O IMPEACHMENT DE DONALD TRUMP
"A democracia é uma
arapuca"(Anselm Jappe)
arapuca"(Anselm Jappe)
O impeachment é um processo político baseado em premissas de punição de ilegalidades constitucionais efetiva ou supostamente praticadas pelo presidente de um país republicano.
Deveria servir como instrumento de coibição de abusos de poder, tornando mais democrático o exercício do mandato; mas se revelou, no processo da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, como sendo uma falácia burguesa.
De um lado, os deputados do Partido Democrata votaram em peso a favor do impeachment de Donald Trump, à exceção de um voto contra no caso do artigo I, e três votos contra no artigo II (de acordo com os preceitos constitucionais).
Do outro lado, os deputados do Partido Republicano votaram contra o impeachment, sem exceção.
O que esteve em discussão não foi o cometimento de abuso de poder por parte de Trump, que todos sabemos ter realmente ocorrido, mas um julgamento político faccioso, parcial, no qual um bloco vota a favor dos seus interesses político-econômicos e o outro vota de maneira oposta.
"todos sabemos ter realmente ocorrido abuso de poder" |
Tal processo parlamentar demonstrou à saciedade (e à sociedade) quão mesquinho é o jogo do poder burguês, no qual a aparência prevalece sobre o verdadeiro conteúdo.
Ouvi, da maioria dos comentaristas que cobrem a cena política estadunidense, que o impeachment é um instrumento exemplar do jogo democrático burguês, em contraponto às ditaduras, que não oportunizam tal freio de arrumação.
Na análise do impeachment estadunidense, novamente se estabelece uma falsa dicotomia, pois dois modelos (democracia burguesa versus ditaduras) são apontados como os únicos possíveis de existirem.
Na verdade, todos os poderes verticalizados, como são as democracias representativas burguesas e as ditaduras de todos os matizes, são despóticos na sua essência ontológica, justamente porque manipulam (pela mentira ou pela força) a ingerência dos cidadãos nos seus próprios destinos.
A emancipação popular é o oposto de tudo isso: pressupõe a horizontalidade do exercício da vontade popular, que é algo muito diferente da ideia de poder, seja ele político ou econômico (aliás, na democracia burguesa este último é o verdadeiro poder e comanda o primeiro).
Não há soberania de vontade popular sob o capital, e isto ficou fartamente demonstrado no processo de impeachment de Donald Trump no qual pontuou um interesse político-econômico alheio à participação direta do povo.
Ali o que estava em jogo eram pensamentos conservadores de poder mascarados sob a forma midiática hipócrita de acusação desvios de conduta governamental, instrumentalizados politicamente (desvios estes que, de hábito, ocorrem sem nenhuma punição).
Longe de nós considerarmos que o destrumpelhado presidente dos EUA não deva ser afastado do cargo; pelo contrário, entendemos que ele, com seu escancarado abuso de poder econômico, jamais deveria sequer ter sido empossado.
Longe de nós considerarmos que o destrumpelhado presidente dos EUA não deva ser afastado do cargo; pelo contrário, entendemos que ele, com seu escancarado abuso de poder econômico, jamais deveria sequer ter sido empossado.
Mas o que queremos denunciar é a farsa intrínseca à representação política burguesa do povo, segregado socialmente mesmo naqueles países nos quais o capital está sediado; nações que por explorarem (capital e Estado) economicamente os povos de outros países, podem proporcionar às suas populações um padrão médio de qualidade de vida inimaginável nos país periféricos do capitalismo.
O que queremos é o avesso das ditaduras de direita ou (falaciosamente) de esquerda, todas tendo como base de mediação social a forma-valor (dinheiro e mercadorias), que, por sua natureza ontológica, é segregacionista.
Também era dado como certo que Nixon se salvaria, mas... |
O processo eleitoral democrático burguês é emasculado pelo poder econômico, seja ele aberto à participação ilimitada do capital (como nos EUA) ou hipocritamente coibido (como no Brasil, no qual rola solto o Caixa 2, ou seja, o financiamento do processo eleitoral por meio de dinheiro não declarado).
Aliás, no Brasil os processos de cassações de mandatos por financiamento ilegal de campanhas eleitorais constituem-se em farsas judiciais tão deprimentes que melhor seria sua abolição definitiva. É graças aos pretensos esforços judiciais de coibição da participação da capital privado nas eleições que o povo brasileiro economicamente exaurido vai pagar cerca de R$ 2 bilhões para um fundo eleitoral (previsto inicialmente para R$ 3,8 bilhões).
A democracia burguesa é um embuste mediante o qual o povo é obrigado (como no caso brasileiro do voto obrigatório) ou induzido (no caso do voto não-obrigatório) a escolher entre aquilo que já foi previamente escolhido.
...não marcaram direito as cartas daquela vez. |
É que os escolhidos, são também e previamente, presos a uma estrutura de poder econômico e político que os coloca numa camisa de força imobilizante do ponto de vista da ruptura com a (des)ordem institucional capitalista.
O povo precisa se libertar tanto da farsa representativa burguesa como das ditaduras, ambas opressoras nas suas essências constitutivas, e criar uma nova forma de organização social participativa (sem gerenciamento vertical), que somente pode ser obtida a partir de uma novo modo partilhado, tanto na sua concepção de produção de bens de consumo como no próprio consumo.
O mandato de Donald Trump, já se sabe, será preservado pelo Senado dos EUA (*), comprovando que a política é um jogo de cartas marcadas. (por Dalton Rosado)
* Para a abertura do processo de impeachment, basta que tal proposta seja aprovada por 50% dos integrantes da Câmara Federal, mais um. Depois, o presidente só é destituído do cargo se dois terços dos senadores votarem pela seu afastamento.
* Para a abertura do processo de impeachment, basta que tal proposta seja aprovada por 50% dos integrantes da Câmara Federal, mais um. Depois, o presidente só é destituído do cargo se dois terços dos senadores votarem pela seu afastamento.
Um comentário:
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Dalto,
Demorei a compreender a sua proposta e o que seja ontológico.
Mas, Heidegger, ou melhor, meu interesse pela metafísica levou-me a perceber o doentio modo de vida capitalista, mediado pela forma-valor, e totalmente o oposto do seja dasein.
Estar no mundo (humano) de maneira ética, estética, e bela é impossível sob a guante do capital.
O ser nunca deveria submeter-se a esta relação sujeito-objeto que você descreve como verticalizada, mas que, em suma, significa aquela falácia já apontada por Epíteto, um proto-existencialista.
Ocorre que ao objetificar, rotular e precificar o outro o capitalista está também tranformando-se em objeto. Um autômato dominado pela lógica doentia do capital.
Que é ontologicamente segregacionista, verticalizada e, portanto, paranoica.
Gratidão companheiro por sua paciência e insistência em mostrar-nos esses aspectos perturbados do capital
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