quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

12 DE DEZEMBRO DE 1969: OS NEOFASCISTAS ITALIANOS COMETEM O PRIMEIRO DOS SEUS GRANDES ATENTADOS TERRORISTAS – 2

contardo calligaris
50 ANOS HOJE
Era 12 de dezembro 1969, fim de tarde, em Genebra. Eu pensava nas férias, que logo começariam e que eu passaria em família, em Milão.

Meu pai me ligou, de Milão, justamente, o que era raro. Ele me disse que uma bomba acabava de explodir no Banco Nacional da Agricultura, na Piazza Fontana. 

Havia mortos e feridos (16 e 88, respectivamente, saberíamos mais tarde).

Piazza Fontana, atrás do Duomo, era um lugar familiar para mim por causa das lojas de tecido Ghidoli, quase na frente do banco: na minha infância, os Ghidolis eram amigos de meus pais e eu amava perdidamente uma das irmãs (infelizmente, eu tinha dez anos, e ela, 20).

Enfim, quem faria aquilo? E por quê? Passaram-se mais de dez anos sem que a Justiça encontrasse alguma resposta na qual pudéssemos acreditar: dez anos de chumbo.

Os anarquistas pareciam ser os culpados ideais. Pietro Valpreda (dançarino, com cara de contracultura) e Giuseppe Pinelli (proletário ferroviário) foram presos. Valpreda foi linchado pela imprensa e levou anos para ser inocentado. Pinelli caiu (suicidou-se? foi jogado?) da janela do 4º andar, onde estava sendo interrogado.
Giuseppe Pinelli, o suicidado...

Os anarquistas pareciam ser os culpados ideais. Pietro Valpreda (dançarino, com cara de contracultura) e Giuseppe Pinelli (proletário ferroviário) foram presos. Valpreda foi linchado pela imprensa e levou anos para ser inocentado. Pinelli caiu (suicidou-se? foi jogado?) da janela do 4º andar, onde estava sendo interrogado.

Sobre a morte de Pinelli, Dario Fo (teatrólogo e hoje prêmio Nobel) escreveu a peça Morte Acidental de um Anarquista (1970), que era ótima, mas contribuiu para convencer a esquerda toda de que Pinelli tinha sido defenestrado pelo comissário Luigi Calabresi, que o interrogava.

E Calabresi foi assassinado por militantes da Lotta Continua, num atentado, em 1972 —muitos, na esquerda, pensaram que foi merecidamente. Em 2007, o filho de Luigi Calabresi, Mario (jornalista), publicou um livro lindo e triste sobre a mentira que matou seu pai (Spingendo la Notte Piú in Lá, empurrando a noite mais adiante, da editora Mondadori).

Confuso? É dizer pouco. Segundo a Justiça italiana, só entre 1969 e 1975 houve 4.584 atentados, com centenas de mortos e feridos —vítimas a esmo de um conflito que ninguém entendia qual fosse e de atos cuja finalidade última permanecia oculta. Muitos militantes de direita e esquerda foram identificados e condenados por executarem os atentados, mas nenhum mandante e financiador.

Nota: se o propósito era desestabilizar o Estado e a sociedade italiana, um mandante de direita podia financiar executores de esquerda, e o inverso.

É relativamente fácil imaginar qual fosse a intenção de quem inventou os anos de chumbo: tamponar os efeitos políticos e culturais de 1968 e 1969, impedindo ou atrasando a invenção de uma social-democracia avançada.
Os cidadãos quaisquer, entre tiros e bombas, eram vítimas de neofascistas de boteco que procuravam comprovar sua legitimidade cobrindo-se com o manto do obscurantismo religioso. 

Um conflito central daquela época foi ao redor da lei que permitiria o divórcio: a direita era contra, a esquerda, a favor —a lei foi aprovada pelos italianos em 1974.

Também os cidadãos foram vítimas de um número de coitados e perdidos, eternos estudantes à procura de um dogmatismo teórico fácil (à la Toni Negri) que os transformasse todos em Cesare Battistis.

Mas, atrás dos militantes de esquerda e direita, quem eram e o que queriam os mandantes dos anos de chumbo? A alternativa está entre: 
— neofascistas querendo voltar atrás no tempo, ou — um centro retrógrado e igrejeiro, decidido a não compartilhar os lucros do dito milagre italiano, dono do poder desde sempre, desejoso de aparecer como a única voz da razão entre uma esquerda e uma direita ambas malucas e assassinas.
Essa segunda teoria era a de Pier Paolo Pasolini, exposta no Corriere della Sera, no fim de 1974, num artigo que começava assim: “Eu sei quem são os culpados”. Meses depois, Pasolini foi trucidado na praia de Óstia —por um michê. Será?
"invocar manifestações no Chile para prometer um novo AI-5"

É bom celebrar o aniversário de Piazza Fontana, hoje, no Brasil, porque a provocação é a ação política preferida por quem se propõe como solução e salvação autoritária contra uma suposta desordem.

Provocação, p. ex., é invocar as manifestações no Chile para prometer um novo AI-5 aqui.

Mas, tudo bem. Por sorte nossa, no Brasil, a história tende a tomar ares de farsa. Em 1981, setores militares, insatisfeitos com a abertura democrática, foram plantar bombas no centro de convenções Riocentro. Uma bomba explodiu no colo do sargento que a transportava. 

De forma tragicômica, o SNI tentou culpar os subversivos de sempre, esses malditos comunistas (por Contardo Calligaris)
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TERRORISTAS – 1 (clique p/ abrir)

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