quinta-feira, 19 de abril de 2018

MAIS UM IMPRESCINDÍVEL QUE SE VAI: PAUL SINGER. EIS UM ARTIGO QUE ELE ESCREVEU HÁ 10 ANOS E SE REVELOU PROFÉTICO – 3

(continuação deste post) 
Paul Singer (1932-2018)
A profissionalização cada vez mais completa do partido altera o seu relacionamento com os movimentos sociais, ONG's, sindicatos, núcleos de bairros ou de empresa. 

Antes, os dirigentes e militantes do partido pertenciam a entidades de luta da sociedade civil e seus laços com elas não se rompiam quando passavam a dedicar mais do seu tempo livre ao partido. Em certo sentido, representavam os movimentos no partido mais do que o partido nos movimentos, porque sua lealdade com estes últimos era mais antiga, era de origem. 

Quando se profissionalizam, dirigentes e militantes passam a depender vitalmente do partido para seu sustento e para sua carreira. Logo, representam o partido perante os movimentos e não mais o inverso.

partido oculto só visa a uma coisa: ganhar eleições. Para ele, as entidades de luta e os amadores são meios para o fim maior. Ao contrário do partido manifesto, que se identifica com as classes subjugadas e encampa inteiramente suas aspirações, o partido oculto só se identifica com seus próprios objetivos políticos. 

Para ele, movimentos e amadores são aliados, cujo valor se mede pelo número de votos que proporcionam aos candidatos partidários. Portanto, se dispõe a atender as reivindicações dos mesmos apenas na medida do seu valor eleitoral.

O que marca o partido subterrâneo é a sua pantagruélica fome de dinheiro. Tudo o que ele faz custa dinheiro e, na medida em que o partido cresce e passa a aspirar ganhar as eleições majoritárias em todos os níveis, surge a necessidade de gastar cada vez mais. 

O partido subterrâneo já é um partido comum, inserido clandestinamente nas roupagens dum partido de esquerda. Menospreza os preconceitos pequeno-burgueses dos amadores e se lança, sem mais, à captação de mais e mais dinheiro. 

Capta contribuições não contabilizadas de empresas e banqueiros, em troca de compromissos não divulgados. E capta contribuições de concessionários de serviços públicos, de fornecedores de obras e serviços a governos, que o partido controla em maior ou menor medida. Para que isso seja possível, torna-se necessário que postos-chave destes governos sejam entregues a agentes do partido subterrâneo.

O mergulho do partido subterrâneo no mundo da delinquência e da corrupção é apenas um passo a mais no processo de adoção do modo de ser dos partidos rivais. Este mundo já existia desde que o poder passou a ser disputado por eleições e que o governo passou a gastar uma fatia cada vez mais considerável do produto nacional. Ou seja, muito antes da fundação do partido de esquerda.

A experiência histórica dos países capitalistas democráticos mostra de que não há como evitar a corrupção no setor público por meios burocráticos de controle, fiscalização e auditoria. Pela simples razão de que a fiscalização, o controle e a auditoria são executados por seres humanos subornáveis. De modo que – quanto mais pessoas forem engajadas no combate à corrupção – esta terá o seu preço mais elevado, porque serão mais mãos a serem engraxadas (*).

Esta visão reconhecidamente cínica da moral pública se baseia na hipótese de que a corrupção é imprescindível à disputa eleitoral do poder de estado no capitalismo. 

O poder econômico dominante evidentemente se restringe a uma minoria e jamais ganharia qualquer eleição honestamente, isto é, sem enganar grande parte dos eleitores, ao tratá-los como compradores. Os capitalistas dominam em parte os aparelhos ideológicos – os meios de comunicação de massa, a educação escolar, a cultura de massa – mas isso não basta. Para reter influência sobre os eleitos, que exercem o poder de estado, eles têm que transformar os prélios eleitorais em espetáculos e cada vez mais caros.

Não se trata duma conspiração dos capitalistas para abastardar a democracia. Tudo acontece de modo natural. As massas pobres, as incultas, as que são ocupadas inteiramente pelos seus sofrimentos pessoais e as muitas que se divertem assistindo o desenrolar da história como espectadoras formam grande parte do eleitorado. 

Cabe ao partido de esquerda despertá-las – conscientizá-las, dizíamos pretensiosamente no século passado – oferecendo-lhes uma educação política, que só é eficaz quando unida à prática das lutas sociais. A paixão do partido de esquerda mostra que isso é possível, que dá certo. É verdade que à paixão se seguiu a decadência, o que foi natural mas não fatal.

NATURALIDADE E FATALIDADE – Quando dizemos que uma história é natural, queremos dizer que ela não é artificial, ou seja, que ela não é um artifício deliberadamente produzido por alguma mente pervertida. 

O natural é o mais fácil, é o que não exige um esforço deliberado, superando obstáculos, para acontecer. Tal esforço para evitar que o natural ocorra, é possível. Só por isso, o natural não é fatal.

No caso do partido de esquerda, a decadência talvez pudesse ter sido evitada. Ela não o foi porque tudo aconteceu de modo tão sorrateiro. O partido subterrâneo se desenvolveu sem se dar a conhecer, sem assumir suas verdadeiras feições. 

O partido de esquerda não deixou de mostrar que mudava enquanto crescia, mas estas mudanças foram submetidas ao escrutínio dos inscritos no partido, o que de alguma maneira ocultava seu significado. A construção da linha ideológica continuou nas mãos de amadores, de modo que as mudanças adquiriam a aparência de conexão e compatibilidade com os valores e princípios do partido.

Subitamente, uma crise política, originada por um fato fortuito, rasga os véus e deixa ver as feições nada atraentes do partido subterrâneo. O partido de esquerda se encontra em estado em choque. 

Os amadores, embora afastados da direção, haviam, em grande número, acompanhado a vida do partido, participando ocasionalmente dos seus governos. Para estes se coloca o desafio: constitui a crise a oportunidade histórica de redimir o partido de esquerda, separando-o completamente do seu hóspede oculto?
A crise política oferece uma oportunidade histórica única ao partido de esquerda de encarar sua trajetória natural e de refaze-la de forma radicalmente diferente. Na realidade, a crise torna impossível ao partido de esquerda continuar ignorando o que se havia desenvolvido em seu seio. Se ele continua democrático na determinação de seus rumos, cabe aos filiados decidir o que desejam: 
  • seguir adiante na rota da decadência, até que o partido subterrâneo tenha se apossado por inteiro do partido manifesto, tornando-o indistinguível de qualquer outro; 
  • ou, então, livrar-se do partido subterrâneo por completo e marchar num novo rumo, que permita prescindir dele, no presente e no futuro.
É freqüente que partidos de esquerda adotem métodos de fazer política que caracterizam partidos comprometidos com a manutenção dos status quo. Eles o fazem porque estes são os métodos que possibilitam ganhar eleições.

A profissionalização mais o marketing dão acesso ao poder, que oferece oportunidades de captar recursos que cobrem o custo dos aparelhos partidários e das campanhas.

Mas, é evidente que estes métodos não são compatíveis com os objetivos do partido de esquerda.

Abster-se de adotar tais métodos, por parte do partido de esquerda, não significa abrir mão de ganhar eleições mas  disputá-las de outra maneira. Esta consiste, basicamente, em tratar de conscientizar o eleitorado, particularmente os segmentos desprivilegiados do mesmo. 

O objetivo seria conquistar votos com argumentos que comprometam os eleitores com a mudança social almejada. Porque só este tipo de voto elege um governo que queira e possa dar todo o apoio aos movimentos, que serão os protagonistas da mudança que visa ao socialismo.

Em contraste, o voto conquistado pelo marketing tende a eleger governos comprometidos com os interesses que pagaram a conta do marketing.
* Entre os servidores públicos há gente insubornável. Se estas pessoas fossem colocadas nos centros de decisão sobre compras de bens e contratação de serviços, a corrupção poderia ser extirpada. 
Mas, deixando de lado honrosas exceções, os que encabeçam os aparelhos de estado, em todos os níveis, precisam da corrupção porque ela é o ingrediente essencial de suas carreiras: sem o dinheiro escuso eles não teriam se elegido e não teriam chance de continuar ganhando eleições. Logo, são os insubornáveis os que acabam sendo afastados.
(continua neste post)

2 comentários:

Unknown disse...

Eu acho que você esqueceu de publicar a parte 2, pois está escrito parte 3 no título e parece faltar alguma coisa entre esse texto e o anterior

celsolungaretti disse...

Parabéns, Lucas, você realmente leu o texto com atenção!

O que havia era um trecho que eu deveria ter colado no início do post nº 3 mas, distraído, coloquei no final. Agora está tudo no lugar certo.

Obrigado pelo toque. Um abração!

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