quinta-feira, 5 de julho de 2018

CONTRADIÇÃO QUE ORA AFLORA COM TODA SUA FORÇA DESTRUTIVA E AUTODESTRUTIVA FEZ EUA SE TORNAREM PROTECIONISTAS – 1

GUERRA COMERCIAL ENTRE CHINA E EUA:
SIGNIFICADO E CONSEQUÊNCIAS

"Protecionismo é desastroso para todos... e pode fugir
do controle" (Roberto Azevedo, diretor geral da OMC)
A produção e comercialização das mercadorias sempre esteve dentro de um contexto de uma guerra de concorrência de mercado; e esta sempre significou a pujança de uns e a miséria de outros.

Agora, na era da globalização do comércio internacional, mais do que nunca tal disputa revela seu caráter segregacionista, além dos impasses que lhe são inerentes. 

No meio dessa guerra está a questão do valor do trabalho abstrato e sua obsolescência a partir do uso da tecnologia microeletrônica aplicada à produção de mercadorias, que aponta para a falência de um modo de mediação social que atingiu o seu ponto anacrônico irreversível e escancara o significado desumano de sua essência constitutiva.

A mais flagrante demonstração do caráter contraditório, segregacionista e autofágico do comércio internacional reside no fato de que os Estados Unidos, país tradicionalmente defensor do liberalismo de mercado passou a se comportar como defensor do fechamento de suas fronteiras às importações chinesas e de outros países. 

Por sua vez, o país de maior população mundial, a China, até há poucas décadas completamente fechado ao intercâmbio internacional, agora se tornou paladino do livre comércio. 

Podemos encontrar nas contradições da lógica capitalista o significado das questões que estão subjacentes a estas mudanças de interesses. Dissequemo-las en passant.

A DESCOBERTA DA SUBSTÂNCIA DO VALOR ECONÔMICO — Desenvolvendo as teses do economista Adam Smith (1723-1790), seu colega David Ricardo (1772-1823) descobriu que o valor econômico não era algo intrínseco ao objeto, mas sim derivava de outra mercadoria denominada força de trabalho, que, incorporada ao objeto produzido sob essa forma e transformado também em mercadoria, dá-lhe vida, estabelecendo-se como relação social criada.

Mas Ricardo positivou essa forma de relação social, enquanto coube a Marx (1818-1883) detectar a usura –ou o roubo, para ser mais direto– desse processo, que se dá sob a forma de extração de mais-valia; ou seja, diferenciando trabalho necessário, aquele remunerado pelo capital, do trabalho excedente, aquele não remunerado durante o mesmo tempo de uma jornada de trabalho diário, mas que se incorpora à mercadoria emprestando-lhe valor.

Não existe relação social sob a forma-valor se não houver a apropriação indébita do valor produzido pelo trabalhador (extração de mais-valia); não existe acumulação de valor se não houver dita apropriação; não existe capital se não houver trabalho abstrato. 

Qualquer sociedade mediada sob a forma-valor obedece ao critério dessa apropriação, que jamais pode ser distribuída após a sua realização, pois sua dinâmica exige mais e mais capital crescente. É por isto que as sociedades adeptas do chamado socialismo real sempre foram capitalistas de estado. 

Assim, o valor de cada mercadoria corresponde ao quantum de trabalho abstrato (porque é valor) nela incorporado. A variação de preço das mercadorias (que é conceito diferente de valor) corresponde à flutuação que ocorre no mercado em razão da lei da oferta e procura. 

Este conceito, inequivocamente aceito pela economia e por quantos estudam a matéria, é a chave para se compreender o que está a ocorrer no mercado internacional entre os Estados Unidos e a China, adiante comentado. 

Evidentemente, quem produz mais mercadorias e extrai mais-valia em maior volume global acumula mais capital e se torna detentor do poder estabelecido pela riqueza abstrata, ou riqueza econômica. 

O valor, riqueza abstrata, representada pelo dinheiro (sua expressão numérica) e pelas mercadorias sensíveis que servem à satisfação de necessidades de consumo, aproveita-se deste último fator para existir.

Tal fator não é, contudo, o fundamento de sua existência, a qual se resume a uma reprodução tautológica vazia de sentido social humano ad infinitum; ou seja, que se trata de um fim em si.

Ora, uma forma de relação social que se distancia do objeto teleológico dessa mesma relação social (o qual, teoricamente, é a satisfação de necessidades coletivas de consumo) tão logo isto se faça necessário por imposição de sua dinâmica existencial, evidentemente tende a exaurir-se a si mesma em algum momento. 

É o que está a ocorrer atualmente.

Paradoxalmente, o valor que nasce do trabalho abstrato tende, agora, a eliminar esse mesmo trabalho abstrato em razão da guerra concorrencial de mercado, que impõe a redução dos custos de produção das mercadorias (que tende sempre a zero por essa lógica) como um imperativo para se obter a vitória na guerra mercadológica. Essa eliminação de custos somente pode ocorrer com a redução quantitativa (número de trabalhadores) ou qualitativa (redução de salário per capita). 

Esta é uma contradição fundamental, e que está na base no atual conflito de mercado sino-estadunidense.
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POR QUE OS EUA NECESSITAM TANTO DO PROTECIONISMO? — Há muito tempo que os Estados Unidos se sustentam como nação rica em razão de alguns fatores que tendem a se exaurir ao longo do tempo. Neste sentido, está cada vez mais próximo o momento em que a verdade virá à tona ou alguns dos seus mecanismos de dominação deixarão de ter eficácia. 

Um país que vem acumulando déficit na sua balança comercial (ou seja, importa mais do que importa) em consecutivos anos e mesmo assim mantém intacto seu poder de compra, somente obtém dito milagre por artifícios insustentáveis no longo prazo. 

No caso estadunidense, a capacidade de compra se deve a vários fatores:

— emissão de títulos da dívida pública que são continuamente renovados com taxas de juros baixas e que subsidiam a crescente dívida pública e privada;

— emissão de moeda sem lastro (o dólar, moeda internacional) para cobrir todo tipo de déficit, como se viu quando do estouro da bolha financeira imobiliária. Se não fosse o socorro dos Bancos Centrais com ditas moedas (aí incluída a União Europeia, com o euro), teria havido um tsunami no sistema de crédito;

— produção e venda de mercadorias patenteadas, de conteúdo científico, monopolista (como um remédio capaz de curar doenças graves), cujo preço de venda é bem superior ao seu valor intrínseco (aquele medido pela quantidade de trabalho abstrato nelas coagulado); 

—  empréstimos do sistema de crédito bancário para os países periféricos com juros altos que geram receitas e impostos para os bancos ali sediados, entre outros fatores de menor importância. 

Por Dalton Rosado
Essa sustentação artificial não pode durar para sempre. O déficit permanente na balança comercial torna cada vez mais necessário um ajuste de contas, sem o qual evidenciar-se-á a insolvabilidade estadunidense, bem como a fragilidade de sua moeda dissociada da produção de mercadorias, que mais não é do que dinheiro sem valor (o dólar exportado não causa inflação interna). 
(continua neste post)

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