"A pobreza não é um acidente. Assim como a escravização e o apartheid, a pobreza foi criada
pelo homem e pode ser removida pelas ações
dos seres humanos" (Nelson Mandela)
Sabemos que o comportamento de ser humano está condicionado às circunstâncias do meio e do tempo no qual está inserido. São os valores morais, convenções éticas, domínio do saber, relações familiares, mas, principalmente o modo de relação social de produção, os fatores mais determinantes do comportamento humano.
A indução moral e ética causada pelo modo de produção social determina as relações interpessoais e a forma de organização social. A interação entre o modo de produção social adotado pelos indivíduos ou a eles impostos por determinados segmentos sociais dominantes e as relações dele decorrentes é o que formata e conceitua o caráter social.
Assim, caso esse modo de produção social seja injusto na sua essência constitutiva, criam-se conceitos de valores e de comportamentos que, embora negativos, são socialmente positivados, gerando um resultado social catastrófico e conflitos pessoais irresolúveis, ainda que sua causa permaneça imperceptível para suas vítimas, os mesmos indivíduos sociais que o criaram.
Numa sociedade escravista, a segregação social praticada por uns poucos privilegiados contra os muitos subjugados e empobrecidos cria uma situação de tensão social permanente; todos os indivíduos sociais terminam como perdedores e adversários entre si de um modo ou de outro, o que levou Karl Marx a afirmar que “o povo que subjuga outro, cria a sua própria cadeia”.
A mediação social pela forma-valor, que cria o capital e o capitalismo, é uma forma de relação social reificada, ou seja, uma absurda interposição numérica de mensuração econômica (o dinheiro como expressão do valor, riqueza abstrata) para objetos sensíveis de consumo social e serviços, bem como para a própria atividade humana de esforço físico e mental de produção que transforma tudo em mercadorias, com o desiderato vazio de sentido social virtuoso, propiciando a acumulação da riqueza abstrata (e, como consequência, a verdadeira riqueza, a material) por castas sociais. Isto, claro, provoca um desequilíbrio social destrutivo.
Não é apenas a desigualdade social o cerne do problema no capitalismo, mas, também e em igual intensidade, a indução comportamental negativa marcada pela positivação desses comportamentos.
Tudo no capitalismo inverte o conceito das verdadeiras virtudes. É que, no capitalismo, todos se tornam adversários de todos na sofrida luta pela vida, na qual prepondera a destrutiva disputa de dinheiro e poder ao invés da solidariedade construtiva.
Não é o cientista dedicado que descobre a vacina contra endemias o herói social, mas sim o grande empresário que financia as pesquisas e patenteia a vacina para vendê-la mundialmente, com isso detendo o verdadeiro poder social – o econômico.
O filho do operário honesto que vê seu pai chegar à idade madura com dentes estragados e sem assistência médica, morando na favela ou numa habitação precária em ruas esburacadas e com dificuldade de transporte diário de casa para o trabalho, aprende cedo (por observação empírica) quem são os vencedores sociais e como e porque o são.
Esse menino pobre depreende cedo que a maioria dos vencedores sociais, nada mais é do que seus algozes sociais hipócritas que se corporificam nos seguintes modelos sociais:
— os insensíveis homens de negócios que obedecem fielmente a lógica ditatorial da administração empresarial e que não hesitam no tráfico de relações com o poder político ou na predação ecológica como forma de manutenção do poder econômico que os teleguia, ainda assim querendo ser vistos pela comunidade como benfeitores sociais que geram empregos (os mesmos empregos que os fazem ricos);
— os políticos corruptos e os que, mesmo não o sendo, reforçam a opressão sistêmica;
— os homens que traficam drogas a armas ou bancam jogos de azar e outras atividades econômicas ilícitas correlatas;
— aqueles que, obtendo as benesses sociais do poder em cargos públicos com vencimentos desproporcionais ao salário do seu pai empobrecido, e que fingem defender a isonomia de direitos sociais a partir das leis.
O caldo de cultura da miséria social que se agrava mundo afora, mais a inversão de valores verdadeiramente virtuosos, provoca a introjeção mental social generalizada da vitória do ruim em detrimento da afirmação do bom.
Antes da casa cair, Joesley era tido como empresário-modelo. |
E isto vale também, e mais perceptivelmente, para a arte e a cultura, num processo de interação entre o fazer artístico e o mercado.
Entretanto, como não há mal que sempre dure, a forma de relação social segregacionista patrocinada pelo capital está atingindo o seu limite existencial, inclusive como consequência da contradição na concorrência de mercado entre o saber tecnológico que conspira contra a escravização pelo trabalho abstrato produtor de valor e a própria predação ecológica que ameaça a todos indistintamente.
Devemos acreditar na superação da irracionalidade capitalista e apostar num modo de relação social que positive as verdadeiras virtudes humanas, induzindo o ser humano a tais virtudes em cada gesto e atitude, num reencontro com aquilo que nos fez sobreviver, nos primórdios, ao enfrentamento das grandes feras irracionais, e que nos proporcione os melhores atributos da racionalidade: a solidariedade e o sentido social gregário.
Entretanto, como não há mal que sempre dure, a forma de relação social segregacionista patrocinada pelo capital está atingindo o seu limite existencial, inclusive como consequência da contradição na concorrência de mercado entre o saber tecnológico que conspira contra a escravização pelo trabalho abstrato produtor de valor e a própria predação ecológica que ameaça a todos indistintamente.
Devemos acreditar na superação da irracionalidade capitalista e apostar num modo de relação social que positive as verdadeiras virtudes humanas, induzindo o ser humano a tais virtudes em cada gesto e atitude, num reencontro com aquilo que nos fez sobreviver, nos primórdios, ao enfrentamento das grandes feras irracionais, e que nos proporcione os melhores atributos da racionalidade: a solidariedade e o sentido social gregário.
O MELHOR ESTÁGIO RACIONAL QUE DEVEMOS BUSCAR
O ser humano está num estágio de evolução, embora haja retrocessos bárbaros como os que ora ocorrem, além de permanecerem presentes os resquícios perigosos da sua primeira natureza animal irracional.
Vivemos a fase da segunda natureza humana, marcada pelo ganho da racionalidade, na qual despontou o interesse em compreender o sentido da própria existência humana e a busca da compreensão da sua própria efemeridade de vida (daí a crença na vida espiritual extracorpórea e nas divindades), que deve dar lugar a uma terceira natureza, superior.
[Isto se não se extinguir de moto próprio, via hecatombe nuclear ou por conta de catastróficas mudanças na natureza, provocadas por ele mesmo ou não.]
Mas devemos reconhecer urgentemente que o processo evolutivo da racionalidade encontra-se travado pela exaustão de um modelo social tornado anacrônico e isto provoca distorções comportamentais que assumem ares de involução civilizatória.
Exemplo disso são os conflitos étnicos e religiosos que se acentuam, como resultantes da miséria social causada por um modelo social que se exaure por suas contradições internas.
Caso do que ora ocorre em Myanmar (antiga Birmânia), mais um dentre os terríveis dramas sociais em curso mundo afora, com o espetáculo habitual de centenas de milhares de refugiados perseguidos pela insensatez humana — e isto num país cujo governo tem uma representante laureada com o prêmio Nobel da Paz, numa prova de que os governantes não governam, mas obedecem ao comando cego de uma ordem social econômica subjacente e dominante, que avassala o poder político.
É imperativo fazermos as opções corretas neste momento crucial da história da humanidade.
Uma das quais é superarmos a irracionalidade da mediação social pela forma-valor, gênese do capitalismo, e adotarmos um modo de produção social que nos condicione às melhores virtudes humanas de modo crescente, ao invés da involução civilizatória que ora observamos.
4 comentários:
Dalton,
Não o condeno sua ânsia em desvelar a imoralidade subjacente ao modo de produção capitalista. Vejo que empenha muito esforço para apresentar a trapaça básica da nossa sociedade.
(Sociedade, não Estado. Posto que Estado pressupõe Justiça. E uma gangue que consente e propagandeia a corrupção está usando inadequadamente o nome de estado. É, na verdade, um deboche com a Sereníssima Justiça.)
De outra feita descreve perfeitamente tanto o horizonte imediato de desespero, decorrente desse deboche, como as funestas consequências do nosso comportamento social.
Como alguém que peleja a favor da Justiça, exorta a mudança de rumos e comportamentos dos que deveriam conduzir a sociedade a patamares éticos superiores.
E o faz com brilhantismo, verve e boa argumentação.
A bem dizer posso estar errado, mas observei no primeiro parágrafo do seu texto uma afirmação apriorística que não encontra substrato na realidade.
Trata-se de dar a entender ser o ambiente o único condicionante do comportamento, esquecendo-se da acrescer o genoma
A máquina gênica (homem) centrada no ego e, portanto, egoísta é quem cria a sociedade capitalista. E não o contrário.
RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON POR E-MAIL:
Caro SF
O Estado moderno, capitalista, é o guardião da ordem sistêmica opressora e, assim, não pode ser outra coisa senão uma correia de transmissão indispensável dessa mesma opressão.
O Estado, ainda que venha a estar a serviço de outra ordem verticalizada de poder será sempre opressor. Entendo, portanto, que uma sociedade emancipada prescindirá do Estado e do poder verticalizado e estruturar-se-á numa multiplicidade de funções distribuídas entre os indivíduos socais a partir do verdadeiro interesse social que tenderá a um sentido de justiça social horizontalizado (manipulações e tentativas de criação de novos e micro poderes sempre existirão).
Quanto à questão de nossa ordem social ter sido criada pelo ser humano, e sem dúvida o foi, entendo que é esse mesmo ser humano quem tem a capacidade de compreender a necessidade de sua superação, e o poderá fazê-lo por imposição empírica aliada a uma autoconscientização sobre a irracionalidade social que ele mesmo criou (acaso sobrevivamos em tempo a essa irracionalidade).
Um grande abraço,
Dalton Rosado.
Conta a lenda que um cangaceiro nordestino falava para seus cabras: respeitem as famílias, as mulheres casadas e as moças!
Se acaso algum cabra fizesse alguma bagaceira ele "empiricamente" capava o infrator.
A lei do cangaço era esta.
O chefe se impunha pelo paroxismo da crueldade.
Obediência cega.
Mas um dia, um dos cabras do bando desrespeitou uma família matando a única vaca que ela tinha e ele (o chefe) não sangrou o criminoso.
Então, naquele dia, foi a Fortaleza, entregou-se e cumpriu sua sentença.
Já que não era mais homem para fazer cumprir a Justiça no meio da cabroeira.
Veja que nem um cabra homem "três vez" conseguiu impor um novo paradigma para a máquina gênica egoísta, imagine o resto de nós?
Por outro lado há mutações genéticas que podem gerar seres humanos mais aptos ao convívio fraterno.
Tipo, com menos adrenalina e mais serotonina no cérebro.
Cérebro maior, com mais memória e inteligência.
Sentidos mais apurados.
Pois que, a agressividade, angústia e desespero também são decorrentes de baixos níveis de serotonina, pouca inteligência e embotamento dos sentidos.
Esta tal de "imposição empírica" que você cita parece muito com a "justiça" do cangaceiro: ou me obedece ou morre!
Coisa que não tem nada a ver com emancipação, você não acha?
"A máquina gênica (homem) centrada no ego e, portanto, egoísta é quem cria a sociedade capitalista. E não o contrário".Essa frase de S.F. me parece muito pertinente, até porque existem escritos sobre o desenvolvimento da sociedade calcado na maneira de ser do indivíduo. Lá eu encontrei isto: "O desconhecimento da estrutura do caráter das massas humanas leva,
invariavelmente, a interrogações estéreis."
A infinita desigualdade entre as pessoas leva, naturalmente no rumo do Capitalismo. Aqueles mais aptos, que tiveram um lar melhor, condições econômicas melhores, inteligência e carisma, serão os dominantes, isto é bem claro.
Gostaria de sugerir duas leituras que considero imprescindíveis no contexto, obras de um médico, contemporâneo de Freud, Wilhelm Reich, e que foi muito perseguido pela originalidade de suas pesquisas e conclusões, que tornou públicas. 1) "Escuta Zé Ninguém"; 2) "Psicologia de Massas do Fascismo" ambas de leitura muito clara e concisa. Para quem tiver a curiosidade estão disponíveis no e-mail klapeiron@hotmail.com
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