sexta-feira, 16 de junho de 2017

O ADEUS ÀS ILUSÕES E ALGUMAS LIÇÕES HISTÓRICAS

“A consciência é o último ramo da alma que floresce;
só dá frutos tardios” (Joaquim Nabuco, abolicionista)
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A fase desenvolvida do capitalismo teve início com a primeira revolução industrial inglesa (final do século 18) e se consolida durante o século 19. Karl Marx viveu o final sua vida na Inglaterra (por longo período) após fugir de perseguições políticas. Assim, pôde desenvolver seus estudos críticos da economia política auxiliado pela portentosa biblioteca do Museu Britânico, de Londres, onde passava muitas horas diárias, e vivendo no berço mais desenvolvido da vida mercantil mundial. 

Foi na capital inglesa que se deu a evolução e, finalmente, a virada no seu pensar, adotando conceitos que deveriam ter orientado uma nova práxis revolucionária. Não foi o que se viu. Os marxistas, inclusive apoiados por Friedrich Engels (que mais se inclinava para o Marx exotérico, da luta de classes), não perceberam que a crítica da economia política outrora formulada e a práxis revolucionária nela embasada (e muito mais difícil de ser efetivada, principalmente pelo espaço expansionista que ainda havia de ser percorrido pelo capitalismo) estavam em completa falta de sintonia com a luta política pela hegemonia da classe trabalhadora (bem menos difícil de ser efetivada pelo empirismo da exploração nela contido). 

Na crítica da economia política se critica o trabalho abstrato como fonte de produção e acumulação do capital e, portanto, do trabalhador como instrumento indispensável do capital, enquanto que na luta de classes se defende tanto o trabalho abstrato como o trabalhador como sujeito revolucionário capaz de dominar o capital, sem superá-lo. São conceitos de tal forma contraditórios, mas que não foram observados, que resultaram no fracasso de toda a doxa socialista e na capitulação envergonhada para o capitalismo liberal burguês pós-revolucionário.          
Marx e família com Engels
Mas, por mais tortuosos que sejam os caminhos, a verdade é como óleo dentro d’água: insiste em vir à tona. Percorridos quase 160 anos de sua obra incompreendida, eis que o Marx da crítica da economia política ressurge com a força revolucionária de sempre, impelido pelo empirismo do limite interno de expansão capitalista por ele prospectado teoricamente, e como um fantasma a perseguir tanto capitalistas ortodoxos quanto socialistas estatizantes que tudo negam, mas que excluem dessa crítica, sem o saber, o capital e suas categorias, que dizem combater.

Em recente resposta ao comentário da professora universitária Zenilda Batista Bruginski (clique aqui para lê-lo), no qual ela faz uma crítica à mesmice da esquerda com a citação do apenas relativo antagonismo entre capital e trabalho, defendendo a necessidade de ruptura com o capitalismo de forma radical, sem, entretanto, conseguir retirar de sua mente revolucionária alguns dos construtos capitalistas (sem cujas remoções não podemos chegar a nenhum lugar), pude dizer o seguinte: 
"Não tenha dúvidas de que a esquerda se enquadrou, nesses 170 anos, aos limites da luta de classes que significou apenas um embate entre os donos dos meios de produção (os capitalistas, privados ou estatais) e os trabalhadores em busca do dinheiro, sem questioná-lo enquanto tal. Dessa forma, a busca da hegemonia política pelos trabalhadores resultou na criação do estado pretensamente proletário, que faria a extração de mais-valia em nome dos próprios trabalhadores (criaram um ladrão em defesa da vítima do roubo). 
Tal postura deriva do desconhecimento (ou da desonestidade, o que é sempre pior) do caráter autotélico da forma-valor e de todos os seus construtos, que não permite a justa distribuição do dinheiro.
Cidadão Kane, o emblemático magnata desumanizado.
O dinheiro é como um dragão que, quanto mais se alimenta e maior fica, mais precisa de alimentos. Os trabalhadores sempre se ferraram na vã esperança de se tornarem senhores do valor que produzem. Nunca lhes ensinaram que precisavam superar o valor, o trabalho abstrato e a sua própria condição de trabalhadores, ao invés de incensá-la. 
O capital e o trabalho são faces de uma mesma moeda; espécies de um mesmo gênero (a forma-valor); e um não existe sem o outro. Portanto, ser anticapitalista e, ao mesmo tempo, defender o trabalho abstrato produtor de valor, que acumula capital, corresponde a uma contradição no próprio objeto teleológico. 
Assim, não precisamos de um governo diferente, mas de uma sociedade sem poder governamental; não existe economia solidária, vez que a lógica econômica é antes de tudo anti-solidária (precisamos de produção solidária); não precisamos de moedas próprias, mas de uma forma de distribuição dos bens produzidos, que, nem de longe, lembre a ideia de valor monetário; nem precisamos de escambo, que é a troca quantificada e mensurada pelo padrão valor, mas precisamos de trocas não quantificadas havidas em razão das necessidades de cada um e da capacidade de cada um produzir bens e serviços que não sejam mercadorias".
Nunca as condições da conjuntura político-econômica faram tão ricas em lições sobre a necessidade de rompimento com os pressupostos de produção e organização sociais capitalistas em fase de decomposição, que estão a promover um regresso ao asselvajamento bárbaro da humanidade. 
O aprofundamento da miséria, por si só, não promove a emancipação dos povos.
Entretanto, apesar da miséria e da barbárie se aprofundar, não é exatamente tal aprofundamento que poderá promover, por si só, a superação dos problemas. Se a miséria fosse um sinônimo de emancipação, os 15 países mais pobres do mundo (14 africanos, mais o Afeganistão) seriam a vanguarda do movimento emancipatório. 

O que é capaz de promover a emancipação diante das dificuldades crescentes é a consciência sobre as causas promotoras dessas mesmas dificuldades e que possibilitem, conscientemente, a tomada de posições emancipatórias. E é neste sentido que podemos buscar em Marx, tantas vezes considerado morto e sepultado, os ensinamentos tão úteis a tal conscientização, e sobre os seus ombros darmos a salto qualitativo que a vida social está a nos exigir. 

Se as forças reacionárias podem parecer fortes e bem encasteladas nas suas trincheiras institucionais e no poder do capital, a fragilidade dos seus pressupostos é ainda maior: eles podem ser superados com a força de uma postura coletiva que os negue, desde que se saiba o que fazer e por que fazer.  
Por Dalton Rosado

Já se tornou enfadonho nos debruçarmos sobre o lodaçal da política local e mundial, ainda que estejamos disputando o título de campeões nessa desonrosa disputa. O foco, agora, tem que ser outro. 

Nós não podemos mais nos iludir com a falsa dicotomia entre políticos de direita e de esquerda; entre a infrutífera e afirmativa briga do capital e do trabalho em busca do dinheiro, cada vez mais escasso; e na vã tentativa de retomada do desenvolvimento econômico, defendida por 100% dos políticos e pelos indivíduos sociais desavisados, buscando na causa do mal a solução para o próprio mal. 

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