COMO OS POVOS
EM GUERRA
Indutores da eliminação humana, sem julgamento e sem motivação real, por policiais e militares, Jair Bolsonaro e Wilson Witzel não tiveram coragem de dar sua opinião sobre o fuzilamento de um homem de bem, o músico Evaldo dos Santos Rosa.
O primeiro não foi capaz sequer de emitir uma palavra a respeito, mesmo que pedida. O governador fluminense fugiu pelo caminho das frases feitas: "Não me cabe fazer juízo de valor".
Não só cabe: é obrigação dos dois, submetidos a exigências funcionais que se sobrepõem à covardia moral e à fuga política.
O crime foi cometido no estado do Rio, em circunstâncias que exigiam diversas providências do governante estadual e prontas satisfações aos seus, digamos, governados. O crime foi cometido por soldados do Exército, em atividade armada, e, portanto, sob responsabilidade federal da Presidência da República.
Tudo a ver, nada a declarar... |
As omissões de Bolsonaro e Witzel foram noticiadas, no nível de atos reprováveis sem maior relevância. Até porque o crime está repleto de elementos deprimentes, em sua ocorrência e à sua volta.
À parte a incidência trágica e injusta sobre a família de Evaldo, um dos mais relevantes elementos está tão fora do episódio quanto nós outros. Está em nós.
Sem palavras aveludadas: o que causou escândalo e indignação não foi o assassinato oficioso de um inocente, foi o número de tiros. Todas as reações, procedentes de todo o noticiário, centraram-se nos 80 tiros do ataque.
Claro, 80 tiros foram uma loucura bárbara. Fossem três, quatro, entrariam na sequência catalogada dos crimes atuais. Surpreso com o ataque a tiros contra pessoas pacíficas num carro ninguém poderia ficar, no Rio e em vários estados. A motivação diferente não distingue a facilidade e a frequência com que bandidos e policiais cometem esses ataques. Mas 80 tiros criam uma diferenciação. Fazem escândalo, revoltam, deprimem.
O velho Oeste agora é aqui |
O que tal peculiaridade e a reação decorrente nos dizem é o elemento deprimente de que nós outros, alheios ao crime, vamos nos tornando portadores: a criminalidade urbana se incorpora ao nosso cotidiano, à nossa normalidade. Em uma convivência natural com o nosso viver.
É preciso um componente ainda não frequentador das notícias, para dar a um episódio criminal o poder de nos escandalizar e indignar. E quase dispor-nos a cobranças.
A morte de Marielle, mas não a do seu motorista, já nos dissera isso. No Rio mesmo, e no Brasil afora, políticos e ativistas sociais estão morrendo na mira de assassinos, sem provocar mais do que pequena notícia, cada vez mais rara, e um instante de lástima.
A incontrolável reação ao assassinato de Marielle se explica porque, além do reconhecimento à sua atividade de valente solidária, os tiros feriram o ativismo LGBT, o feminismo em geral e muito do progressismo político. Uma combinação que não permitiu o acolhimento do crime na normalidade que se forma fora e dentro de nós.
Com Evaldo dos Santos Rosa, naqueles dias morreram jovens sem culpa. Um bebê na barriga da mãe recebeu na cabeça uma bala perdida e luta para chegar ao nascimento.
2 comentários:
Celso, escreva sobre a prisão de Danilo Gentili. O judiciário cada vez mais suprime a liberdade individual. Humorista sendo preso por debochar de político é algo que não víamos desde o Pasquim.
Eu sou da velha guarda. Para mim, enquanto a pessoa tem como se defender por si mesma, não deve recorrer à polícia e à Justiça. Até por eu não ver o Estado como um ente isento e imparcial, que nos acode quando precisamos, mas sim como um instrumento de poder da classe dominante.
Nunca busquei a via judicial para responder a insultos, difamações, calúnias, etc. Minha voz e meus escritos bastam.
Se fosse me guiar por simpatia pelos personagens, ficaria ao lado da Maria do Rosário nesse imbroglio. Mas, mantendo a coerência com o que sempre defendi na vida, sou obrigado a afirmar que ela exagerou e a Justiça mais ainda (pois, claro, não era, nem de longe, caso de prisão).
Se a moda pega, todo mundo vai levar suas miudezas do cotidiano aos tribunais e conseguiremos tornar a vida no Brasil pior ainda do que já é.
Isso é coisa dos EUA, onde seres humanos não conseguem mais resolver seus problemas como seres humanos e os advogados ganharam uma importância desmesurada.
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