sábado, 30 de novembro de 2019

"O IRLANDÊS" É UM FILME DE MÁFIA COMO MUITOS OUTROS. POR QUE TANTO AUÊ?

Pacino (79 anos) e De Niro (76): prodígios da maquilagem
Bem que eu tentei afirmar-me como crítico de cinema, mas a minha paixão pela sétima arte atrapalhou: eu queria ir fundo na análise dos filmes e a indústria cultural já então optava por apenas fornecer indicações para consumo, de forma que o leitor pudesse avaliar se compensava ou não assistir àquele filme.

De 1979 até o final de 1984 (saiba mais sobre tal fase aqui), enquanto tentei oferecer uma alternativa às críticas rasas como poças d'água, com número cada vez menor de linhas, que os críticos-padrão entregavam, tive muito prazer, p. ex., em não rasgar seda para as produções que todos eles endeusavam apenas porque tinham chegado com reputação firmada nos grandes centros cinematográficos.  

Naquele tempo as empresas exibidoras programavam sessões especiais ou cabines para assistirmos a seus lançamentos mais ambiciosos antes da estreia e podermos entregar nossas apreciações a tempo de serem publicadas simultaneamente à entrada em cartaz. Então, várias vezes ouvi os medalhões de então confessarem não ter gostado de um filme importante para depois constatar que, ao escreverem sobre ele, haviam ficado oportunisticamente em cima do muro.

Comigo não, violão. Minha inflexibilidade me acarretou problemas com tais empresas e também com veículos para os quais trabalhei, mas nunca conseguiram obrigar-me a fazer média com seja lá o que ou com quem for.
Jack Nicholson foi o Hoffa de 1992...
Então, se hoje fosse publicado em algum jornalão ou revistona, haveria pelo menos uma voz discrepante desse auê todo para O irlandês

Não passa de mais um filme de máfia como tantos outros:
— inferior a quase todos os realizados por diretores italianos como Francesco Rosi, Damiano Damiani, Elio Petri e Giuliano Montaldo, além do melhor de todos os tempos e países, Era uma vez na América, do genial Sergio Leone; 
 ínfimo diante dos de conterrâneos dele como Francis Ford Coppola e Brian De Palma; e que 
 perde de goleada para um montão de fitas de cineastas japoneses que exploram o filão yakuza.

Scorcese é um diretor superestimadíssimo, que realiza filmes desnecessariamente longos e arrastados, como se isto acrescentasse qualidade. No caso do Sergio Leone, sim, sem dúvida. No dele e do Quentin Tarantino, isto só faz o tédio aumentar a cada minuto. 

O irlandês, p. ex., teria um final até impactante se não fosse o anticlímax de mostrar tudo que sucederia na vida do personagem principal após o acontecimento culminante, só que aí nada mais havia que valesse a pena vermos, ainda mais depois de três horas de filme. Aguentei até o fim porque assistia confortavelmente em casa; no cinema, estaria trocando de posição na poltrona a cada minuto...
...Stallone o de 1978, com o nome de Kovak em vez de Hoffa...

Minha sensação de perda de tempo aumentava por conhecer muito bem a história de Jimmy Hoffa, o poderoso presidente de uma confederação de caminhoneiros dos EUA que fizera carreira em parceria com a máfia e, quando a justiça fechava o cerco sobre ele, teve o destino habitual de quem sabe demais e complicará pessoas perigosas se der com a língua nos dentes como um Odebrecht qualquer. 

Eu acompanhara os relatos jornalísticos em 1975 e já havia visto a história nas telas em duas versões que me agradaram muito mais:  Hoffa - um homem, uma lenda (d. Danny DeVito, 1992) e F.I.S.T. (d. Norman Jewison, 1978). 

A primeira por causa do roteiro superlativo de David Mamet, um dos últimos sinais de vida inteligente na Broadway e em Hollywood (o roteirista de O irlandês, Steven Zaillian, não lhe chega aos pés). 

E a segunda, que não é uma biografia cinematográfica assumida  de Hoffa mas claramente nele se inspira, porque Jewison sempre foi um diretor bem melhor do que Scorcese, ponto.

O que muitos consideram grande mérito de O irlandês, montar um painel das relações entre o crime organizado, os negócios e a política, é que o faz parecer um filme tão velho: este enfoque já foi visto em pelo menos uma centena de fitas e seriados, principalmente a partir da consagração de O poderoso chefão 1 (1972 ) e 2 (1974).  Saturou.
...e Pacino, o de 2019 (o da vida real está à direita)
Deu pena ver Robert De Niro, aos 76 anos, com tintura no cabelo e muita maquilagem para aparentar ter uns 30 e poucos no início do filme. Não engana ninguém; teria sido melhor utilizarem dois atores.

Scorcese é um cineasta que quase sempre me frustra. Dele, a rigor, só gostei mesmo do final de Taxi driver (1976), do documentário musical O último concerto de rock (1978) e de Touro Indomável (1980).

E simplesmente abominei A cor do dinheiro (1986), sequela que é mais uma traição ao filme anterior, um dos meus maiores cults pessoais, Desafio à corrupção (d. Robert Rossen, 1961). 

A sofrida trajetória redentora do personagem principal certamente o tornaria um ser humano diferenciado, então jamais o reencontraríamos, duas ou três décadas depois, como aquele indivíduo meramente ávido por reingressar no universo vicioso  das competições profissionais de sinuca que o filme de Scorcese mostra. 

Se tudo por que havia passado não o tivesse libertado da obsessão pela cor do dinheiro, de que valera, afinal? E qual a razão para nos interessarmos pela sina dele? 

A recusa final do personagem a chafurdar na podridão capitalista simplesmente desapareceu da sequela. Foi uma opção artisticamente inaceitável e moralmente indefensável de Scorcese. (por Celso Lungaretti)

2 comentários:

Anônimo disse...

***
Estive tentado a assistir esse filme. As dicas que recebi num canal do Telegram eram confusas. Nestes chats são muitas informações curtas e, as vezes, desconexas. A certa altura, começaram a citar filmes muito melhores que esse, inclusive o que você citou, "Era uma vez na América".
Portanto, grato por ter pulicado sua análise e me livrado de ficar 3h diante da telinha em vão.
SF
***

celsolungaretti disse...

Só três horas?! Eu calculei isso por cima, até o momento em que o filme deveria ter acabado, no meu entender. A duração total é de 209 minutos.

Mas, a história vale exatamente os 140 minutos do "Hoffa - um homem e uma lenda", de 1992. Se quer conhecer tal personagem da vida real, recomenda o filme com o Jack Nicholson, que, aliás, caiu muito melhor nesse papel do que o Al Pacino.

O problema, vale dizer, nunca é da duração em si, mas sim se ela se faz ou não necessária. "Lawrence da Arábia", p. ex., tem 228 minutos e eu não cortaria um único segundo.

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