terça-feira, 10 de setembro de 2019

VEJA NO BLOG UM DOCUMENTÁRIO SOBRE A GUERRILHA DO ARAGUAIA, CUJOS MORTOS CONTINUAM ATÉ HOJE SEM SEPULTURA!

Toque do editor
Um documentário que não poderia faltar neste blog é Guerrilha do Araguaia – As faces ocultas da História, dirigido por Eduardo Castro (que levou 15 anos  para conclui-lo) e lançado em 2010, com narração do ator Paulo José

Ficarei devendo uma crítica, pois minhas deficiências auditivas dificultam muito a compreensão de filmes falados em português, e também porque pouco sei sobre tal guerrilha que não seja proveniente de leituras; durante a minha militância na VPR e VAR-Palmares, simplesmente a ignorávamos. O PCdoB conseguiu mantê-la desconhecida da própria esquerda da época,

Mas, encontrei um artigo da revista Superinteressante que a historia bem, escrito por Danilo Cezar Cabral, com consultoria do próprio Eduardo Castro, o diretor do documentário. É uma ótima introdução, principalmente para as novas gerações.

Vamos a ele; e a janelinha para os leitores do blog assistirem a Guerrilha do Araguaia – As faces ocultas da História vem logo embaixo. 
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O QUE FOI A GUERRILHA DO ARAGUAIA?
Foi a tentativa de dissidentes do Partido Comunista do Brasil de organizar uma luta armada, a partir do campo, para enfrentar a ditadura militar que governava o Brasil em 1968. 

Na época, a censura barrava notícias e manifestações artísticas que o governo julgasse impróprias. Para piorar, pessoas que se opunham ao regime – ou consideradas uma ameaça – eram perseguidas, torturadas e até executadas. 

Quando o regime começou a endurecer ainda mais, alguns partidários da esquerda, inspirados pelo sucesso das revoluções chinesa, com Mao Tsé-tung, e cubana, com Che Guevara e Fidel Castro, começaram os planos para derrubar os milicos do poder. O primeiro passo era conquistar a população rural, alistando soldados para iniciar a revolução socialista no Brasil.
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1. Em 1968, alguns líderes do PC do B, como Maurício Grabois e João Amazonas, se desligam do partido para formar grupos de resistência armada em regiões rurais.
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2. Os grupos se espalham próximos às margens do rio Araguaia, onde hoje se juntam os estados do Pará, do Maranhão e de Tocantins. Paulistas, mineiros e gaúchos são maioria.
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3. A amizade é uma arma para conquistar o apoio dos camponeses. Outra estratégia é usar a profissão dos guerrilheiros – alguns deles eram médicos, por exemplo – para atender às necessidades locais.
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4. Os guerrilheiros, vindos da classe média alta, bancam as próprias armas. Sem treinamento militar prévio nem financiamento do partido, o arsenal se limita a facões, revólveres .38 e espingardas.
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5. Numa emboscada ao comunista Carlos Marighella, os militares descobrem documentos com pistas sobre a guerrilha, confirmadas com a prisão e a tortura do ex-guerrilheiro Pedro Albuquerque.
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6. O Departamento de Inteligência e Repressão do Exército se infiltra nas comunidades do Araguaia e compra informações dos camponeses, descobrindo paradeiro e identidade dos guerrilheiros.
7. Até 1975, rolam três campanhas para detonar a guerrilha. Após reconhecimento da área e coleta de informações, a segunda campanha vai à caça com tropas de operação em selva. Começa a onda de torturas, com destaque para um pau-de-arara melado.
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8. A captura de Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa) – um dos poucos treinados pelo Exército chinês -abala o moral dos guerrilheiros. O cara é morto em 1974 e tem o corpo amarrado a um helicóptero para ser exibido nos vilarejos.
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9. A Operação Marajoara vem para exterminar, com emboscadas pesadas de militares sem farda, muita tortura e execução – até de camponeses. O objetivo é identificar os poucos guerrilheiros que ainda resistem escondidos na mata.
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10. Oficiais cortam cabeça e mãos das vítimas e as enfiam em sacos que seguem para identificação pelo Exército. Segundo os militares, mais de 80 guerrilheiros morreram nas operações.
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P.S. Tomo a liberdade de acrescentar uma atualização, que bem poderia ser o item nº 11.
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Em dezembro de 2010, no apagar das luzes do segundo governo de Lula, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por não ter punido os responsáveis pelas mortes ocorridas no Araguaia, considerando o Estado brasileiro responsável pelo extermínio de 62 pessoas e determinando que fossem feitos todos os esforços para a localização dos corpos das vítimas.

Na sentença, a corte considerou que as disposições da Lei de Anistia de 1979, contrárias ao entendimento praticamente unânime das nações civilizadas, não poderiam continuar impedindo a investigação e punição dos crimes contra a humanidade cometidos nos anos de chumbo

Mas, a ex-guerrilheira Dilma Rousseff, herdeira do abacaxi que Lula não quis descascar na sua última quinzena como presidente, simplesmente ignorou tal sentença, preferindo monopolizar os espaços no noticiário com a criação da Comissão Nacional da Verdade, cujas investigações também não respaldaria quando dos inevitáveis choques com aqueles chefes militares que continuavam empenhados em ocultar a verdade. (por Celso Lungaretti)

10 comentários:

Henrique Nascimento disse...

É bom frisar aos leitorrs que houve três guerrilhas rurais na época, as quais aconteceram quase que simultaneamente: guerrilha do Araguaia, do Caparaó (liderada pelo Brizola de longe) e a guerrilha do Vale do Ribeira (o Celso atuou no início). Nessa última, o Bolsonaro conheceu o Carlos Lamarca.

celsolungaretti disse...

Henrique, as duas primeiras não devem ser qualificadas como guerrilhas.

A do Caparaó, em 1966/1967, estava ainda sendo preparada por militares brizolistas cassados pela ditadura militar quando o líder praticamente os abandonou. Famintos e doentes, foram descobertos e facilmente capturados pela repressão, antes de desenvolverem qualquer ação guerrilheira.

Os ex-brizolistas da VPR guardavam muita raiva do Brizola. Segundo eles, o gaúcho se comprometeu com os cubanos a lançar no Brasil uma guerrilha simultânea à do Che Guevara na Bolívia, mas apenas catou uns 20 homens e colocou-os despreparados na mata, para dar a impressão de que estava cumprindo o acordo.

A do Vale do Ribeira, em 1970, foi mais uma fuga. A localização da área de treinamento guerrilheiro foi obtida pela repressão e Lamarca despachou metade do contingente de volta para a cidade pelas vias normais, liderando a outra metade numa escapada pelo meio da mata.

Foi um grande feito militar, o de romper um cerco de 5 mil inimigos com um punhado de militantes. Mas, ele não viu condições de seguir adiante como guerrilha: tão logo pôde levar seus comandados de volta para a cidade, onde podiam voltar aos trajes civis e misturarem-se com a população, o fez.

Constatou, na prática, que a coluna móvel estratégica (que deveria sobreviver graças à mobilidade, fazendo rápidas incursões e escapando por um grande território, não com o intuito de formar um exército no campo, mas sim o de servir como propaganda viva da luta armada, provando que os militares podiam ser derrotados) seria sufocada por uma superioridade numérica esmagadora do inimigo.

Exatamente pela inadequação do termo "guerrilha" aos que realmente se passou, o Celso Luiz Pinho intitulou seu livro de "1970 - A guerra no Vale do Ribeira".

Trata-se do livro no qual o meu xará, após pesquisa exaustiva, identificou a pessoa responsável pela entrega da área, que eu sabia muito bem quem era mas achara indigno desmascarar no meu livro "Náufrago da Utopia" (avaliei que, como tal pessoa passara mais de três décadas deixando que eu levasse a culpa que a ela pertencia, denunciá-la, de certa forma, me igualaria a ela, com a diferença de que ela colocara um inocente no seu lugar para manter a reputação e eu estaria trocando de lugar com uma culpada para recuperar a minha reputação, então preferi apenas provar a minha inocência e deixar o resto do serviço para os historiadores).

"Guerrilha" cabe mesmo é para designar a do Araguaia, preparada na surdina desde 1967 e combatida pela repressão entre 1972 e 1974, com os militares tendo de desencadear quatro grandes operações até eliminá-la por completo, tendo matado 62 guerrilheiros, a grande maioria capturada com vida e covardemente executada.

Henrique Nascimento disse...

Muito bom o documentário! Vendo as imagens, me fez relembrar a minha ida, há cerca de 7 anos atrás, a essa região onde ocorreu a guerrilha do Araguaia. Fiquei percorrendo de motocicleta por 7 dias as várias localidades, que ainda hoje não passam de pequenas vilas e aglomerações de pessoas, onde os militantes ficaram estabelecidos. Impressionante como as pessoas, mesmo aquelas mais novas, tinham tanto conhecimento com o ocorrido. Várias historias eu ouvi de filhos, sobrinhos e netos dos moradores que viveram essa fase. Vai ficar marcada por gerações. Tentei em vão convencer dois moradores a me conduzir até o topo da serra das Andorinhas, onde os corpos de vários militantes foram despejados posteriormente.

Henrique Nascimento disse...

Celso, agradeço os esclarecimentos. Tem aquela famosa história do Brizola que fugiu para o Uruguai vestido de mulher.

Hoje é possível, após vários anos, você informar quem seria essa pessoa que delatou a localização da área? Acredito que os historiadores não irão descobrir facilmente.

celsolungaretti disse...

Henrique,

magoou-me muito a ligeireza com que os companheiros acreditaram na versão providencial de que o delator da área seria um jovem de 19 anos, conhecido apenas na organização e quase desconhecido no universo da esquerda, sem tradição no meio intelectual e filho de operário.

Parece não ter ocorrido a ninguém que, pelo próprio organograma da VPR, eu não poderia deter tal informação, já que me relacionava apenas com aliados, com simpatizantes, com informantes (jornalistas simpáticos à nossa causa), com o Comando Nacional e com os comandantes das unidades de combate.

Os pertencentes às três primeiras categorias também não sabiam e os comandantes não tagarelavam informações altamente sigilosas, que eu não precisava conhecer para o desempenho da minha função.

E se tratava de um óbvio caso em que, sendo eu inocente, o(a) culpado(a) seria meu superior hierárquico e pessoa com muito mais tradição e importância na esquerda. Seria tão difícil perceber que a versão era conveniente demais para ser verdadeira?

Então, prefiro que a pessoa que me deixou nessa roubada por 34 anos morra sabendo que eu, pelo contrário, tive a dignidade de jamais denunciá-la publicamente para limpar a minha barra (ainda há pessoas dos tempos antigos que ignoram a reviravolta que houve nessa história em 2004 e continuam aferradas àquilo em que acreditaram no momento dos acontecimentos).

Aprendi que revolucionário deve ser um exemplo pessoal da sociedade que ele almeja construir. Um "homem novo" em interação com uma "sociedade nova". Mantenho tal visão.

celsolungaretti disse...

Henrique,

de resto, não tenho como esclarecer se o Brizola escafedeu-se ou não vestido de mulher. E daí? A nossa prioridade era sempre a sobrevivência, não as aparências. Detestaria ver hoje uma fotografia, se houvesse alguma, de quando minha foto saiu nos cartazes de "procurados" e eu tive de disfarçar-me para ir de ônibus para o RJ, tendo apenas um título eleitoral como documento (era facílimo de se falsificar!).

Uma aliada que era do meio teatral encaracolou meu cabelo, tingiu-o para eu ficar bem mais louro do que era, escolheu para mim um óculos com aro de tartaruga e um blazer estilo Príncipe de Gales, para usar com gravata chique. Fiquei irreconhecível e me sentindo totalmente ridículo, mas funcionou bem, eu parecia o mais inofensivo dos mortais.

Quanto à permanência na memória popular de um episódio que foi a única coisa realmente importante acontecida naquela região, você a encontrará também, p. ex., nos palcos da trajetória do Lampião.

Abs.

Henrique Nascimento disse...

Celso, só mais um questiomento quanto à esse fato que ainda não ficou claro para mim. Se você puder e quiser responder...

Por que na época foi tão importante para a VPR acusar você ou quem quer que seja sobre delatar uma área de treinamento? Tudo bem que no calor do momento isso podia ser relevante, mas e agora, tem alguma implicação que possa denegrir a imagem de alguém? Viver aquele período não foi fácil, principalmente para aqueles que resolveu enfrentá-lo. Só o fato de "dar a cara para bater" não é para qualquer um (e realmente não foi, dado o pequeno número de pessoas que resolveu enfrentar). Então, não está na hora de acabar com ressentimentos passados?

Cito o exemplo do Danilo Carneiro mostrado no documentário do Araguaia. Embora tenha sido barbaramente torturado, ele saiu da área da guerrilha antes do massacre. Nem por isso hoje ele possa ser considerado um desertor ou traidor ou algo nesse sentido. Ao contrário, tem hoje o respeito dos companheiros-sobreviventes.

celsolungaretti disse...

Naquele momento a VPR tinha sido duramente atingida pelos golpes da repressão e certamente estava precisando muito manter seu prestígio. Se a verdadeira história da queda da área 2 se tornasse conhecida nos círculos de esquerda, causaria má impressão e desestimularia o ingresso dos reforços que eram extremamente necessários para suprir as lacunas abertas por quedas e mortes.

Isto é o que eu conclui depois de alguns papos com o Ivan Seixas, que me colocou a par do que rolou no período subsequente à minha queda. Trata-se de uma dedução, nunca recebi uma explicação "oficial", mesmo porque os que poderiam dá-la ou haviam morrido, ou sido trocados por embaixadores.

Mas, para sobreviver a uma estigmatização tão injusta, tive de me tornar mais forte do que jamais fora. Assim, o Massafumi não resistiu e se suicidou mais ou menos na mesma época em que um partido de esquerda me propôs dar um depoimento à imprensa revelando o que acontecera comigo, torturas, tímpano estourado, a vez em que estive próximo de enfartar por causa dos choques elétricos, etc.

Eu, em princípio, topei. Mas, a coisa pegou quando o tal partido pediu que não contasse a verdade sobre a queda da área 2, para não atingir a memória de companheiros que haviam sacrificado a vida pela causa. Mas, eu refleti que, se omitisse este lado da história naquele momento, jamais me acreditariam quando eu tentasse esclarecer os fatos adiante.

Isso foi em 1974 ou 1975. Em 1978 a reportagem de uma revista semanal (talvez a IstoÉ, não tenho certeza) me procurou para uma entrevista sobre os "arrependimentos" de militantes. Aí dei um depoimento sincero sobre tudo que me perguntaram, inclusive que o estouro do tímpano se dera menos de uma semana antes da ida à TV.

O Manuel Henrique Ferreira, meu companheiro desde o movimento secundarista, também abriu o jogo francamente. Os demais, nem tanto. E eu não exigi que se apresentasse minha versão sobre a queda da área 2 porque isso fugiria ao espírito da pauta daquela reportagem. Coloquei o assunto na mesa, não interessou para a revista e eu não insisti, ative-me ao foco da reportagem.

Mas, para encarar aquela barra de bode expiatório, o jeito foi buscar força nos meus princípios. Podia o mundo estar contra mim que, enquanto eu considerasse que tinha agido coerentemente com meus valores, nada me abalaria.

Isso me moldou: não transigi mais quando companheiros ou organizações atropelavam os nossos princípios. Não compactuei com torturas, assassinatos, prisões arbitrárias, etc., em países socialistas, porque nada justificava que repetissem as práticas dos gorilas da direita. Deixei de "aliviar" para nações árabes fundamentalistas apenas porque, no jogo geopolítico, eram adversários de Israel e/ou dos EUA (para seus povos, contudo, não passavam de monarquias feudais ou tiranias militares).

Foi isto que passou a me separar da esquerda organizada. O fato, p. ex., de eu haver tomado a defesa dos "quatro de Salvador" (militantes do PT que assaltaram um banco em 1986 e foram expulsos e abandonados pelo partido porque serviriam de trunfo eleitoral para a direita) quando o PT queria é que fossem esquecidos, lixando-se para as ameaças que sofriam de serem assassinados na prisão.
(continua)

celsolungaretti disse...

(continuação)
O pai de um deles veio pedir ajuda em São Paulo dois dias antes de entrarem em greve de fome e eu não pensei duas vezes: assumi a batalha e, apesar de tanto a direita quanto o PT preferirem tirar o assunto do noticiário, acabei encontrando um caminho para a greve terminar com vitória.

Na década seguinte, quando o Paulo de Tarso Venceslau denunciou o primeiro grande esquema de desvio dos recursos públicos para os cofres do PT e foi expulso, não só escrevi um artigo contundente para o Jornal da Tarde deplorando que se sacrificasse um militante honesto para livrar a cara de um corruptor (aquele advogado e empresário que era compadre do Lula), como adverti que o precedente aberto naquela ocasião acabaria destruindo o partido. Talvez haja sido mais um exagero retórico, mas acabei sendo profético.

Enfim, passei a representar o esquerdista que era contra boquinhas, maracutaias, condescendência com os absurdos cometidos por "governos amigos", etc. E sofri muitos tipos de retaliações, inclusive as mil e uma manobras protelatórias da AGU, sob os governos petistas, para retardar o recebimento da minha indenização retroativa. Isso teve efeitos terríveis na minha vida particular, a ponto de eu estar hoje morando sozinho num quarto de hospedagem.

Mas, um dia serei lembrado como um revolucionário que foi fiel a seus princípios em todas as circunstâncias e conseguiu levar adiante suas lutas mesmo sem apoio de organizações e partidos, quando necessário.

O que a esquerda organizada hoje não suporta em mim é que eu sou a prova viva de que se pode prescindir dela e continuar sendo revolucionário (inclusive obtendo algumas suadas vitórias!).

Eduardo Castro disse...

A realidade aquele momento era um misto de sonho e pesadelo, os guerrilheiros tinhas suas convicções, seus sonhos, o governo estava alinhado aos USA contra URSS e contra os possíveis governos futuros comunistas. Os partidos e os lideres opositores ''Não tinham condições de conquistar uma rua quem dirá um país'' Com dito por Danilo Carneiro, os lideres fugiram e deixaram os guerrilheiros e camponeses para serem torturados e mortos. Uma luta inglôria. Na feitura do Doc. conheci muitas histórias
terríveis que infelizmente não deu pra colocar no filme final.

EDUARDO CASTRO - Diretor
eduardojkastro@htmail.com

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