carla jiménez
NUNCA UM PRESIDENTE FOI TÃO VULGAR COM UMA MULHER. ESPERE O EFEITO BUMERANGUE
Os covardes machistas podem fingir que não são covardes machistas, mas em algum momento eles se revelam.
Não há momento mais oportuno para os atores públicos do Brasil mostrarem que não o são do que mantendo-se bem longe de serem coniventes com a baixaria empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, na manhã desta 3ª feira, 18.
Num país em que 52% do eleitorado é feminino, deputados e senadores deveriam ficar alertas. Eles têm a grande oportunidade de mostrar que não vão deixar a vulgaridade assumir o Brasil, rasgando todo e qualquer senso de decência do Estado em relação a uma mulher, deixando que se propague uma mentira orquestrada dentro do Congresso.
Deixem de lado o fato de Patrícia ser jornalista. Ela é mulher. Poderia ser uma economista, uma copeira, uma faxineira, uma jogadora de futebol. Ela foi exposta com insinuações sexuais por um presidente, como nunca o Brasil viu.
Ele não está na mesa de bar com amigos, está na frente das televisões dizendo que Patrícia queria “dar um furo a qualquer preço”, sugerindo sexo em troca de informação, o que é o mesmo que chamar uma mulher de prostituta. Só uma cabeça pervertida pode se sentir tão à vontade para dizê-lo em alto e bom som.
Nunca na democracia um chefe de Estado havia caído tão baixo, apelando à vulgaridade para falsear a realidade. Quiçá no mundo. Nem Donald Trump chegou a tanto.
O Congresso tem as provas à mão para admitir que Hans River do Rio Nascimento mentiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Parte dessas mentiras foi a insinuação asquerosa de Bolsonaro, pai de uma filha de 9 anos, de que Patrícia faltou com a ética para obter uma informação. De qual referência parte Bolsonaro?
Todo mundo sabia do que ele era capaz, desde que ele xingou uma repórter em abril de 2014. Mas editou a si próprio para fazer sua campanha e venceu. Legitimamente. Desde então, empreende uma guerra grosseira, agressiva e mentirosa contra a realidade para esquivar-se de suas próprias capivaras.
A morte de Adriano da Nóbrega, que convenientemente morreu nas mãos da polícia da Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores, foi um presente no colo de Bolsonaro que agora se tornou o maior defensor de presos assassinos, embora repetisse sempre que direitos humanos são para humanos direitos, e seja um dos que faz coro ao jargão bandido bom é bandido morto. De onde vem essa mudança?
Os homens públicos deste país, empresários e agentes da Justiça vão deixar que o que já se construiu em termos de sociedade vá para o ralo? Em nome de quê?
Senhores deputados e senadores, vocês podem ter um papel tremendamente decisivo neste início de 2020. Pelas suas filhas, pelas suas mães, pelas suas eleitoras, pelas suas irmãs. Não desprezem a construção que mulheres têm feito até aqui de um país mais decente e menos violento.
A violência das palavras de um chefe de Estado reverbera em todas as esquinas e rincões do Brasil. Já se mata uma mulher a cada duas horas aqui, um estupro acontece a cada 11 minutos. Tenham decência, coragem, de estancar esta sangria desatada que abriu as portas para uma perversidade gratuita.
Vocês foram eleitos para que o Brasil fosse um país melhor, mais próspero, mais respeitado, mais ético. Não há melhora onde uma mentira é naturalizada na Casa em que vocês representam cada brasileira.
Não há prosperidade num país onde se quer estabelecer o medo como forma de governo. Não há respeito por um país que fecha os olhos e silencia diante dos disparates que estamos assistindo. Isso também é corrupção. Corromper seu papel público em nome do poder.
Bolsonaro se cercou de ministros sem filtro, como Paulo Guedes ou Abraham Weintraub, e nos vemos agora tentando medir quais declarações foram mais ou menos canalhas do que outras. O primeiro ano já havia sido execrável e neste 2020 ele dobrou a aposta. Brasil perverso.
Estamos perto do dia 8 de março. Isso vai ter impacto. Foi assim que começaram grandes manifestações femininas pelo mundo. O presidente está dando farto material para as campanhas de seus adversários e dos inúmeros inimigos que está fazendo.
Sabendo-se que é incorrigível e que está cego pelo poder, vai tropeçar em suas próprias palavras. (por Carla Jiménez, diretora do El País Brasil)
O filme certo no post certo: Os cafajestes (1962), um clássico do
cinema novo, dirigido por Ruy Guerra, com Jece Valadão,
Norma Bengell e Hugo Carvana.
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