quinta-feira, 2 de agosto de 2018

...E SE OS MINISTROS DA CORTE SUPREMA COMEÇAREM A SER ASSASSINADOS?

As aparências enganam. Apesar da foto (de divulgação do filme) acima, ninguém está sugerindo que se metralhe o Gilmar Mendes e o Ricardo Lewandowski. Nosso assunto, neste post, é o cinema político italiano. Deixemos as mazelas e as comédias de erros brasileiras para outra hora...

E a fita em questão é simplesmente uma dos melhores da década de 1970, embora não tenha obtido o merecido reconhecimento: Cadáveres ilustres, obra-prima do grande diretor Francesco Rosi (O Bandido Giuliano, O Caso Mattei, CarmenTrês Irmãos).

Mas, sua excelência não se deve apenas a Rosi. A novela na qual se baseia, O Contexto, é simplesmente um arraso. Seu autor, o siciliano Leonardo Sciacia, escreveu algumas das melhores obras de ficção existentes sobre a interligação entre a Máfia, o grande empresariado italiano e os partidos conservadores, quase todas inspiradoras de filmes marcantes: Condenado pela Máfia, O Dia da Coruja, Juízo Final, As portas da Justiça, O Conselho do Egito, etc.

O Contexto é seu melhor livro e Cadáveres Ilustres, o melhor filme de Rosi. Disparados!

Flagra um dos períodos mais conturbados da história italiana recente, os chamados anos de chumbo, quando a traição do PCI aos ideais históricos dos comunistas italianos (a ponto de tornar-se parceiro da nauseabunda democracia-cristã para ascender ao poder), causou imenso desencanto entre os jovens militantes idealistas e combativos, tangendo-os para a aventura da luta armada. 

Enquanto isto, uma extrema-direita de tradição fascista realizava atentados terroristas devastadores, verdadeiros banhos de sangue, como o desfechado contra a estação ferroviária de Bolonha, que matou 85 pessoas e feriu mais de 200.

Quando um cidadão indignado com os juízes começa a assassiná-los, sua vingança pessoal é absorvida pelo contexto, com  o sucessivo aparecimento de cadáveres ilustres criando tal alvoroço político que a coisa ameaça desembocar numa crise de grande magnitude. 

O terceiro grande destaque do filme é o extraordinário ator Lino Ventura, no papel do policial honesto que investiga os assassinatos e quer trazer a público a verdade, custe o que custar. Mas, na Itália daquele terrível momento, tratava-se de uma missão praticamente impossível.  A verdade nem sempre é revolucionária, afirma um dirigente comunista que perdeu a inocência, assim como tantos daqui. A frase é um primor de amarga ironia.  

E mais não conto para não incorrer em spoilers. Apenas recomendo enfaticamente Cadáveres Ilustres a todos os leitores que tenham espírito crítico e paladar requintado para, no espírito da frase célebre de Oswald de Andrade, saborearem o biscoito fino que Sciacia e Rosi fabricaram [as legendas em espanhol não são nenhum bicho de sete cabeças, dá para entendê-las facilmente]. 

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