quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

QUE SEJAM ESTES A SERVIREM DE EXEMPLO PARA AS NOVAS GERAÇÕES

Meu saudoso companheiro...
Eremias Delizoicov foi meu colega de classe durante um ou dois anos no primário; no ginásio estávamos em séries diferentes (mas sempre na mesma escola); e no curso médio apresentou-me a moça que acabou introduzindo-nos a ambos no movimento secundarista

Em 1968, captou, como eu, o peso que representava para a retomada revolucionária a vergonhosa rendição sem luta de 1964.  Nas passeatas, velhos militantes, vendo nosso ardor, vinham advertir: "Cuidado para não serem traídos por seus líderes. Eles vão deixar vocês no fogo. Foi o que fizeram conosco".

Mesmo sendo muito jovens, percebíamos quanto desprestígio acarretara à esquerda a frouxa reação ao golpe. Sentíamos sobre os ombros a responsabilidade de resgatar a credibilidade do nosso lado, provando ao cidadão comum que também tínhamos brios para sangrar pela causa.

Então, quando o Eremias, já militante da VPR, foi cercado pela repressão num sobrado de subúrbio do RJ, não hesitou: mandou bala. Tinha munição e gastou-a quase toda. Aí lançaram uma bomba de gás lacrimogênio e, aproveitando seu atordoamento, invadiram. Um cabo monstruoso, que era judoca e pesava 140 quilos, deu-lhe uma gravata. 
...e uma foto antiga e rara do comandante Lamarca

Mas o Eremias se recuperou o suficiente para atirar no braço que enlaçava-lhe o pescoço, libertando-se. Depois, disparou nos outros militares, acertando dois nas pernas. E recebeu 35 balaços no corpo.

Estava com 18 anos. Tinha verdadeiro horror da eventualidade de ser lembrado como mais um que fraquejara na hora da verdade, tal qual os burocratas de 1964 (era assim que os chamávamos). Acabou, pelo contrário, indo muito além do que se poderia dele exigir. Foi um bravo.

Também nunca esquecerei o que o comandante Carlos Lamarca disse a vários de nós certa vez: que, se fôssemos surpreendidos pela repressão ao ar livre, jamais deveríamos misturar-nos com a multidão, usando-a como escudo. 

Poderíamos morrer ou ser presos e torturados, mas não tínhamos o direito de macular nossos ideais, causando a morte de civis. Era essencial mantermos a nossa superioridade moral, como lutadores do bom combate, mesmo nas situações extremas.
Vargas tinha muitos defeitos, mas coragem não lhe faltava
Minha avaliação sempre foi a de que o Lamarca, sabendo muito bem que nossas últimas chances haviam se esvaído em 1970, só continuou na luta porque não suportava a ideia de por-se a salvo no exterior enquanto tantos de seus seguidores haviam encontrado a morte ou o inferno dos porões. 

Chegou um momento em que passamos a ter vergonha de não compartilhar a sina dos companheiros tombados. Daí havermos marchado insensivelmente para o matadouro. Que diabo faríamos no exterior?!

Por que lembro isto? Para que os mais jovens fiquem cientes do espírito de luta e da disposição para o sacrifício daquela geração. Para que fiquem sabendo que já houve quem arriscasse tudo, inclusive a vida, por aquilo em que acreditava. Que sejam estes a lhes servirem de exemplo.  
"O que sou nunca escondi / Vantagem nunca contei / Muita luta já perdi /
muita esperança gastei / Até medo já senti / E não foi pouquinho,
não / Mas fugir, nunca fugi / Nunca abandonei meu chão"

Um comentário:

Anônimo disse...

***

Até entendo o pragmatismo de alguns ao abandonar a luta quando ela se torna perigosa demais.

Seria melhor que não tivessem nem entrado.

Estamos assistindo mais uma deserção da esquerda festiva caviar com rapadura nordestina que vai para o Rio de Janeiro flanar.

Por falar no nordeste, lá se diz que "bateu fofo", lembrando um bumbo frouxo que só tem volume e nenhuma serventia.

(umbumbo é ótimo cacófato)

Antes eram só os ratos que abandonavam o navio, hoje se vê que "umbumbos" correm antes!

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