terça-feira, 17 de abril de 2018

MAIS UM IMPRESCINDÍVEL QUE SE VAI: PAUL SINGER. EIS UM ARTIGO QUE ELE ESCREVEU HÁ 10 ANOS E SE REVELOU PROFÉTICO – 1

HISTÓRIA NATURAL DA VIDA, PAIXÃO E
 DECADÊNCIA DUM PARTIDO DE ESQUERDA

Paul Singer: economista, professor e um dos fundadores do PT
VIDA – Um partido de esquerda nasce a partir da decisão de um punhado de pessoas, partidárias do socialismo, oriundas do sindicalismo, da intelectualidade, da Igreja popular, do movimento estudantil e de outros movimentos sociais: feminista, negro, indígena, ambientalista etc. 

Passam das palavras à ação: convocam reuniões, lançam manifestos, passam abaixo assinados, vendem jornais na porta das fábricas etc. 

O programa de libertação social ganha mais e mais partidários, o número de militantes aumenta, até que o partido ganha estatura para disputar eleições. 

Surge o partido, composto por idealistas, que naquele momento nem pensam em carreira política. Sua militância partidária é continuação de seu ativismo em outros espaços sociais, culturais, econômicos; para os jovens, é a estréia na vida pública.

Nesta altura de sua adolescência, o partido é pobre e se orgulha disso. Reúne-se em espaços cedidos ou alugados em lugares miseráveis, imprime sua propaganda com a receita das contribuições dos membros e simpatizantes. Os únicos profissionais com que conta são a mulher da limpeza e a atendente do telefone.

Seu desempenho eleitoral é sofrível. Seus candidatos ficam nos últimos lugares, apenas alguns poucos (artistas, intelectuais, comunicadores, líderes de movimentos sociais) logram se eleger. 

São tempos difíceis. O partido é ridicularizado pelo seu idealismo e pela sua pretensa ineficiência. A massa de trabalhadores vota em candidatos de partidos populistas ou em candidatos populares, sem se preocupar com a que partidos pertencem. Parte dos eleitores de esquerda prefere não desperdiçar seu voto dando-o ao partido de esquerda. Prefere votar nos candidatos menos ruins.

PAIXÃO – Embora não pareça, o partido de esquerda vê o número de seus eleitores aumentar, no início um pouco, em seguida cada vez mais. 

A presença do partido vai crescendo à medida que seus poucos parlamentares se destacam denunciando a violência policial, acompanhando piquetes de greve, resistindo, ao lado dos moradores, ao despejo de favelas e assim por diante. 

Os estudantes de medicina, arquitetura, direito etc. prestam seus serviços aos desvalidos, que pouco a pouco se aproximam do partido e lhe dão seus votos. Mais e mais movimentos sociais procuram o apoio do partido, mesmo sabendo que ele não tem prestígio junto aos governantes.

O partido conquista seus primeiros mecenas. São velhos socialistas que deixam ao partido bens em herança, principalmente bibliotecas. São ex-socialistas que enriqueceram e se lembram com saudade do tempo em que eram mocinhas. E artistas, intelectuais, aposentados, que doam ao partido, talvez porque sentem remorsos por não participarem de suas atividades.

Na medida em que cresce o número de parlamentares do partido, aumenta também a quantidade de assessores dos mesmos, que também se tornam políticos profissionais. Surge a demanda, por parte da direção do partido, de que mais militantes se profissionalizem, pois a cada eleição se multiplicam as oportunidades de filiar mais gente. 

O trabalho de dirigir o partido no país, nos estados, nos municípios e nos bairros aumenta cada vez mais. É preciso atender a imprensa, dar entrevistas, cavar espaço em programas de rádio, etc. E dar palestras em escolas, sindicatos, igrejas, associações de bairro e assim por diante. E atender pessoas que querem discutir o programa ou questões ideológicas, que exigem a presença de representantes em festas de bairro, quermesses, casamentos, batizados… 

Sem falar das viagens ao interior e a outros estados, da recepção a visitantes do exterior ou de outras partes do país. Não espanta que, nestas condições, a direção do partido peça a cada parlamentar que libere alguns cargos de assessor para que militantes possam se profissionalizar.

E o partido continua a crescer em filiados e em votos. Passa a eleger bancadas maiores e seus candidatos a postos executivos conquistam posições intermediárias nos pleitos. Havendo segundo turno, o seu apoio é cada vez mais valorizado. Partidos mais populistas ou mais oportunistas inserem idéias e propostas de esquerda em suas plataformas eleitorais. 

O partido atrai pessoas que não ligam para ideologias, mas almejam uma carreira política. Alguns o fazem ingenuamente, outros com malícia. 

A luta entre as correntes que compõem o partido se agudiza: as que estão mais à esquerda criticam a filiação dos apolíticos e o apoio a candidatos não suficientemente de esquerda; as que estão mais ao centro (em partido de esquerda não há alas à direita) argumentam que o partido precisa crescer para ganhar poder político, tendo em vista realizar seu programa. Afinal, a razão de ser dum partido que disputa eleições é ganhá-las.

A paixão pelas idéias de esquerda se torna popular. As camadas, que a esquerda professa querer beneficiar, aproximam-se do partido, freqüentam seus comícios, as crianças envergam camisetas e bonés com as insígnias do partido, as mulheres usam broches e brincos, os homens distintivos. Os primeiros parlamentares se reelegem e reelegem. 

Alguns conquistam prefeituras em aglomerações operárias, o que tem um impacto grande sobre o partido. De um momento para o outro, dezenas ou mesmo centenas de militantes e dirigentes do partido são chamados ao governo, para se tornarem secretários, administradores locais, diretores de autarquias e sobretudo assessores de todas estas autoridades. 

Os seus lugares, na hierarquia partidária, passam a ser ocupados por militantes menos brilhantes e menos preparados. Filiados apolíticos são guindados a postos de direção.

O debate ideológico perde o gume. A maioria dos filiados já não acompanha as controvérsias com a paixão de antes. A muitos o que interessa é uma ambulância para o posto de saúde, uma creche para o bairro, o asfaltamento de ruas… 

As alas que defendem teorias elaboradas sobre o estágio do capitalismo ou os caminhos ao socialismo perdem apoio. Os votos dos filiados se dirigem mais aos que repetem slogans gerais, invectivando os ricos ou o imperialismo e se mostram capazes de atender demandas concretas das camadas populares. Dirigentes profissionalizados e membros das camadas pobres se unem no que consideram a prioridade maior: ganhar as próximas eleições. 

Intelectuais, estudantes, socialistas idealistas se sentem desolados pelos novos rumos do partido mas se consolam com o ganho de forças que o partido exibe a cada pleito. Sentem que perdem prestígio internamente, pois a maioria dos militantes não lhes dá atenção. E que ganham prestigio e atenção externamente, na medida que se tornam porta vozes duma estrela em ascensão.
(continua neste post)

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