segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A FOTO QUE CONFIRMOU A EXECUÇÃO DE LAMARCA E A DIGNIDADE DE UM LEGISTA

Em 2012, uma novo foto do comandante Carlos Lamarca veio à tona e a Folha de S. Paulo a publicou (vide reportagem aqui). Era a confirmação irrefutável de que ele havia sido executado pelos agentes da repressão.

Escrevi um artigo relatando esta e outra farsa que acabava de ser desmascarada e, no site Consciência Net (vide aqui), um leitor chamado Wanderley Almeida de Macedo postou um comentário interessantíssimo:
"A verdade é única. O  prof. dr. Aníbal Silvany Filho, legista do Instituto de Medicina Legal Nina Rodrigues (BA), encarregado de realizar a autopsia de Lamarca, foi sumariamente afastado de realizar o ato pelos militares que presenciaram o minucioso exame cadavérico no corpo do guerrilheiro, por não concordarem com que fosse registrado o número dos ferimentos perfuro-contusos, bem como a direção dos projeteis de arma de fogo que atingiram o corpo de Lamarca (de trás pra frente, da frente pra trás, de cima para baixo, de baixo para cima, etc.). 
O dr. Silvany discursa ao ser homenageado
O emérito prof. não se encontra mais entre nós, mas, felizmente, seus discípulos souberam aprender a lição do mestre". 
Cheguei logo à conclusão de que o comentarista era um dos discípulos do dr. Silvany Filho.

Este episódio, de cinco anos e meio atrás, me veio à lembrança ao ler a descrição da morte do Lamarca no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que foi bem ao encontro do que o leitor relatou. 

Só lamento que a CNV não tenha incluído uma menção ao legista baiano que tentou cumprir seu dever, fazendo uma autópsia honesta, mas foi impedido pelos militares.

Eis como a CNV contou o final da perseguição:

"Na tarde do dia 17 de setembro, enquanto descansavam à sombra de uma baraúna, árvore típica da região, Lamarca e Zequinha foram surpreendidos pela tropa comandada pelo major Nilton de Albuquerque Cerqueira.
Escracho no endereço do oficial que comandou a caçada

O relatório da Operação Pajuçara, elaborado pela 2ª  Seção do Quartel-General da 6ª Região Militar do IV Exército, sugere que Lamarca e Zequinha, ao serem finalmente localizados, não ofereceram resistência:
'O segundo [Lamarca] levantou-se, tentando também correr, carregando um saco. Esse foi abatido 15 metros à frente, caindo no solo, enquanto o que dera o alarme [Zequinha Barreto], apesar de ferido, prosseguiu na fuga.
...Pouco adiante, Jessé [Zequinha Barreto] virou-se para o elemento que o perseguia, atirando-lhe uma pedra, recebendo então a última rajada. 
...A condição física [dos militares perseguidores] é também base para o sucesso da operação. [...] Esta afirmativa é baseada também no estado físico em que se apresentavam os dois terroristas ao final da ação, totalmente esgotados'.
Lamarca foi executado por agentes do Estado brasileiro com sete tiros, disparados de diversas direções, inclusive por trás, o que atesta que foi cercado.
Yara Iavelberg fora executada 4 semanas antes em Salvador 
Segundo moradores, seu corpo e o de Zequinha Barreto foram colocados à exposição pública na praça de Brotas de Macaúbas, onde foram chutados por militares e policiais, que se gabavam de tê-los executado. Depois, foram colocados em um helicóptero e levados para a capital, Salvador, onde foram sepultados, no Cemitério do Campo Santo. 

Diligência da CNV a Salvador, entre os dias 4 e 5 de agosto de 2014, localizou funcionários do cemitério responsáveis pelo sepultamento de Lamarca. Passadas décadas, eles lembravam com precisão do enterro de Lamarca, tamanho o aparato repressivo que cercou o episódio. Um deles, que colocou uma lápide na sepultura de Lamarca, foi repreendido por isso. 

Eles contaram que por dois anos, até a exumação de seus restos mortais, em setembro de 1973, quando foram trasladados para o Rio de Janeiro, agentes se revezavam, vigiando o túmulo, para evitar que ali virasse um local de reverência. 

...Em 1996, foi feita nova exumação, para que fosse feita perícia, por solicitação da família (...). Segundo os peritos [Celso Nenevê e Nelson Massini], Lamarca, cercado, recebeu tiros de ambos os lados, inclusive por trás, sendo que o tiro fatal foi de cima para baixo. O que nos leva à presunção de que, provavelmente abatido pelas costas, caído, foi mortalmente atingido".
Nem mesmo o filme Lamarca reconstituiu toda a covardia da execução

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