitador fanático como o capitão é que a idolatria o impede de se atualizar. Continua a macaquear Trump, fingindo não ter percebido que a divindade estadunidense deixou de ser, momentaneamente, o que já foi um dia.
Com a campanha eleitoral dos Estados Unidos a pino, o coronavírus tornou a imagem do governo Trump um problema político urgente. Isso aconteceu no instante em que o desdém do presidente estadunidense em relação à doença esbarrou nos cadáveres que migram diariamente dos hospitais colapsados para o noticiário.
O cheiro de enxofre aproximou Trump de um dos mais respeitados imunologistas do mundo: Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas. O doutor previu que, se nada fosse feito, a pandemia poderia produzir nos Estados Unidos até 200 mil cadáveres.
Súbito, Trump apegou-se à ciência, trocou a defesa do religamento das fornalhas pela lucidez e reduziu o veneno de sua retórica. Ele havia marcado o fim do isolamento social para o dia da Páscoa, 12 de abril. Bolsonaro celebrou: "Tá vendo como estou certo?"
O confinamento foi esticado para o final de abril. E Bolsonaro passou a dizer que cada país tem sua própria realidade.
Como o sapo de Guimarães Rosa, Trump não se rendeu à razão por boniteza, mas por precisão. Nova York passou a conviver com imagens macabras: caminhões frigoríficos estacionados para servir de depósito de cadáveres; hospital de campanha erguido em pleno Central Park. Um navio-hospital incorporado à paisagem.
Noutros tempos, a maneira mais cômoda de um presidente dos EUA unir a nação em seu apoio era mandar bombardear algum inimigo externo. Nada entusiasma tanto os estadunidenses e ajuda a resolver as divisões internas do país do que um bom bombardeio. Trump atualizou essa prática.
Utilizando a mesma lógica da guerra como fator de união, Trump cavalga o coronavírus como uma oportunidade a ser aproveitada. Rendendo-se à realidade, fez minguar a chiadeira da oposição, constrangendo-a a aprovar o pacotaço de US$ 2 trilhões de socorro aos estadunidenses em apuros.
Trump enfrentará a eleição no final deste ano. Imagine-se se ele continuasse adotando o comportamento que Bolsonaro macaqueou. Decerto perderia votos.
A eleição presidencial brasileira ainda é um ponto longínquo na folhinha. Mas não é demasiado recordar que o DataFolha revelou dias atrás que a atuação do capitão no combate ao vírus é aprovada por apenas 35% do eleitorado. A mesma pesquisa revelou que 73% dos brasileiros aprovam o isolamento social.
Na hora em que deveria imitar Trump, o presidente brasileiro decide ter um surto de originalidade, ignorando o ídolo. Uma evidência de que a diferença entre a inteligência e a estupidez é que a inteligência tem limites.
(por Josias de Souza)
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