A DEFESA SISTÊMICA PELA
DITADURA JURÍDICO-PROCESSUAL
Nada mais perigoso para uma sociedade do que quando, em nome do respeito à legalidade instituída (imposta pela sistema), praticam-se atos jurisdicionais flagrantemente achacadores dos direitos fundamentais do ser humano.
A decisão da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, que forma jurisprudência jurisdicional vinculante, determinando que devedores de estabelecimentos de ensino privados, quando inadimplentes, tenham suas carteiras de habilitação para a condução de veículos suspensas, é o exemplo mais bem acabado e inconteste de tal achaque institucional.
Quando eu era estudante, já no primeiro ano da faculdade estudávamos direito romano, por ser a base de todo o direito civil do mundo ocidental e, particularmente, do brasileiro.
Não é por menos que o Império Romano, baseado na força escravista de suas legiões (que subjugavam pela força os povos predominantemente rurais), tenha moldado toda a lógica do nosso direito civil.
Em que pese tamanha sapiência jurídica num período da humanidade ainda tão inculto, não há dúvidas de que o direito romano era a sofistica elaboração do pensar usada para a opressão do povo escravizado e inculto. Basta sabermos que na Roma do início da era cristã, com cerca de 1 milhão de habitantes, 80% deles eram escravos.
Na Roma antiga ter calos nas mãos era sinônimo de subalternidade, de vez que os cidadãos romanos eram, como dizem as minhas filhas, muito merecidos.
O direito romano estabelecia que um devedor inadimplente passava a ser escravo do seu credor.
Foi também no direito romano que se criou o moderno conceito de propriedade, uma abstração jurídica capaz de abranger direitos sobre grandes somas de riqueza abstrata e material, como substitutivo do direito de posse individual (expressão do valor de uso) e não do corruptivo valor de troca (gênese da forma-mercadoria).
Um exemplo disso foi o instituto feudal da emphiteuse, mecanismo jurídico pelo qual o vendedor de terras (usurpadas pela legiões romanas) poderia vendê-las reservando-se direitos eternos sobre o comprador mediante pagamento de uma espécie de aluguel (foros) e uma taxa de transmissão (laudêmio); até entrar em vigência nosso novo Código Civil (no início de 2002), ainda era possível de ser instituído no Brasil (aliás, o direito adquirido anteriormente por essa forma ainda vige).
Não é por menos que o nosso direito civil, calcado no escravista direito romano (e hoje sub-repticiamente continuado pela escravidão do trabalho abstrato, produtor de valor), perpetue o espírito das cultas, mas opressoras leis romanas.
Pois bem, eis que no ano de 2018, em pleno século 21, retrocedemos ao jugo escravista romano, por força da decisão jurisdicional de semideuses da magistratura que se colocam acima de qualquer direito natural do ser humano.
Como se admitir que a educação, dever constitucional do estado (capitalista) e direito do cidadão (o indivíduo social assim classificado como forma de sua subjugação sob o argumento falacioso da sua proteção pelo estado, mas sujeito passivo da cobrança coercitiva e extorsiva de impostos – leia-se dinheiro), um serviço público por excelência nas decrépitas sociedades mercantis, mas privatizado pela falência estatal, tenha o condão de suprimir direitos fundamentais do ser humano como a retenção de carteira de habilitação para a condução de veículos?
Como se admitir tal restrição de direitos a um cidadão por ter-se tornado inadimplente diante de uma mesma ordem de produção que condena ao desemprego cerca de 13% de toda a sua mão-de-obra economicamente ativa (hoje são aproximadamente 13,7 milhões de brasileiros jogados no desespero, sem nenhuma possibilidade de assistência social)?
Como se admitir que tudo isso aconteça em nome do interesse dos empresários desse bem da humanidade (a educação), transformada em mercadoria, e que é preciosa para cada um e para o todo social?
A insensibilidade jurisdicional atingiu o estágio de escárnio popular. Somente a insensibilidade de quem se considera situado num pedestal inatingível de poder estatal pode explicar tal aberração jurisdicional.
Nós não podemos aceitar que uma esfera do poder estatal, justamente aquela responsável pela hipotética distribuição da justiça contida no nosso ordenamento jurídico (que já é opressor pelo conteúdo da sua própria natureza legiferada) extrapole desse mesmo ordenamento jurídico e se constitua num poder legislador coercitivo e opressor.
Não podemos aceitar que o poder Judiciário se invista de um poder ditatorial sob o manto de uma legalidade contida no dito estado democrático de direito, colocando-se acima do bem o do mal.
E como fica o Ministério Público diante disto? Como sabemos, constitucionalmente o MP é o fiscal do cumprimento da lei e o defensor da sociedade.
Ocorre, entretanto, que a lei, legiferada por um parlamento com a qualidade que se costuma ter graças ao padrão social mediado pela forma-valor, com a vontade popular sendo manipulada eleitoralmente, não podia ser diferente do que é.
Assim, o MP é o guardião da injustiça legalizada, institucional, condenatória, ainda que se queira dar a ela uma dose de humanismo chamada de direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, o Ministério Público está adstrito à legislação existente, o que já denota a defesa de uma ordem jurídico-social segregacionista.
Infelizmente, o Ministério Público deixa muitas vezes de praticar a defesa da sociedade mesmo nos já precários direitos individuais e coletivos existentes, para considerar como criminosa práticas não previstas no ordenamento penal, ou outras práticas que considere passivas de condenação pecuniária pelo nosso ordenamento civil.
O MP, na maioria das vezes, confunde a sua função constitucional, entendendo que sua função seja a de acusar, independentemente da veracidade da acusação, quando seu papel deve ser, sempre, o de defensor público social.
Destarte, quando o Ministério Público, com seu poder de polícia, se junta ao poder Judiciário no sentido de dar juridicidade a práticas flagrantemente injustas e opressoras, forma-se um elo ditatorial que termina por se constituir numa chancela irrevogável da injustiça. (por Dalton Rosado)
Não há maior injustiça do que a de uma condenação injusta; é mil vezes melhor se absolver um culpado do que se condenar um inocente. (por Dalton Rosado)
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