Por Celso Lungaretti |
Na noite da última 5ª feira (31), quando apareceu no site da Folha de S. Paulo o artigo de Allan Abreu dando conta de que a Agência Brasileira de Informações estava investigando a óbvia tentativa golpista embutida na paralisação dos caminhoneiros, acreditei que finalmente o gênio sairia da garrafa, com a imprensa passando a dar o destaque devido à gravíssima ameaça que nos rondou.
Ledo engano. Parece estar havendo um pacto de acobertamento ou minimização entre os principais veículos, como se reconhecer o que saltou aos olhos fosse levar água para o moinho da esquerda ou alimentar um inimigo que fracassou desta vez mas pode tentar de novo, inclusive incorporando as lições do episódio: o que ficou faltando para se colocar o Brasil sob nova ditadura?
Foi o que aconteceu com os golpistas derrotados em agosto de 1961. Eles corrigiram detalhes, prepararam melhor o bote e, ao voltarem à carga 19 meses depois, estavam preparados para obterem êxito, iniciando um período de trevas que se prolongaria por 21 intermináveis anos.
Se a atitude da grande mídia é até compreensível, fico pasmo com ela estar mais ou menos sendo imitada nas redes sociais. Parece que, como em alguns filmes de terror toscos, há gente com paúra de dizer o nome do que não quer se materialize. Ou com medo de virar alvo dessa escória caso ela acabe prevalecendo. Ou com medo da própria sombra, quem sabe...
Felizmente, ainda há quem cumpra dignamente o seu dever de jornalista e de idealista a serviço das boas causas, como o André Singer, que chegou a ser porta-voz e secretário de Imprensa durante a presidência do Lula. Ele bota o dedo na ferida, como muitos outros também deveriam estar botando. O seu artigo merece ser reproduzido na íntegra:
O PUTSCH DOS CAMINHONEIROS
No futuro, pesquisadores irão contar como, de fato, se deu o desarme da bomba autoritária que rondou o Brasil na boleia de um caminhão desgovernado entre a manhã da 6ª feira (25/5) e a da 3ª (28).
Por André Singer |
Na noite anterior às quatro jornadas semi-caóticas, a Presidência da República, enfraquecida e acuada, havia feito concessões e firmado um acordo com os revoltosos. No entanto, durante 96 horas nada se mexeu, criando o mais perigoso vazio desde a redemocratização de 1985.
Parada, a nação assistiu grupos condicionarem a liberação das estradas a uma intervenção militar. Enquanto a sublevação ganhava o comando do espetáculo, um silêncio sepulcral emanava das instituições. Apenas quando o pior tinha passado, forças políticas saíram da letargia para defender o regime democrático.
No meio da paralisia, o desconcerto era tamanho que cheguei a pensar tratar-se de mera encenação temática para comemorar os 80 anos do putsch integralista contra Getúlio Vargas.
Mas diferentemente de 1938, quando tentaram tomar o palácio presidencial à força, os manifestantes de 2018 não gritavam anauê nem usavam o sigma na camisa uniformizada.
Contavam, porém, com um candidato a presidente que, em alguns cenários, beirava os 20% das intenções de voto, enquanto Plínio Salgado, líder das tropas de assalto verdes, só chegou a 8,3%, em 1955.
Convém notar, igualmente, que os atuais defensores da ditadura não se encontram (ainda) estruturados em milícias com treinamento militar, como ocorria com os integrantes da Ação Integralista Brasileira.
O uso da violência, contudo, vem-se tornando recorrente. Tiros sobre a caravana de Lula no sul, disparos contra membros do acampamento de Curitiba e a pedra que matou um motorista em Rondônia na 4ª (30) constituem indícios suficientes.
Também a proximidade entre civis e militares chamava a atenção. Assim como o capitão Olympio Mourão Filho —futuro detonador do golpe de 1964— era o chefe do estado-maior da milícia integralista, há generais da reserva que apoiam Jair Bolsonaro.
Mas de repente, sem que fosse necessário prender as lideranças do levante, a normalidade começou, lentamente, a se restabelecer.
Será que o anúncio, pela presidente do STF, de que em três semanas seria julgada a ação relativa ao parlamentarismo teve algum papel indireto na desmobilização das rodovias?
Ou, apenas, como escreveu o jornalista Bruno Boghossian, “os políticos alinhados à farda querem assumir o poder pela porta da frente” (eleições)?
Por ora, ignorantes, fiquemos com a impagável frase de Michel Temer: “Graças a Deus estamos encerrando essa greve”. Só a Deus.
9 comentários:
O grande problema dos analistas de "esquerda" é que não assumem a sua parte de culpa nesse avanço da militarização a qual chegamos. Análise totalmente parcial e emocional. Ao longo de vários anos no poder se uniram ao grupo podre de Renans Sarneys Temers Jucás e por aí vai. Não tiveram a capacidade e não quiseram quebrar a hegemonia desse grupo. Deram o famoso pé na bunda dos companheiros que ainda tinham ideais verdadeiros de esquerda. Cito alguns: Paulo de Tarso Venceslau, Dalton Rosado, Heloísa Helena, Cristóvão Buarque. E agora estão preocupados em livrar o Lula que institucionalizou a corrupção.
Henrique,
você está fazendo uma análise da postura de analistas de esquerda em geral e não da do André Singer em particular. Parece-me que ele se mostra, isto sim, preocupado em livrar o Brasil de um retrocesso às trevas ditatoriais. E esta é, realmente, nossa prioridade neste momento.
Celso, é óbvio que a volta dos militares é algo altamente repugnante e farei a minha parte em combater. O que me angustia e me causa um certo repúdio é o Singer dar o mesmo significado para "os tiros sobre a caravana do Lula" e "os disparos contra membros do acampamento de Curitiba" com "a pedra que matou um motorista". Querer igualar o tiro e os disparos contra o Lula com a pedrada contra o caminhoneiro me soa como algo, no mínimo, dissimulado (para não dizer outra palavra com conotação mais forte). Todos sabem que uma das bandeiras dos militares de 64 foi a corrupção, não apenas o perigo comunista. Portanto, os adeptos do Partido dos Trabalhadores precisam de uma vez por todas reconhecerem que eles têm uma participação significativa no crescimento de um tal de Bolsonaro.
Não podemos vomitar algo que não comemos, uma minoria que não representam o grande número de caminhoneros trabalhadores, a maior greve da história do país, sem o apoio dos "sindicatos " e dos que se dizem ! Líderes de movimentos, uma grande parte da esquerda que aprendeu a se posicionar seguindo um " homem " e que nunca foi capaz de produzir um movimento como esse, agora diz que iria surgir um golpe .! Acordem , até quando vão ficar com esse discurso falido, a grande maioria desses manifestantes usam chinelo de dedos e são desqualificados e conseguiram fazer as pessoas entender que as mercadorias não nasceram nas prateleiras dos supermercados, pergunto aos intelectuais em que livro ele achará a solução para esse problema! Provavelmente não sabe o valor de um pão. .
Henrique,
nisso você está certo. A intimidação violenta aos caminhoneiros que não queriam aderir à mobilização e o homicídio (suponho) culposo cometido contra um deles foram muito mais graves.
E é extremamente desanimador ver a esquerda festiva de hoje, que é toda petista, defender intransigentemente a inocência do Lula, como se o presidente em cujos governos a corrupção atingiu o ápice não tivesse, no mínimo, fechado os olhos à existência do mar de lama.
Pode-se discutir horas se os favorecimentos às Odebrechts da vida foi retribuído com sítios, triplex, financiamento para o Instituto Lula, contratação do Lula como palestrante, etc.
Mas, é chocante essas pessoas pretenderem ser de esquerda e não se darem conta de que o pior de tudo foram os favorecimentos às empreiteiras e a outros tubarões do capitalismo EM SI, e não o motivo pelo qual o PT traiu tão descaradamente os princípios da esquerda: não só praticou a corrupção que afirmava ser uma mazela dos políticos de centro e direita, como o fez com os piores inimigos de classe.
Eu, que fui preso político de verdade e tive minha vida quase destruída, fico enojado ao ver tratarem o Lula como "o único preso político do Brasil atual". Na verdade, ele não passa do único presidente da República envolvido com corrupção que acabou preso; outros também poderiam ter sido encarcerados, mas nos casos deles se fizeram vistas grossas.
Abs.
Ao anônimo, lembro que greves de trabalhadores visam à obtenção de melhor remuneração e/ou melhora das condições de trabalho, não se eternizando depois que isto é conseguido e nem criando um pandemônio nas rodovias, que infernizou a vida de quem simplesmente exercia seu direito de ir e vir e não tinha nada a ver com aquilo.
Afora todas as denúncias comprovadas de participação de elementos estranhos à categoria, a própria condução do movimento denuncia que havia o objetivo político de convulsionar o máximo possível a sociedade.
Para quê? Ao que tudo indica, para derrubar o presidente e entregar o poder para militares que nem sequer o querem, pois sabem que seria um espinhoso abacaxi para descascarem, com enorme chance de fracassarem de novo e terem-no de devolver aos civis (como aconteceu da última vez).
O surgimento do Bolsonaro que não tem partido e nem um grupo organizaçãozado em volta deveu se a conveniência do PT
com a megacorrupcao.
Quando me falam em intervenção militar sempre pergunto qual delas?A dos capitães portugueses de abril, as dos corineco de Jakarta, as do generais tipo Chaves.? Fico sem resposta.
Sílvio,
na verdade, como eternos macaquitos dos EUA que somos, a vitória eleitoral do Trump provocou por aqui uma procura de possíveis candidatos outsiders capazes de repetir o mesmo efeito.
Foi aí que o Bolsonaro acreditou ter chegado o seu momento e passou a desperdiçar tempo em período integral com sua "incrível candidatura Brancaleone"...
É o adversário que 10 entre 10 presidenciáveis gostaria de enfrentar no 2º turno.
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