quarta-feira, 9 de outubro de 2019

POR UM NOVO CONTRATO SOCIAL – 2

(continuação deste post)
PRINCÍPIOS PARA UMA NOVA ORDEM SOCIAL — Não podemos (nem devemos) prescrever, como num manual de instruções os passos e as regras sob as quais se formatará o novo contrato social; mas podemos e devemos indicar alguns princípios que norteiem as nossas ações.

Quando negamos o Estado, não significa que estejamos propondo uma sociedade na qual predomine a anomia social (a qual, aliás, já vem se instalando, em razão da falta de provimento das necessidades de consumo e da harmonia da convivência social por parte da ordem institucional estatal).

O que almejamos é justamente a responsabilidade de regramentos da vida social, com todos sentindo-se responsáveis pelos destinos sociais, sem transferência de responsabilidade para governos e pretensos salvadores da pátria

Negamos o Estado porque ele sintetiza a institucionalidade do capital enquanto sistema cobrador de impostos (que queremos abolir) e responsável pelo controle monetário. Até porque uma sociedade que supere a forma-valor não cobrará impostos, nem vai necessitar de controle monetário (este também deixará de existir).  

A organização social horizontalizada, cujos custos sociais serão supridos coletivamente (sem dinheiro, mas com a contribuição e os esforços de todos), decerto elaborará leis justas ou, pelo menos, bem intencionadas. 
Isto corresponderá à superação de cânones jurídicos como os hoje existentes, cujos conceitos apenas mascaram as suas injustiças intrínsecas com regulações jurídicas que acabam sendo aceitas por força de um respeito culturalmente imposto e que inverte o melhor conceito de justiça.

Acaso o direito de propriedade de apenas um ente jurídico (pessoa física ou empresa, pessoa jurídica) em detrimento da maioria (caso da propriedade de milhares de unidades residenciais por um único proprietário) corresponde a um critério de justiça minimamente aceitável? 

Todo o nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição até as leis civis ordinárias, protege e obedece aos critérios injustos e segregacionistas da lógica do capital. 

Não é por menos que a Constituição, tida como tábua sagrada da democracia burguesa, admite a posse ilimitada da propriedade, seja ela dos meios de produção, de bens imóveis, de aplicações financeiras, dos minerais e de quaisquer outros tipos de mercadoria. A própria vida, sob o capital, é uma mercadoria, pois quem não produz valor morre de fome. 

Quando negamos a mercadoria, seja ela expressa sob a forma de dinheiro, objeto sensível ou força de trabalho, o fazemos porque são essas as categorias capitalistas que produzem a segregação social, a qual, pela própria contradição intrínseca a uma forma de relação social injusta, agora encontra o seu limite interno de reprodução e clama por sua para superação. 

Não há mal que sempre dure.

Quando negamos os partidos políticos, não é porque desejamos a ditadura absolutista de um poder ultra-verticalizado, mas porque sabemos que os partidos políticos, antes de condensarem os anseios sociais, são o canal de assunção a um poder verticalizado burguês que explora a maioria da população; e que os ditos cujos invariavelmente, são assenhoreados por indivíduos ávidos desse mesmo poder, eos quais jamais praticam a vontade geral dos filiados, mas os manipulam para atingirem seus interesses vis. 

A superação dos partidos políticos deve ser sucedida pela consolidação de conselhos populares que se sintam responsáveis pelos destinos da própria comunidade, em conexão com interesses coletivos abrangentes e a partir de um modo de produção voltado para a satisfação das necessidades coletivas. 

Não podemos jamais cair na falsa dicotomia segundo a qual o antônimo da democracia burguesa seria o totalitarismo burguês, mesmo porque ambos são espécies de um mesmo gênero; devemos, isto sim, ter clareza de que a horizontalidade da ordem jurídica e da gerência social é o que deve representar legitimamente a verdadeira vontade popular.  
Sabemos que a forma-valor, expressa e materializada na forma-mercadoria tem caráter onívoro, e submete todos as categorias que lhe formatam a existência em instrumento de consecução do seu fim autotélico vazio de sentido humano.

É justamente por assim ser que, no momento em que a produção de mercadorias encontra a sua contradição máxima no travamento de sua reprodução cumulativa, resta demonstrado o seu utilitarismo desumano, o qual prioriza a própria tentativa de auto-reprodução cumulativa em detrimento da satisfação de interesses coletivos de consumo. 

O desemprego estrutural, evidência mais expressiva dessa contradição (o capital vive do trabalho, mas agora o elimina substancialmente graças à sua dinâmica interna autodestrutiva), não tem na atualidade alternativa de solução sob o sistema de produção de mercadorias, e está:
— levando ao desespero os bilhões de trabalhadores aptos ao trabalho e que se encontram sem alternativa para prover a própria subsistência;
— colocando em sérias dificuldades e até inviabilizando muitas empresas produtoras de mercadorias e serviços;
— corroendo o próprio Estado, cada vez mais endividado; e
— minando todo o sistema de crédito financeiro, que roda em falso, com seus números abstratos estratosféricos expressos em valores inconsistentes.

A forma-valor, como abstração que é, somente pode ter eficácia de credibilidade e aceitação dentro da sua própria dinâmica auto-reprodutiva, e como isso já não é mais possível, ela está a se esfumar pelos ares como uma luz que se apaga quando falta eletricidade. 

A necessidade de discussão sobre um novo contrato social, que em tudo difira do que está posto nos conceitos jurídico-políticos dominantes, é tão urgente quanto a busca de medidas de preservação ecológica plausíveis e eficazes para deter a atual marcha da insensatez ambiental. (por Dalton Rosado

2 comentários:

SF disse...

Dalton,
Seus textos são muito bons, mas esse está um pouco solto.
Não está bem amarrado.
Afinal, Jean-Jacques escreveu um obra prima e é difícil superá-lo.
Mesmo por que você volta ao conceito base do livro de Rousseau ao citar os conselhos e a subordinação do interesse pessoal ao coletivo, mas escamoteou o fato de que o homem faz isso para ter mais segurança.
E se alguém não aceitar o contrato e preferir o risco da liberdade?
Vai para o Gulag ou para o paredão?

Sua visão corretíssima do finado capitalismo não abrange, porém, o novo contrato que está surgindo no de controle das atividades econômicas. Parece que a unidade monetária migra para o blockchain.
Esse contrato retira cada vez mais liberdade do indivíduo e grupos dissidentes.
E ele já está acontecendo.

CVR.
Esses dias um grupo de compartilhamento de scans do Telegram "Rapadura Açucarada" foi sumariamente apagado. Tudo porque o Eudes é crítico do governo que ele diz ser facista.
Ele tinha um blog que compartilhou scans por 16 anos sem ser incomodado, mas foi só falar mal do governo bolsonaro que o blog foi apagado, refugiou-se no Telegram e não durou duas semanas.

A Suécia quer abolir o dinheiro físico em seu território.
Não se tomará uma água mineral sem que o governo saiba...
Pense!


celsolungaretti disse...

Caro Leitor SF,

o pensamento de Jean-Jacques Rousseau (próprio para o interesse mercantilista da época) obedecia aos ditames da transição das relações pré-capitalistas para o capitalismo que estava a exigir uma ordem político-jurídica que superasse o feudalismo monárquico-eclesiástico e se coadunasse com as novas relações sociais mercantis emergentes e em expansão.

O que queremos é uma ordem social que se coadune com as exigências do colapso da modernidade capitalista. Portanto, não se trata de superar o pensamento rousseauneano cujos pressupostos já estão ultrapassados pelo espírito do tempo, mas de criarmos algo novo, ou seja, um pensar coadunado com uma nova etapa das relações sociais que evoluem constantemente e que agora atingiram um ponto de saturação do modelo vigente.

A liberdade individual e coletiva é muito mais fácil de ser preservada numa sociedade cujos conceitos de produção social e do direito sejam oriundos de um contrato social horizontalizado e natural, sem os artifícios pouco confessáveis e próprios a uma relação social segregacionista como a atual, regida pela forma valor (dinheiro e mercadorias), cujas contradições provocaram o seu limite interno de capacidade de reprodução.

Nós estamos tão aculturados a pensar sob a forma do dinheiro que não conseguimos raciocinar fora dele.

Ora, se não tivermos governo e nem dinheiro (que tanto faz ser físico como meramente bancário, numérico, administrado por cartões de saque e depósito, como já agora acontece em grande parte), certamente que não estaremos sob o controle do Estado, que precisamos abolir e superar juntamente om toda a sua entourage de sustentação.

Um abraço e obrigado pelo acompanhamento e suscitação da discussão. Dalton Rosado.

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