quarta-feira, 18 de abril de 2018

MAIS UM IMPRESCINDÍVEL QUE SE VAI: PAUL SINGER. EIS UM ARTIGO QUE ELE ESCREVEU HÁ 10 ANOS E SE REVELOU PROFÉTICO – 2

(continuação deste post)
Paul Singer (1932-2018)

DECADÊNCIA – O partido atinge o seu auge, enquanto partido de esquerda, quando a grande maioria do eleitorado de esquerda o apóia, ao menos nas urnas. 

Outros partidos de esquerda se curvam diante de sua superioridade eleitoral, dispondo-se a apoiar seus candidatos ao executivo, algumas vezes em troca duma coalizão para as eleições proporcionais aos legislativos. 

Mas, como o eleitorado de esquerda não constitui a maioria absoluta dos votantes, o partido de esquerda precisa ir mais adiante e conquistar votos no eleitorado apolítico.

Mas, isto exige mudança dos métodos de campanha. Esta precisa ser dirigida por profissionais, que exigem, por sua vez, que a execução das tarefas também seja feita por profissionais. 

É que o eleitor apolítico não liga para a inclinação mais a direita ou mais a esquerda do candidato. Tampouco liga para suas promessas, pois todos os candidatos fazem as mesmas promessas, resultantes de pesquisas de opinião, feitas todo dia durante o auge da campanha, em que os anseios e receios dos eleitores são auscultados.

O que importa ao eleitor apolítico, ao que parece, é a aparência física do candidato, se é saudável, bonito, bem cuidado, bem vestido, bem humorado…  

Também importa a vida pessoal do candidato, pois o eleitor apolítico quer votar numa pessoa bem intencionada, de bom caráter, bom pai, mãe, filho, vizinho, amigo, patrão, colega… Por isso, a presença e o depoimento de pais, cônjuges, filhos e netos são tão importantes. Supõe-se que os apolíticos votam por piedade, compaixão, simpatia, identificação, ou por temor, ojeriza, desprezo etc. do candidato contrário.

Disputar votos num eleitorado com estas características requer muita sorte ou um marqueteiro extraordinário. A escolha, pelo apolítico, do candidato em que vai votar,  é  governada por fatores aleatórios. 

A única certeza de cada candidato é que o volume de dinheiro a ser gasto na campanha pode ser decisivo. Com dinheiro pode-se atrair a atenção do eleitor por mais tempo e enquanto ele se fixa em nós ele não pode se fixar nos outros candidatos. Daí a importância primordial do dinheiro nas campanhas que visam o grande eleitorado politicamente amorfo.

Já foi notado abundantemente que campanha eleitoral profissional se assemelha a campanhas de propaganda comercial. Em ambas prevalece o apelo à imagem, aos sentimentos e à fantasia. É bastante controverso se estas campanhas – tanto a eleitoral como a comercial – são em si mesmas eficazes, ou seja, se convencem eleitores e compradores. Mas, enquanto alguns candidatos usarem tais campanhas, os demais vão sentir-se obrigados a fazer o mesmo.

Cria-se um círculo vicioso. Campanhas deixam marcas em seus objetos. Eleitores, que são continuamente embalados por campanhas que procuram ganhar sua simpatia divertindo-os, se acostumam com elas e simplesmente desligam a TV se nela aparece um candidato que se dirige ao seu intelecto, diagnosticando problemas e propondo soluções. A resposta condicionada do eleitor em resposta ao estímulo destas campanhas torna-as aparentemente indispensáveis aos candidatos que pretendem vencer a qualquer custo.

Deste modo, o cidadão apolítico é continuamente despolitizado exatamente quando poderia ser educado politicamente pelo embate eleitoral de candidatos representando idéias, valores e interesses distintos. 
Despolitização e profissionalização das campanhas eleitorais são duas faces da mesma moeda. A arte de ganhar a preferência do eleitor-consumidor exige grande profissionalismo, especialização profissional. Cada campanha importante, por exemplo presidencial, é palco de duelos entre grandes talentos publicitários e suas caras equipes. 

Este tipo de campanha, quando não escamoteia inteiramente os aspectos políticos, tende a caricaturá-los. O que se esgrime não são argumentos mas sátiras, farsas, quando não calúnias, insinuações. Também neste terreno, o profissionalismo faz prova de sua excelência.

A partir deste momento, a paixão oculta do partido de esquerda é dispor de dinheiro no maior montante possível. Dinheiro é voto e voto é poder. Só falta completar o ciclo: e poder gera mais dinheiro. 

O partido de esquerda não troca o seu eleitorado habitual pelo apolítico, embora este possa ser maior. A sua estratégia passa a ser reter a fidelidade do eleitor de esquerda para somar o seu voto ao do eleitor apolítico, conquistado pela campanha profissional. A favor desta estratégia joga a inércia e o brilho da estrela ascendente.

O eleitorado de esquerda, a esta altura, já está habituado a votar nos candidatos do partido de esquerda. Mesmo que estranhe a campanha profissional do partido, ele dificilmente votará em candidato de centro ou direito. Tampouco votará em candidato de partidinho de esquerda, porque sabe que não tem chance de ganhar.

Assim, o partido de esquerda consegue somar o voto dos que sonham com outro mundo ou outra sociedade com o voto dos que sonham com um governo admirado, amado, aplaudido, que faça inveja aos cidadãos de outros países.

O partido de esquerda ganha eleições, chega a ser o maior do país, mas depende vitalmente das contribuições dos grandes empresários e da grana suja extraída das inúmeras oportunidades de negócios que o governo nacional dum grande país proporciona. 

O partido de esquerda não é dirigido pela sua direção formal, democraticamente eleita pela militância, mas dos subterrâneos, onde os fundos de campanha são acumulados e as dívidas de campanha – próprias e dos aliados – são pagas. Constitui-se uma direção clandestina, secreta, que impõe ao partido o respeito a compromissos que ninguém mais conhece.

O PARTIDO DE ESQUERDA VAI AO SUBTERRÂNEO – A decadência do partido de esquerda se dá pela crescente aceitação, pela cúpula ou parte dela, das maneiras de fazer política dos partidos comuns, sejam estes de direita, de centro ou populistas.

Os partidos comuns são dignos representantes do eleitorado apolítico ou clientelista. São altamente profissionalizados, praticamente não têm outros membros a não ser os que seguem carreira político-eleitoral e os que trabalham para eles. 
Estes últimos são cada vez mais importantes: cuidam das pesquisas de opinião pública, das relações com a mídia, da produção de showmícios, de programas eleitorais de tv e de rádio, da agenda do candidato, dos cabos eleitorais, da contratação de coladores de cartazes, agitadores de bandeiras e assim por diante. 

Os partidos comuns regurgitam de gente em época de eleições e ficam às moscas todo tempo restante. Sua vida política entre uma eleição e a seguinte transcorre junto às posições de poder que lograram, nos executivos e nos legislativos.

O partido de esquerda, apesar de sua decadência, continua atraindo simpatizantes e aderentes, pois a vulgarização de sua política ainda não é patente para a maioria dos membros. Estes continuam acreditando que o partido luta unicamente pela mudança social, pela substituição do capitalismo pelo socialismo. 

E o partido guarda todas as aparências de que assim é: encontros e congressos são regularmente realizados, as direções locais, regionais e locais são eleitas em prélios duramente disputados, os intelectuais escrevem, criticando a desigualdade, as injustiças sociais, os governos etc., na imprensa do partido, efemérides revolucionárias continuam sendo celebradas, as reivindicações dos movimentos sociais prosseguem figurando nos programas eleitorais do partido.

Na verdade, em sua fase de decadência, o partido de esquerda se divide em dois. Um é o partido de sempre, exceto que cada vez mais tarefas, que antes eram feitas por militantes, estão agora a cargo de profissionais. O militante amador (que vive de seu trabalho) passa a ser excluído não só das campanhas eleitorais, mas também dos postos de direção. 

Isso acontece porque ele só dispõe de pouco tempo livre, para trabalhar pelo partido, ao passo que os profissionais têm todo seu tempo dedicado a estes trabalhos. Além disso, os dirigentes se acostumam a trabalhar com gente paga, a quem podem dar ordens, que raramente são discutidas; contratados podem ser mandados embora, se o dirigente acha que não são eficientes ou se não vão com a cara deles.

Trabalhar com militantes é muito mais complicado: nem sempre são pontuais, recusam-se a cumprir ordens com que não concordam, são capazes de criar caso se percebem que os atos da direção não são transparentes e às vezes nem éticos. 

Quando participam da direção do partido, os amadores têm cada vez mais dificuldades de igualar o ritmo dos profissionais. Acabam faltando a reuniões, não conseguem acompanhar as atividades, não ficam sabendo do que foi resolvido. Quando reclamam que são deixados de fora, logo percebem que estão falando sozinhos. Depois de algum tempo, desistem.
(continua neste post)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails