Antes de dar o golpe, Pinochet era general respeitado |
O editor-chefe da revista Americas Quarterly (tida como a principal publicação sobre política, negócios e cultura do nosso continente), Brian Winter, colocou para si próprio a seguinte questão: por que tanta gente em Wall Street torce por uma vitória do ultradireitista Jair Bolsonaro?
Eis as conclusões a que ele chegou:
"Como muitos brasileiros, os investidores estrangeiros querem acreditar na possibilidade de um salvador.
Para a parte de Wall Street que investe em países como o Brasil, o ano foi horrível até agora.
Enquanto o mercado de ações dos EUA batia recordes, com o corte de impostos e as medidas de desregulamentação de Trump, o principal índice de mercados emergentes registrava queda geral de 9%, puxado pelas baixas na Turquia (-55%), África do Sul (-21%) e Brasil (-20%).
Um ano ruim quer dizer bonificação ruim e pode até significar a perda do emprego. O Brasil é grande o bastante para empurrar uma virada na categoria, mas isso só vai acontecer se um presidente amigo do mercado —Bolsonaro ou Alckmin— vencer.
Uma vitória do PT, em contraste, poderia causar nova queda dos ativos.
Bolsonaro foi capitão encrenqueiro e o Exército o expeliu |
Nesse contexto, a maioria dos investidores parecia preferir Alckmin. Mas o equilíbrio está mudando, e não só porque ele continua estagnado.
A indicação por Bolsonaro de Paulo Guedes como ministro da Fazenda e depositário da ortodoxia econômica parece melhor a cada dia, aos olhos do mercado.
Sob a tutela de Guedes, Bolsonaro prometeu reforma nas aposentadorias e no mês passado chegou a mencionar a possibilidade do cálice sagrado de Wall Street —a privatização da Petrobras. Um investidor me disse, empolgado, que o Brasil pode ter seu primeiro presidente verdadeiramente liberal em pelo menos meio século.
Calma lá, você talvez diga: e quanto ao passado não tão distante de Bolsonaro?. É aí que entra Trump.
O presidente dos EUA era membro registrado do Partido Democrata até 2010 —mas na Casa Branca ele vem realizando os maiores sonhos republicanos em termos de corte de impostos e desregulamentação da economia. Os mercados financeiros estão sujeitos a modas, e a coerência ideológica está fora de moda.
Basta a explicação de Bolsonaro: as pessoas evoluem.
É claro que essa abordagem acarreta riscos. Um presidente que talvez não tenha grande compromisso com a austeridade será capaz de tomar as decisões duras necessárias para reduzir um deficit ainda maior que o da Argentina?
Ele conseguirá funcionar sem apoio claro no Congresso? (Ou, diante de oposição, cumprirá sua velha promessa de fechar o Congresso?) Alguns líderes que pisotearam instituições democráticas, de Recep Erdogan na Turquia a Daniel Ortega na Nicarágua, vêm enfrentando problemas.
Mas se você conversar com investidores sobre os riscos do autoritarismo, muitos tenderão a responder ouvimos o mesmo sobre Trump, e as coisas estão ótimas ou qualquer um menos Lula.
Há, por fim, o elemento moral. Como os investidores podem apoiar um candidato com posições como as de Bolsonaro sobre mulheres, minorias e direitos humanos?
Essa é a pergunta mais fácil. Conheço muitas pessoas íntegras em Wall Street que sentem repulsa por Bolsonaro. Mas elas admitem em conversas particulares que não há espaço para sentimentos. Como me disse uma:
— Meu trabalho é garantir que os títulos sejam pagos na data. Quanto ao resto, cabe aos brasileiros decidir."
Então, a crermos na avaliação de Winter, estaríamos todos errados ao remontar Bolsonaro a Hitler, Mussolini e outros fascistas clássicos.
Ele seria, isto sim, um novo Augusto Pinochet, aquele ferrabrás que deu um dos golpes de estado mais sanguinários dos anos de chumbo e depois, no poder, portou-se como um miquinho amestrado dos economistas neoliberais, dando-lhes carta branca para fazer todas as reformas desumanas que tinham em mente, a ponto de haver recebido um atestado de boa conduta do próprio Milton Friedman:
Ele seria, isto sim, um novo Augusto Pinochet, aquele ferrabrás que deu um dos golpes de estado mais sanguinários dos anos de chumbo e depois, no poder, portou-se como um miquinho amestrado dos economistas neoliberais, dando-lhes carta branca para fazer todas as reformas desumanas que tinham em mente, a ponto de haver recebido um atestado de boa conduta do próprio Milton Friedman:
— O verdadeiro milagre chileno esteve na disposição de uma junta militar em contrariar os seus princípios e apoiar reformas de livre mercado, deixando que elas fossem implantadas por defensores sinceros dos princípios de livre mercado.
Ou seja, se o pesadelo de uma vitória bolsonarista se consumasse, teríamos um presidente fazendo demagogia barata com kits gays e quilombolas obesos, enquanto Paulo Guedes tomaria todas as decisões econômicas importantes, zelando para que os títulos brasileiros fossem pagos religiosamente na data aprazada.
Assim, os investidores de Wall Street dormiriam tranquilos e nós, brasileiros, mal conseguiríamos pregar o olho, tão preocupados e famintos que estaríamos.
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