sexta-feira, 17 de novembro de 2017

IRMÃ VAI LANÇAR LIVRO SOBRE BELCHIOR E QUER TIRAR BIOGRAFIA INDEPENDENTE DE CIRCULAÇÃO. RESERVA DE MERCADO?

Por Celso Lungaretti
Considero patético e repulsivo quando qualquer cidadão ou cidadã presumivelmente de esquerda, seja lá com que justificativa for, apoia alguma forma de censura. Depois de tudo por que passamos na última ditadura, deveríamos ser os últimos a abrir frestas para a volta das tesouras malditas.

Pior ainda é uma iniciativa deste tipo estar partindo de uma irmã do Belchior que tem conflito de interesses com o autor da biografia já lançada do cantor cearense: ela também redigiu uma biografia do Belchior, que vai chegar às livrarias no ano que vem.

Mesmo admitindo que, neste caso específico, o motivo da mana seja apenas e tão-somente a sincera indignação com o que se escreveu sobre o mano, sua eventual vitória legal abriria um precedente pra lá de nefasto, podendo ser depois utilizada com o objetivo de detonar concorrentes.

O veterano jornalista Jânio de Freitas, há quatro anos, já esgotou o assunto:

"...todos os que defendem a exigência de autorização aos biógrafos dizem não estar defendendo censura. Querem o predomínio, sobre a liberdade constitucional de expressão e informação, dos artigos do Código Civil que permitem impedir biografias contrárias à honra ou à imagem.

Para sabê-lo, porém, só lendo a biografia antes, para aceitá-la ou vetar a publicação. E censura é precisamente isso, nem mais nem menos..." 

CALA A BOCA JÁ MORREU

Por Ruy Castro
Há alguns anos, com seu histórico voto de cala a boca já morreu, a ministra Cármen Lúcia, do STF, parecia ter encerrado a discussão sobre as biografias produzidas no Brasil, garantindo-lhes a independência. 

Pois eis que, de repente, as forças obscurantistas voltam ao ataque. Uma irmã do cantor e compositor cearense Belchior (1946-2017) insurge-se contra o livro do jornalista Jotabê Medeiros, Apenas um rapaz latino-americano, biografia do artista lançada há pouco pela editora Todavia.

Como sempre, o livro de Medeiros é "mentiroso", "cheio de erros" e "ofensivo à honra de Belchior e de sua família". É normal —as famílias, que julgam saber tudo sobre seus parentes ilustres, sempre se surpreendem com as revelações levantadas pelos biógrafos. 

Até há pouco, a lei as autorizava a ir aos tribunais e tentar tirar um livro de circulação. Em 1995, conseguiram com que Estrela solitária, minha biografia de Garrincha, passasse um ano proibida; e, em 2006, baniram para sempre Roberto Carlos em detalhes, de Paulo Cesar Araújo.
Chico Buarque em 2013: "Pai, aproxima de mim esse cálice..."

Só que, do voto de Cármen Lúcia para cá, nenhum autor é obrigado mais a pedir a autorização de ninguém para biografar quem quer que seja e, se o biografado ou sua família não gostar do resultado, que processe o autor e tire-lhe as calças —mas o livro não poderá ser proibido de circular.

Ângela Belchior, a dita irmã, é socióloga, uma mulher instruída. Mas sua declaração, "Nosso objetivo é tirar o livro de circulação, estamos tomando providências", não faz jus a seus títulos. Cármen Lúcia nela. Não por coincidência, Ângela está escrevendo seu próprio livro sobre o irmão, a sair em 2018.

Ótimo, e boa sorte para esse livro. Mas o de Jotabê Medeiros, que não li e já gostei, não pode ser tocado, a não ser por quem vá às livrarias e compre um exemplar. 

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