sexta-feira, 20 de abril de 2018

SEMANA TIRADENTES/7 = OS PERSONAGENS DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA NAS TELAS

Tiradentes (José Wilker) e Silvério dos Reis (Wilson Grey)
Os Inconfidentes (1972), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, é uma reflexão ousada e dolorosa sobre as ações e hesitações dos intelectuais em tempos de transformação política. 

Baseado nos chamados Autos da Devassa e lançando mão fartamente dos poemas dos próprios inconfidentes, o filme retrata com ironia e distanciamento brechtianos o cipoal de intrigas e traições que resultou na revolução abortada e no enforcamento de Tiradentes (interpretado por José Wilker).

...Com movimentos longos e lentos, a câmera acompanha o balé dos conspiradores nas idas e vindas de seus conchavos, configurando uma sutil e complexa coreografia moral. A postura dos personagens é quase hierática, a dicção é de tribuna. É como se eles falassem conscientemente para a posteridade. 

O que dá vida, pulsação e verdade a esses revolucionários de gabinete é, a par da ambientação nas cidades históricas e montanhas de Minas Gerais, a extraordinária competência de um punhado de atores: Fernando Torres, no papel de Claudio Manuel da Costa; Luís Linhares (Tomás Antônio Gonzaga), Paulo César Pereio (Alvarenga Peixoto), Nelson Dantas (Padre Toledo). 
Nesse ambiente de modesta aristocracia, em que os escravos negros aparecem quase como parte da mobília das casas, a figura de Tiradentes é um corpo estranho e até incômodo, uma espécie de porra-louca que parece ser o único a acreditar de fato na insurreição. 

Mantida sob rédea curta, a ironia se manifesta em alusões sutis ao momento político em que o filme foi feito (o papel dos militares, a dependência externa, a situação dos presos políticos), até explodir no final, em que se exibe um cinejornal chapa-branca sobre as comemorações da Inconfidência.  (por José Geraldo Couto)

* * *

Tiradentes, mártir da independência (1977), dirigido por Geraldo Vietri, faz parte de uma leva de filmes financiados pela ditadura militar depois que Independência ou morte (1972) correspondeu bem ao objetivo do regime, de insuflar patriotismo ufanista como ingrediente da comemoração dos 150 anos da declaração da independência. 


Reproduzindo diretrizes de institutos e agências de propaganda política daqueles governos autoritários, foram produzidos filmes apologéticos, exaltando os personagens da História Oficial. Este mostra a trajetória de Tiradentes desde os primeiros momentos da conspiração até a morte na forca. 

* * *
Oswaldo Caldeira: nem didático, nem convencional
Tiradentes (1999), na visão do seu diretor, Oswaldo Caldeira: "Eu quis fugir da imagem oficial, consagrada na campanha republicana e reforçada pelos governos militares, que era a de um Tiradentes divinizado, um mártir sofrido, inspirado em Cristo. 

Eu quis fazer um Tiradentes viril, aventureiro, sensual, lutador. Um cara para cima, que construía estradas, conhecia mineralogia e rudimentos de medicina. Mas também com um lado ingênuo, quixotesco, frágil.

Lendo os autos da devassa, me dei conta da mistura da vida cotidiana com as articulações da Inconfidência. 
Por exemplo, o Alvarenga Peixoto se atrasa para uma reunião por estar jogando gamão. Alguém lhe entrega um bilhete, cobrando sua presença, e ele responde que depois que parar a chuva ele vai. É o herói que não se molha. Eu quis fugir da narrativa causal tradicional e mostrar o entrelaçamento entre o cotidiano (a compra do peixe, o namorico, gamão) e coisas ditas sérias.

O que constatei, pelos autos, é que o movimento que tentou implantar pela primeira vez a nação é a narrativa do não. 'Você estava na conspiração?' 'Eu não. Fulano estava, mas eu não. Nesse dia eu estava comendo peixe'... Esse labirinto, essa pluralidade de agentes e vozes, é que é fascinante para mim, mais que uma interpretação fechada sobre o movimento. 

...o filme tem isso do cinema dentro do cinema: thriller, drama, aventura, citações literárias, teatro. Eu quis fazer um filme agradável, mas me reservo o direito de não ser didático, nem convencional".

* * *

A trama de Joaquim (2017), dirigido por Marcelo Gomes, (se desenrola em torno de um homem íntegro, diligente, fiel às ordens da Coroa portuguesa e apaixonado pela escrava Preta (Isabél Zuaa). 

O alferes Joaquim (Júlio Machado) acredita que sua fieldade e diligência iriam lhe trazer a tão esperada patente de tenente e que as pedras que encontrou em sua cansativa e perigosa expedição aos sertões proibidos pudessem lhe render dinheiro suficiente para comprar a liberdade de sua amada.

Mas nem uma coisa nem outra acontecem: Joaquim percebe que quem roubava muito ia para frente e quem roubava pouco, ou nada, ficava para trás naqueles Brasis setecentistas. Preta, por sua vez, havia fugido para um quilombo após esfaquear o administrador a quem foi obrigada a servir sexualmente. Joaquim vai atrás dela e, ao reencontrá-la, seu grande amor o despreza.

E o único companheiro fiel, seu escravo João (Welket Bungué) pede que Tiradentes o venda para a esposa dele, que havia conseguido juntar o dinheiro para comprar a sua alforria.

Tem início a tomada de consciência daquele que viria a ser, talvez, o nosso único herói nacional. Joaquim toma conhecimento de ideias iluministas e da independência americana, se aproxima dos fidalgos inconfidentes, para ser, mais uma vez, usado por eles como bode expiatório de um levante fracassado. (por Claudio Albuquerque)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails